'The Pursuit of Love' explora expectativas e jeito 'punk rock' das mulheres
Minissérie é adaptada do romance de Nancy Mitford, de 1945
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Se você perguntar a Emily Mortimer, “The Pursuit of Love”, romance de Nancy Mitford publicado em 1945, tem algo de rock’n’roll. Mortimer adaptou o livro –que conta as histórias divergentes de Fanny e Linda, duas primas aristocráticas inglesas e melhores amigas, e de seu amadurecimento entre as duas guerras mundiais– como uma nova e cintilante minissérie que chegou a Amazon Video em 30 de julho.
Ao fazê-lo, a atriz e roteirista britânica descobriu que, em Linda, Mitford estava celebrando uma pessoa que “não tem medo e não se sente agrilhoada pelas regras convencionais de como se comportar”, ela disse em entrevista recente.
Em uma época na qual a expectativa era de que as mulheres se casassem e depois obedecessem a seus maridos, Linda (interpretada por Lily James na série) se torna uma renegada social sexualmente liberada, que não permite que qualquer obstáculo, o que inclui as regras de moralidade, atrapalhe sua busca de paixão romântica.
A cautelosa Fanny (Emily Beecham) toma um caminho mais convencional, e se torna uma dona de casa e mãe convencional e intelectualmente frustrada, e que se preocupa constantemente, ao contrário da imprudente Linda, com a possibilidade de ter se tornado pudica.
O romance de Mitford, que tem elementos autobiográficos, é uma recordação afetuosa de sua criação como a mais velha das seis irmãs Mitford, meninas de sociedade cujas aventuras escandalizavam a elite britânica, e satiriza alegremente a conversão de Diana ao fascismo, a de Unity ao nazismo, e a de Jessica ao comunismo. Linda é um retrato composto de diversas das irmãs Mitford, entre as quais Nancy.
A minissérie em três episódios, que representa a estreia de Mortimer como diretora, traz Fanny como uma protagonista cujo papel é mais importante do que aquele que ela tem no romance, e Mortimer escolheu também enfatizar a maneira pela qual Fanny vive vicariamente por intermédio de Linda.
“É uma história na qual vemos uma garota assistindo à vida de outra garota”, ela disse, sentada na calçada à mesa de um café perto de sua casa em Brooklyn. “E na verdade é sobre a jornada emocional em que acompanhamos a garota que observa e se compara constantemente àquela pessoa viva e impulsiva que ela de certa forma ama, mas pela qual se sente deixada de lado em muitas ocasiões”.
Em uma cena inventada por Mortimer, Fanny está voltando à Inglaterra depois que ela e duas companheiras fracassam em seu esforço para salvar Linda de sua nova vida como amante sustentada de um duque francês cafajeste, Fabrice (Assaad Bouab), uma situação que a faz, por fim, incrivelmente feliz.
Fanny critica a mais recente aventura arriscada de Linda, dizendo que “ela está vivendo como prostituta de luxo, e que se danem as consequências”. A petulância irrita lorde Merlin (Andrew Scott de “Fleabag”), o antigo mentor de Linda na boêmia, que retruca, secamente: “Nem todos podemos experimentar a grande felicidade doméstica” que Fanny conquistou.
“E depois disso Fanny tem de voltar para casa e pensar consigo mesma se ela é realmente feliz”, disse Mortimer. Fanny ama o marido, Alfred (Shazad Latif), um professor careta da Universidade de Oxford, e ele a adora, mas a vida chata de dona de casa, os resmungos dele –sobre infrações de Fanny como confundir ente a colher de geleia e a de “marmalade”– e as exigências sacrificadas da maternidade puseram fim a qualquer faísca romântica que existisse entre eles.
Os fogos de artifício de que Linda claramente desfruta com Fabrice significam que existe certa dose de inveja no desconforto que Fanny expressa sobre os arranjos da prima. Contrapor as duas primas dessa maneira permite, assim, que Mortimer examine as escolhas de vida limitadas de que as mulheres da classe social de Linda e Fanny dispunham naquela era, e o papel da sexualidade em sua busca por significado e felicidade.
“Há muita vergonha e muita dor em torno da sexualidade, ainda hoje, e por isso é importante que as mulheres se expressem sexualmente, como Linda faz, da forma que lhes pareça mais certa”, a diretora afirmou mais tarde em um email.
No estúdio, Mortimer teve conversas com mulheres jovens na equipe de produção da série que lhe disseram que a experiência de Linda de buscar apaixonadamente o que ela desejava, e de isso ser considerado inaceitável, ecoava profundamente nelas.
Aquelas jovens ainda sentem que “em determinado nível, você precisa ser uma boa menina e não pode ser autoindulgente ou egoísta”, disse Mortimer, o que representa um paralelo com as normas sociais do mundo de Fanny e Linda.
“Centenas de anos em que fomos forçadas a sentir vergonha do que queremos nos tornaram confusas”, ela acrescentou, falando sobre as mulheres em geral. Para Laura Thompson, autora de “Life in a Cold Climate”, uma biografia de Nancy Mitford, Linda não é uma figura trágica, a despeito de suas muitas decepções, e especialmente se considerado o contexto de sua era.
