Cinema e Séries
Descrição de chapéu The New York Times Cinema

Série recupera história da cantora Selena, assassinada aos 23 anos por fã

Suzette Quintanilla, irmã de Selena, é uma das produtoras executivas da série

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Alexis Soloski

The New York Times

Selena Quintanilla-Pérez, cantora americana premiada com o Grammy, morreu em 1995 aos 23 anos, em um motel Day Inn na cidade de Corpus Christi, Texas. Ela foi assassinada com um tiro nas costas, pela fundadora de seu primeiro fã-clube. Seu quinto disco, "Dreaming of You", cuja gravação não havia sido concluída, chegou ao topo da parada Billboard 200 três meses mais tarde.

A cantora gravava principalmente música tejana, uma fusão regional de corrido, mariachi e polca cujas raízes estão no sul do Texas, e morreu quando estava à beira de conquistar sucesso ainda maior. É possível argumentar que, em 2020, Selena é tão popular quanto em qualquer momento de sua vida. Em seu primeiro sucesso, "Como La Flor" (2002), ela se compara a uma flor que está definhando. Mas passados mais de 25 anos de sua morte, a estrela de Selena continua a brilhar.

Drake já apareceu usando uma camiseta que trazia o rosto dela. Cardi B gravou covers de suas canções. Beyoncé se declarou fã. No centro de Corpus Christi, há uma estátua de bronze de Selena em tamanho natural; na escultura, ela usa um bustiê e botas de motociclista –um figurino parecido com roupas da cantora que o Museu Smithsonian às vezes exibe.

O estilo característico de Selena –franjas longas, lábios vermelhos, sobrancelhas arqueadas– se tornou arquetípico, como o de outros astros conhecidos apenas pelos prenomes: Elvis antes de engordar, Prince na época de “Purple Rain”, Madonna em “Blonde Ambition”. No começo do ano, a MAC Cosmetics anunciou sua segunda coleção inspirada por Selena. O estoque inicial se esgotou literalmente em um minuto.

No dia 4 de dezembro, a Netflix lançou a primeira parte de “Selena: The Series”, nove episódios –do total planejado de 18– que acompanham a jornada da cantora em suas turnês realizadas de ônibus. A série é um retrato gentil, adaptado ao ritmo das histórias familiares tragicômicas, e leva Selena (Madison Taylor Baez, como a cantora na infância, e Christian Serratos, assumindo o papel para retratá-la crescida) de bebê cantora a ídolo pop coberto de lantejoulas.

Retratando detalhes íntimos da vida familiar e da infância da cantora, a série mostra Selena tanto como uma garota americana típica quanto como alguém que nasceu para ser uma superestrela. “Não é um documentário”, diz Suzette Quintanilla, irmã de Selena e uma das produtoras executivas da série, em tom brincalhão. “Espalhamos um pouco de glitter na história”.

A carreira de Selena foi curta mas resplandecente, como um fogo de artifício. Nascida em Lake Jackson, Texas, em 1971, filha de uma família imigrada do México duas gerações antes (sua mãe, Marcella Quintanilla, também tem ancestrais indígenas), Selena era a mais nova de três filhos.

Em 1981, ela, a irmã e o irmão, Suzette e A.B. Quintanilla, começaram a cantar no restaurante de seus pais, como Selena y Los Dinos. Selena aprendeu espanhol foneticamente para cantar música tejana. A banda lançou seu primeiro disco em 1984, por uma gravadora pequena, e continuou trabalhando com pequenos selos até assinar com a EMI Latin em1989.

Em 1992, Selena saiu de casa para se casar com Chris Perez, que tinha sido guitarrista de sua banda. Eles se mudaram para uma casa modesta de tijolos ao lado da casa da família de Selena e de sua irmã, e a duas portas da casa de seu irmão, que compunha muitas das canções que ela gravava. Selena conquistou alguns papéis como atriz, assinou um contrato de publicidade de refrigerantes, e abriu duas lojas para vender suas criações, repletas de lantejoulas.

Em 31 de março de 1995, quando estava gravando o disco que a lançaria como cantora de pop mais convencional, ela foi assassinada por Yolanda Saldivar, uma ex-enfermeira com um histórico de trapaças financeiras. Dezenas de milhares de fãs foram ao centro de convenções de Corpus Christi para velar a cantora.

“A morte e a tragédia dela ajudaram as comunidades latinas da década de 1990 a realmente compreender as tragédias que afetavam suas vidas”, disse Deborah Paredez, especialista em estudos étnicos e autora de “Selenidad: Selena, Latinos, and the Performance of Memory”. “E a promessa de sua vida também ofereceu a muitas comunidades latinas uma maneira de articular seus sonhos”.

Jaime Dávila, produtor executivo da série, viveu em McAllen, Texas, durante a infância, e ouvia as canções de Selena em festas de aniversário e casamentos.“A história dela foi especial para mim durante toda minha vida”, ele diz. Poucos anos atrás, um colega o apresentou a Suzette Quintanilla, e eles chegaram a um acordo para colaborar em uma série sobre a vida de Selena.

A produtora de Dávila, Campanario, então ofereceu a série a Francisco Ramos, vice-presidente de conteúdo para a América Latina da Netflix. “A proposta deles foi muito, muito boa”, ele recorda, “e era a de fazer uma série para família, como se ela fosse uma pessoa normal. Mas na verdade ela era Selena”.

