Cinema e Séries
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Kaley Cuoco interpreta comissária de bordo cheia de problemas em 'The Flight Attendant'

Série, que ainda não estreou no Brasil, foi renovada para uma segunda temporada

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Jennifer Vineyard

The New York Times

Logo no começo de “The Flight Attendant”, Cassie, a comissária de bordo que protagoniza a série, interpretada por Kaley Cuoco, questiona: “Qual é o problema de ser complicada?” Ela está se referindo em parte ao seu gosto por literatura russa (a história sobre isso é longa), mas também a si mesma. Qual é o problema de ser um pouquinho complicada, ela gostaria de saber.

No mundo da televisão, séries complicadas são muitas vezes comparadas à literatura séria. Mas uma produção que desafia gêneros, como “The Flight Attendant”, –em parte thriller de mistério, em parte romance existencial, em parte comédia escancarada, e em parte um estudo de personalidade quase surrealista– corre o risco de ser rotulada como diversão pura e simples.

Críticos compararam a série, adaptada de um romance de Chris Bohjalian, a uma leitura de praia (Vanity Fair, The Hollywood Reporter, CNN), ou a um livro de suspense como os que as pessoas compram em aeroportos (USA Today, Variety, Rolling Stone).

Há um apelo escapista inegável, que inclui belas paisagens, filmadas na Tailândia e em Roma antes da pandemia. (A produção em Nova York parou por conta do lockdown e foi retomada no final do ano passado sob protocolos severos de segurança –os três últimos episódios foram os mais afetados.)

Depois de um ano de distanciamento social, lockdowns e de ansiedade crescente, “as pessoas queriam muito uma série desse tipo”, disse Cuoco sobre seu primeiro papel em um trabalho live action desde o final de “The Big Bang Theory”.

“A sensação era de que algo assim era quase necessário – algo leve, divertido”, ela disse. “Foi refrescante fingir que ainda estávamos no Tempo do Antes”. Ao mesmo tempo, a série tem um cerne emocional mais profundo que deve ecoar com “qualquer pessoa que tenha vivido o ano de 2020”, disse o produtor responsável por “The Flight Attendant”, Steve Yockey.

Como diz a velha canção, uma noite em Bancoc derruba até mesmo a mais festiva das garotas: a vida de Cassie entra em queda livre quando ela acorda e encontra o homem com quem dormiu morto ao seu lado, o que a leva a tomar todas as decisões erradas possíveis e a reviver muitos traumas do passado, ao longo do caminho.

A caminho de seu encerramento, “The Flight Attendant” (que não tem previsão de estreia no Brasil) já tinha revelado seus maiores mistérios: quem matou Alex Sokolov (Michiel Huisman), o ficante de Cassie, e por quê. Tudo que restava era que Cassie, depois de recuperar a sobriedade, descobrisse como se proteger e enfim organizar sua desordenada vida, enquanto algumas intrigas menores eram resolvidas.

Outros personagens tinham tramas a concluir, entre os quais Annie (Zosia Mamet), amiga e advogada de Cassie, e Megan (Rosie |Perez), colega comissário de bordo da protagonista. “Há algo divertido em todo mundo na série ter um segredo a esconder”, disse Yockey.

Em entrevistas por telefone separadas, Cuoco e Yockey discutiram as revelações finais, as viradas de tom da série e a possibilidade de uma segunda temporada. Abaixo, trechos editados dessas conversas.

Li o livro, mas Shane (Griffin Matthews), comissário de bordo da Imperial Atlantic, como agente secreto da CIA era algo que eu não esperava.
Cuoco:
Surpresa!
Yockey: Se você recuar um pouco, vai perceber diversos pequenos detalhes sobre Shane que são reveladores, para quem vê pela segunda vez. Em sua primeira conversa como FBI, ele começa a falar russo espontaneamente, e depois faz um monte de perguntas ao FBI, em lugar de responder perguntas deles. Em Roma, ele interroga Megan sobre sua amiga. Parece que ele está só sendo ferino, na hora, mas na verdade está fazendo seu trabalho. Revelar que Shane era um agente devia servir como detalhe divertido no clímax da série. Não era algo que as pessoas pudessem adivinhar antes.

