Anderson Di Rizzi debate liberação de armas no país em 'O Segundo Homem'
Ator surpreende com papel dramático em thriller psicológico do Star+
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Esqueça o Palhaço de "Amor à Vida" (2013) e o Zé dos Porcos de "Êta Mundo Bom!" (2016). Anderson Di Rizzi, 43, aparece em uma chave completamente diferente dos personagens leves e de bom coração pelos quais ficou conhecido em novelas da Globo no filme "O Segundo Homem", que chega nesta quarta-feira (12) ao serviço de streaming Star+.
"Sem querer ser prepotente nem nada, é o meu melhor trabalho até hoje como artista", comenta o ator em entrevista por videoconferência ao F5. "O Thiagão [Thiago Luciano, diretor] me convidou para fazer esse personagem porque me conhece. Se fosse outra pessoa, tanto na Globo quanto em outra plataforma, acharia que eu não teria capacidade de fazer esse tipo de papel. Então isso é para mostrar para as pessoas a minha versatilidade."
O diretor corrobora com a visão do ator. "Se eu não conhecesse ele como amigo e o visse no dia a dia, nos momentos de introspecção, talvez seria mais difícil de chamá-lo para esse personagem", confirma. "Mas, conhecendo ele, ele é muito diferente do que ele mostra na TV, daqueles personagens cômicos que ele faz muito bem."
Thiago Luciano lembra que dividiu com o próprio Anderson Di Rizzi os questionamentos que recebeu sobre a escolha e sobre a capacidade dele de segurar o personagem. "Eu não fiquei nem um pouco chateado com isso, muito pelo contrário", diz o ator. "Isso me motivou. Eu falei: 'Ah, legal, agora vocês vão ver'. É esse esse tipo de pressão que me joga para a frente."
No filme, ele dá vida a Miro, um homem que se muda para o interior depois que sua mulher, Solange (Lucy Ramos), passa por uma experiência traumática de violência urbana. A trama se passa em um futuro distópico, mas muito próximo, no qual o porte de armas foi banalizado no Brasil.
Desempregado, Miro acaba se alistando na Legião Estrangeira, um braço do serviço militar da França que está atuando por aqui, com o objetivo de conseguir proteger Solange e a filha do casal dos perigos cotidianos. Contudo, o treinamento puxado (à la "Tropa de Elite") e a paranoia com a segurança da família acabam o deixando cada vez mais transtornado.
"O Miro cai numa armadilha psicológica criada por ele mesmo", avalia Rizzi. "Em vez de chegar e resolver as coisas, ele vai guardando, guardando, guardando... e vai enlouquecendo."
Essa transformação pela qual o personagem passa é que o transforma no "segundo homem" do título. "Ele vem de um contexto de violência e o uso livre de armas virou uma coisa banal, então ele acaba tomado por essa violência", diz o ator. "Além disso, ainda existe isso na sociedade de que o homem tem que tomar a frente da casa, de que a mulher não pode sustentar e de que o homem é o provedor de tudo."
A dupla conta que vinha conversando sobre a história desde 2016. Thiago Luciano, que também criou a história e assina o roteiro ao lado de Herbert Bianchi, diz que tudo começou quando ele conheceu um legionário de verdade. "Fiquei curioso para entender o que faz uma pessoa sair daqui para ir lutar uma guerra maluca da França", conta.
Mas esse foi só o ponto de partida. "É impossível fazer arte sem tocar um pouco na política", avalia o diretor. "É impossível você esquecer totalmente o que está acontecendo no país, isso fica na nossa mente durante todo o processo de criação. Não existia toda essa problemática da arma no roteiro, mas com a entrada do Bolsonaro no poder e com isso começando a ficar meio latente na população, a gente sentou e chegou à conclusão de que não tinha como a gente não falar sobre isso."
Apesar de se passar num futuro imaginado, a proximidade com a realidade faz o cineasta classificar a obra como uma "distopia realista". "Foi quando decidimos brincar um pouco com essa cor que resolvemos focar na família e ver a relação deles com essa realidade."