Selena, é claro, já foi tema de uma cinebiografia no passado, em um filme muito querido de 1997, que ajudou a lançar a carreira de Jennifer Lopez; aquele projeto também foi autorizado pela família. Mas a nova versão –18 episódios de cerca de 40 minutos cada um– oferece mais detalhes, e respostas a algumas questões que os fãs vinham guardando ao longo dos anos.

“As pessoas querem saber como algo aconteceu, ou como certa canção foi criada”, diz Quintanilla. Ela contou histórias e mostrou recordações de família aos roteiristas, ajudando a criar uma série –com suas indicações ocasionais de dificuldades financeiras e de recorrer ao programa governamental de assistência alimentar– que “doura menos a pílula” do que o filme, ela afirma.

Mas o roteiro jamais se detém por tempo demais em qualquer dificuldade específica. As tensões são resolvidas. Os obstáculos despencam. Os episódios destacam o trabalho duro, a lealdade familiar e o talento reluzente de Selena. A serie toma algumas liberdades com fatos e datas, afirma Dávila. “Mas eu diria que as emoções são 100% autênticas –é isso que procuramos”.

Os personagens de Selena e da família Quintanilla são retratados com traços mais largos do que é o caso em muitas das séries de TV a cabo e streaming, o que pode indicar que “Selena” subestima a capacidade das audiências para aceitar nuanças. Ou talvez a família fosse mesmo assim descomplicada, em sua devoção mútua.

Selena era mesmo tão alegre, tão generosa e tão determinada quando o desempenho de Serratos indica? Excetuada a tendência de mudar de estilo de penteado vezes demais, será que ela realmente não tinha defeitos? Sim, em geral, responde sua irmã. “A menos que você a acordasse. Era na hora de acordar que ela ficava mais ranzinza”.

O apego atual da cultura pop às garotas rebeldes não significa que a televisão deveria ignorar uma menina aparentemente tão disciplinada quanto Selena. Mas é evidente que ela era mais do que só disciplinada. “Talvez exista esse algo mais de uma estrela, algo que as pessoas ou têm ou não têm”, diz Serratos em entrevista por Zoom.

“E se isso é fato, Selena definitivamente tinha essa qualidade. Ela não só era bonita como era autêntica". "Fico muito feliz, como mulher americana de origem mexicana, por poder fazer o papel da mulher americana de origem mexicana que abriu as portas para mim”, diz a atriz.

A série, rodada no Baja Studios, em Rosarito, México, tenta preencher o espaço entre o ordinário e o extraordinário. Se a história explora ao máximo o carisma e o brilho de Serratos, há episódios que enfatizam a batalha cotidiana dos músicos em turnê: ensaios, viagens, shows para pequenas e grandes plateias, carregar o equipamento todo de volta para o ônibus. “Éramos uma família bem normal”, diz Quintanilla. “A única diferença era trabalharmos juntos para criar música”.

A ênfase no cotidiano tem outro propósito. A morte prematura de Selena e o lamente público por ela a reduziram a uma determinada iconografia –um rosto retocado, um casaco vazio. Cenas que a mostram fazendo permanente no cabelo em casa, jantares familiares e a bagunça do ônibus da banda ajudam a reconstitui-la como pessoa, e não apenas como símbolo trágico.

“Selena: The Series” negocia a identidade dela como simultaneamente americana de origem mexicana e americana 100%. Em uma cena, o pai de Selena, Abraham Quintanilla, objeta à imagem exótica da filha escolhida para a capa de um álbum. “O que Corpus Christi tem de tão exótico?”, se queixa Abraham (Ricardo Chavira) a um executivo da gravadora EMI. “Ela é uma garota americana que por acaso sabe cantar em espanhol”.

Mas as raízes tejanas de Selena explicam, em parte, a avidez da Netflix por promover pesadamente a série, falada em inglês, no México. “Ela é uma estrela imensa no México e em partes da América Latina, e causa de orgulho ainda hoje”, diz Ramos. Mas Selena continua a ser adorada também nos Estados Unidos, e sua história oferece a oportunidade de criar uma série em torno de uma família hispânica, o que é raro na televisão dos Estados Unidos, seja nos serviços de streaming, seja nas redes.

“As pessoas não compreendem a comunidade latina, nos Estados Unidos”, diz Dávila. “Não nos entendem. Um dos motivos é que não somos vistos nas telas”. Ele criou a Campanario e produziu “Selena” a fim de ajudar a mudar essa situação.

Suzette Quintanilla compreende a identidade cultural de sua família da seguinte maneira: “Nossos ancestrais vieram do México, mas somos a terceira geração da família a nascer e se criar aqui nos Estados Unidos, e somos americanos. É aceitável abraçar os dois lados”.

E todos os lados abraçam Selena. Artistas como J Balvin e Luis Fonsi mencionam sua música, e Katy Perry e Kacey Mulgraves fazem o mesmo. Uma nova geração de fãs está descobrindo a cantora - veem-se refletidos em sua música, seu estilo e seu legado, da mesma maneira que suas mães um dia fizeram.

“É como uma herança que transmitimos”, diz Paredez, a pesquisadora de estudos étnicos. “Qualquer que seja a história que a Netflix está interessada em contar, minha curiosidade maior continuará a ser a maneira pela qual os fãs interagirão com a série”.

Uma fã já assistiu aos primeiros nove episódios. “Chorei, não vou esconder”, diz Suzette Quintanilla. “Mas amei o programa”. Ela acha que sua irmã, que costumava brincar que ainda estaria usando sutiãs com lantejoulas aos 50 anos de idade, também teria aprovado. “Acho que ela provavelmente gostaria”, diz Quintanilla. “Afinal, é a história de nossa família”.

Tradução de Paulo Migliacci