E quanto à virada de trama na qual Felix/Buckley (Colin Woodell) é exposto como “stalker” de Alex, e depois de Cassie, por toda a série? A montagem em flashback revela que ele esteve lá o tempo todo, mas mesmo quando você sabe que ele está lá, é difícil identificá-lo, especialmente no voo original para Bancoc.
Yockey: A ideia era que fosse possível sentir a presença dele. É uma coisa de vislumbre, como as imagens de câmera de hotel em que ele aparece no canto superior da tela. Mas quando pudemos filmar no set do avião, já não era possível encher o avião da maneira que teríamos feito normalmente.
Cuoco: Filmamos todas as cenas de Buckley como stalker antes da pandemia, exceto aquelas em que o queríamos no avião com todo mundo mais. Eu gostaria de ter filmado aquela cena. Mas quando voltamos, só tínhamos oito figurantes. Eles também estavam interpretando os membros da tripulação, e nós tínhamos de misturá-los e trocar suas roupas e perucas. Em um determinado momento, eu notei que “o cara que estava pilotando o avião ontem agora está sentado no bar. Temos de esconder isso melhor”. Provavelmente eu reparo mais nessas coisas, porque sofro de distúrbio obsessivo-compulsivo.

Que outros elementos vocês tiveram de ajustar ou reescrever depois do hiato que a pandemia causou na produção da série?
Yockey: Nós tivemos de eliminar um acidente de automóvel do roteiro. Na versão original da briga no carro do episódio seis, Miranda (Michelle Gomez) liga o carro e o cara surge do banco de trás tentando estrangulá-la; ela pisa no acelerador e bate o carro contra uma caçamba de lixo vizinha para disparar o air bag, que derruba o cara no banco de trás, e ela o apunhala no olho. Descobrimos como fazer isso sem a batida do carro, porque o número de pessoas de que precisaríamos para a cena era proibitivo. Foi o nosso coordenador de dublês que fez o papel do assassino.

O roteiro estava repleto de momentos e reviravoltas malucos. Kaley, você não achou que algumas dessas coisas seriam difíceis de engolir?
Cuoco: O mais difícil foi Cassie se pegando com Alex no banheirinho do avião. Lembro-me de ter dito “pessoal, isso é ridículo demais. E nunca aconteceria!” E aí a equipe começou a me mandar artigos e endereços de blogs sobre comissárias de bordo e o “mile high club” [pessoas que fizeram sexo a bordo de aviões]. Ou seja, há gente que faz mesmo coisas como aquelas. Foi um choque para mim, porque... você já viu o tamanho daquele banheiro? Tudo bem, talvez caibam duas pessoas ali. Mas fazer sexo? (risos.) Custei a me convencer.

A serie muda muito de tom, especialmente quando Cassie está bebendo ou surtando. O final é provavelmente o tempo mais longo que passamos com Cassie sóbria.
Cuoco: Uma coisa pela qual batalhei foi que Cassie bebesse mais. Às vezes a rede achava que Cassie estava bebendo demais, e eu sempre respondia que “essa garota é uma alcoólatra funcional”. Eu conheço alcoólatras funcionais, e é quando eles não estão bebendo que se comportam pior. Cassie bebe o dia inteiro. Eu não queria causar a sensação de que ela bebe a cada segundo, mas ela rouba as garrafinhas de bebida do avião para sobreviver ao dia. E mesmo quando ela estava bebendo, eu quis garantir que não fosse desastrada o tempo todo. De algumas formas, ela está sob controle, mas há muita coisa fervilhando em sua cabeça.

Yockey: Sempre que Cassie passa por um abalo, Kaley tentava algo diferente. Na cena da sala de aula na escola dominical, o desempenho dela foi intenso mas nada ruidoso. E na próxima cena ela era bem mais emotiva. E na outra, ela encontrava um ponto intermediário.

Cuoco: Tudo isso foi um desafio, em termos de tonalidade; fiz cada cena de múltiplas maneiras. Isso virou piada no set. Eu dizia, “Ok, pessoal, vou ser engraçada, desta vez”, e na seguinte eu fazia a cena com lágrimas rolando dos olhos.