Thiago diz que teve a preocupação de não deixar o roteiro muito didático, embora admita que a obra tem um lado. "O filme não fica em cima do muro em nenhum momento", afirma. "Fica claro ali o posicionamento de que se você encostar em armas coisas horrorosas acontecerão em sua vida. A gente tem que fazer arte para cutucar, para tentar tocar as pessoas de alguma forma para que elas repensem algumas coisas."
Além de Rizzi, o diretor também trabalha com outra pessoa bastante próxima: a mulher dele, Lucy Ramos. "Independente de ser minha esposa, admiro a Lucy como artista e como influenciadora que levanta diversas questões na internet", elogia. "Sou fã do trabalho dela."
Lucy conta que o casal chegou a um equilíbrio trabalhando junto. "Ele dirige, escreve, atua, tem todo esse lado de produtor criativo...", enumera. "Quando o conheci, eu tinha só o lado atriz e palpiteira (risos)."
Assinando também como produtora associada do filme, ela diz que os dois se escutam bastante e que a relação saiu até fortalecida dessa experiência. "Acho que eu fui amadurecendo muito com a relação e com o processo [de trabalharem juntos]", avalia. "Hoje a gente sabe o ponto até onde a gente pode ir."
A atriz também comenta sobre sua personagem, que desenvolve síndrome do pânico e depressão após o estresse ocasionado pelo trauma vivido em um assalto a mão armada. "Eu senti uma responsabilidade de representar essa mulher, que tem uma certa fragilidade e uma doença de hoje em dia", conta. "Pensei muito em como representar isso de uma forma muito sincera e honesta, em como não deixar caricato."
Ela diz que pesquisou bastante sobre o tema e conversou com pessoas que já passaram por situações semelhantes —a atriz afirma que nunca passou por nenhuma situação mais grave de violência urbana. "Fui tentar entender o que se passa ali dentro, um pouquinho ao menos, porque eu acho que só quem vive isso, quem passa por esses conflitos mentais, que entende."
Na trama, a personagem foge ao máximo de conflitos por sua posição antiarmamentista. Também é uma das poucas que não pegam em uma arma —pelo menos até que isso se faça absolutamente necessário.
Na vida real, Ramos diz que não gostaria que a liberação do uso de armas se tornasse factual por enquanto. "Eu preferiria que as coisas continuassem como estão", afirma. "Para que isso aconteça por aqui, é preciso arrumar outras coisas antes. Esse filme mostra um pouco do que poderia ser um caminho, do que pode acontecer, então achou um pouco delicado."
Rizzi, por sua vez, conta que o conceito dele com relação às armas mudou depois do filme. "Eu tinha um certo receio de arma", diz. "Eu sempre relacionava arma com assalto relacionava, com morte e com assassinato."
Ele diz que nunca tinha atirado até fazer o treinamento para o filme, mas que isso foi importante para o personagem. As armas usadas pela produção eram reais e um especialista foi contratado para cuidar do processo. "Eu vi que tem pessoas que usam a arma como esporte", lembra.
"Não tenho arma em casa, mas eu lembro que meu pai tinha uma arma registrada que ele vendeu", afirma. "Não sou contra quem tem, acho que desde que a pessoa tenha registro e um curso. Eu acho perigoso aqui na minha casa, mas entendo quem tenha."
Porém, para chegar a uma liberação das armas como a proposta no filme —em uma das cenas, uma pessoa pega a senha em um supermercado para comprar uma, por exemplo—, ele diz que seria necessário haver um controle maior. "O que eu não gostaria é de uma liberação banalizada, se isso acontecer que seja com várias condições", defende.
Já o diretor diz que o país tem outras prioridades no momento. "Quanto mais os nossos governantes falam sobre isso, mais a população é encorajada", lamenta. "Eu acho que isso só atrapalha o desenvolvimento do país."
"Acho que o que a gente pode fazer para não chegar na situação do filme é trocar quem está no poder", afirma. "Hoje é a melhor forma que a gente tem de tentar buscar outro caminho."