“Nancy era uma mulher de carreira, independente, que escreveu livros maravilhosos, mas uma de suas irmãs me disse: ‘Faute de mieux’ –ou seja, que seria muito melhor se ela tivesse conseguido um marido e tido filhos”, disse Thompson.
Esse ponto de vista é anátema para muitas mulheres hoje, prosseguiu Thompson, “mas o que temos é escolha, Linda precisa abrir caminho e isso resulta em que escolhas sejam feitas em nome dela, embora ela abale as normas sociais e incomode seus pais”.
Na série, as escolhas disponíveis para as mulheres se cristalizam em três opções: como Linda, buscar o amor a qualquer custo; como Fanny, ser “certinha”; ou, como a mãe de Fanny, com quem ela não se relaciona bem, se tornar uma “Bolter” [fujona], apelido que ela ganha por fugir friamente de seus maridos.
Interpretada por Mortimer, a Bolter ignora alegremente seu status como pária, os danos que ela causou a Fanny, e sua própria falta de sensibilidade. “Não deixe que seus filhos atrapalhem sua vida, querida”, ela aconselha pomposamente à filha perplexa, quando elas se reaproximam. “Você não ficou no meu caminho –tive uma vida maravilhosa”.
Quando Linda abandona sua filha pequena, escolha que espelha uma geração mais tarde aquilo que aconteceu com Fanny –que foi criada por uma tia depois que a Bolter deixou a família—, a prima fica furiosa com ela.
Ao interpretar Linda, James viu “um lado perigoso nela que me lembrou do vício e da necessidade de sabotar a você mesma”. A história da personagem “para mim parece uma batalha e é tão incômodo que ela tente se realizar por meio dos seus relacionamentos com homens”, disse a atriz em entrevista por telefone. “Por não ser recebido uma educação, a única escolha de Linda é se apaixonar e casar, ou viver em casa com os pais”.
As dificuldades de Linda para se descobrir e compreender –sexualmente e em outros campos—, em uma sociedade repleta de limites, são encapsuladas em uma frase que ela diz a Fanny, parafraseada por Mortimer, de “O Segundo Sexo”, de Simone de Beauvoir.
De novo em crise, Linda se lamenta que “às vezes acho que não nascemos mulheres, na verdade –é como se nossas asas fossem podadas e depois todo mundo se surpreendesse por não sabermos voar”. “Lily e eu amamos aquela fala, disse Beecham, que interpreta Fanny, em uma entrevista por vídeo, por causa da forma pela qual ela explica sucintamente as estruturas sociais restritivas sob as quais as primas nasceram.
As asas de Linda foram brutalmente podadas em sua infância por seu pai –o tio Matthew (Dominic West), de quem Fanny tem muito medo—, um misógino beligerante e violento que (como o lorde Redesdale, pai das Mitford) proíbe que suas filhas estudem porque considera que mulheres só servem para casamento e procriação. O primeiro casamento de Linda, com um homem inadequado, só acontece por conta da pressa dela de sair de casa.
Mortimer leu “The Pursuit of Love” pela primeira vez na adolescência. O pai dela, o escritor John Mortimer, também lhe deu “Hons and Rebels” (1960), livro de memórias de Jessica Mitford sobre a infância das irmãs.
“Meu pai era obcecado por aquele livro”, disse Mortimer. “Lembro que ele gostava de contar uma história do livro. Sempre que a mãe das meninas Mitford, todas réprobas, implorava que elas apanhassem papel e caneta e escrevessem como poderiam economizar para que uma casa sobrevivesse com 200 libras ao ano, Nancy infalivelmente começava por: ‘Flores: 199 libras’”.
Mortimer adora a história, disse, porque ela representa a rejeição perfeita aos “velhos preconceitos patriarcais de que as mulheres precisam ser organizadas, sensatas, boas, generosas”. Ela acrescenta que “é um comportamento punk rock, na minha opinião”. Na minissérie, a mãe de Linda relata a brincadeira da filha para o lorde Merlin, em tom ranzinza, para explicar o quanto ela é desregrada.
Mortimer usa a trilha sonora da série para ilustrar essa tendência à rebeldia, com faixas de bandas como Sleater-Kinney e New Order e da cantora Cat Power, “porque a música dos anos 30 não era sexy ou perigosa o bastante”, ela disse.
Mas em termos gerais, Mortimer vê os temas da libertação e da autodescoberta femininas que têm posição central em “The Pursuit of Love” como nada novos. Na série, Fanny aparece lendo diversos livros de Virginia Woolf, e em um email Mortimer citou uma palestra de Woolf em 1931 que se transformou em livro sobre as vidas sexuais das mulheres.
Na palestra, Woolf relata como teve de se livrar da influência do fantasma da pureza e do sacrifício da cônjuge ideal vitoriana descrita em “O Anjo do Lar”, um poema do século 19. Matar essa figura emblemática, afirmou Woolf, lhe devolveu o controle de sua própria mente, e “é parte da ocupação de uma mulher escritora”.
Fanny também precisa ganhar ousadia para “matar o anjo do lar”, disse Mortimer. No caso de Linda, o exercício da liberdade sexual já tinha desferido um golpe letal contra o anjo. “Para mim, que sou uma mulher na casa dos 40 anos e conhecida por sempre procurar agradar, tudo isso parece relevante”, ela disse.
Traduzido originalmente do inglês por Paulo Migliacci