Há muitos elementos escapistas na série –as viagens, as locações, as roupas–, mas uma constante inesperada foi o cabelo. O penteado de Cassie pode ser o novo “estilo Rachel?”
Cuoco: Isso foi assunto de muita conversa [risos]. Eu queria que o cabelo afirmasse alguma coisa. Queria causar a impressão de que Cassie conseguia se apresentar como se estivesse tudo bem mesmo que ela estivesse bêbada, ou que tivesse virado a noite em uma festa –e mesmo assim acordasse com aquele cabelo. Ela mora em um apartamento minúsculo, e acho que gasta todo o seu dinheiro com sua aparência. Nos últimos episódios, mal mexemos nos cabelos e maquiagens. Eu chorava o dia todo e não retocava a máscara. Fiquei com círculos escuros nos olhos. A menina estava em crise, e tínhamos de mostrar. Quando Cassie embarca naquela bebedeira, é uma demonstração de que ela desistiu. Minha sensação era a de que ela pretendia beber até morrer. Mas quando ela começou a voltar aos trilhos, eu dizia, “pessoal, ela está com essas roupas há três dias”. Por isso eu quis que ela fosse comprar o agasalho com “I Love NY” na frente –para ajudá-la a se limpar um pouco.

A série foi planejada como minissérie, mas, já que ela conquistou uma audiência, não poderia haver uma nova temporada? [Após a entrevista, a HBO anunciou que a produção terá uma nova temporada]
Cuoco: Estamos conversando para determinar que cara teria uma segunda temporada. Tudo o que Cassie aprontava antes, a desculpa era sempre “bem, Cassie é assim”. E se seguíssemos o caminho de ela tentar um novo estilo de vida, manter a sobriedade, se reorganizar, e assim não haver mais desculpas para seus erros? E que cara seu trabalho tem, agora? Que cara tem o amor?

Yockey: Beber era sintoma de trauma emocional, e todas as outas coisas eram subprodutos da bebedeira. Assim, veremos o que acontece quando ela fica sóbria. Não significa que o resto de seu comportamento errático se acalme.

Cuoco: E como viver uma vida honesta se você nunca viveu uma vida honesta? Isso não muda com duas visitas aos Alcoólatras Anônimos.

No livro, Cassie engravida.
Cuoco: Posso dizer com certeza que esse não é um caminho que seguiremos. Seria ir longe demais.
Yockey: Kaley tem poder de veto para nos impedir de fazer isso [risos]. E pareceria um pouco forçado se a razão para que Cassie se esforce para reordenar sua vida seja por conta de um filho, e não em seu próprio benefício. Era importante para mim que ela fizesse essa jornada a fim de compreender melhor a sua história. Nós basicamente vimos Cassie aprender a se amar, e por isso sua trajetória emocional parece completa. Se fizermos uma segunda temporada, provavelmente seria uma aventura completamente nova, um novo filme de Hitchcock para Cassie encontrar por acaso.

Cuoco: E eu também não quero que ela acorde e, de repente, vire espiã. Ela não é profissional, nesse sentido, mas fico imaginando se ela poderia ser usada no Programa de Ativos Humanos da CIA. Seria interessante para ela.

E quanto a Cassie e Miranda trabalharem juntas de novo? No livro, ela morre, mas vocês a mantiveram viva.
Yockey: Sempre haverá um mundo em que Miranda aparece, e é o tipo de mundo em que prefiro viver.
Cuoco: E gostaríamos de explorar mais as possibilidades de Cecilia (Briana Cuoco). Foi ótimo ver minha irmã trabalhando, e sendo poderosa. Que orgulho!

Vocês podem explicar o maior mistério não resolvido da série? Por que Annie tem um chuveiro com parede de vidro no meio da sala de visitas?
Yockey: Ela é uma pessoa cuja vida parece projetada para ser bem aberta. É uma pessoa audaciosa, nesse sentido. Mas na verdade ela esconde uma tonelada de segredos. É por que isso que temos aquele chuveiro!

Cuoco: Foi uma ideia que adorei. Annie é toda sigilosa, mas seu chuveiro é completamente público.

Yockey: Achamos que seria uma boa maneira de introduzir Max (Deniz Akdeniz), que é o oposto de Annie de muitas maneiras. Ele está nu, e diz na cara dura que “meu negócio é a extorsão. Você quer um bagel?” Tudo fica bem exposto. Aliás, todo mundo que visitava o set adorava o apartamento, todo mundo queria aquele apartamento. Acho que todos nós precisávamos daquele chuveiro em 2020.

Tradução de Paulo Migliacci