Com coprodução argentina, série 'Submersos' fala de tráfico no surfe com elenco internacional
Trama têm protagonista negro e relação homossexual na política
Histórias de tráfico de drogas são comuns nas produções audiovisuais brasileiras, e já foram exploradas em "Tropa de Elite" (2007), "Cidade de Deus" (2002) e, mais recentemente, em "Irmandade" (Netflix, 2019). Mas acrescente um dos esportes mais queridos pelos brasileiros, o surfe, e um cenário diferente do que costuma aparecer nessas histórias, que terá "Submersos".
A nova série da Paramount Channel, que estreia na próxima segunda-feira (2), às 20h30, é a primeira de ficção brasileira feita em coprodução internacional, além da primeira nacional do canal, e foge dos típicos cenários dos morros do Rio de Janeiro, dando espaço às paisagens de Córdoba (Argentina) e Florianópolis (SC).
A trama cheia de crimes, traições e paixões foca em Nando Oliveira (Cassio Nascimento), um ex-campeão mundial de surfe que sempre teve vida desregrada e aposentou-se precocemente, no auge da carreira, entrando em depressão após a morte da mãe.
Ele lança uma marca de roupas e, com o suporte do amigo de infância Gabi (Mariano Bertolini), ele se prepara para expandir sua coleção para o mercado argentino –o que, na realidade, é uma fachada para seu envolvimento no tráfico internacional de drogas. Em parceria com o ex-sócio de seu pai, o mafioso Mendes, ele vai exportar anfetaminas dentro das pranchas de surfe.
No entanto, as pranchas desaparecem, Nando é sequestrado e tudo indica que Gabi o traiu. "O que movimenta a série são as relações humanas, e a política corrosiva tangencia isso", diz Marcia Paraíso, em entrevista ao F5.
"Nando é um ser humano dentro de um contexto de vida cruel, que carrega dentro dele coisas boas e coisas ruins. Queríamos trabalhar esse aspecto dos personagens. O grande vilão da narrativa não é 100% ruim, assim como os seres humanos. O público provavelmente poderá torcer pelos vilões, porque eles revelam momentos de ternura, amor e fragilidades."
Paraíso dividiu a direção com os argentinos Claudio Rosa e Pablo Brasa, para trazer um olhar plural a série, que se estende para a escolha de personagens e elenco. "Temos um protagonista negro, uma relação homossexual de pessoas maduras, e uma figura feminina forte”, conta ela, que se declara ativista.
Se a direção foi majoritariamente masculina, a equipe técnica brasileira foi intencionalmente composta por uma maioria de mulheres, algo raro na dramaturgia de ficção. Um dos pontos levantados por Paraíso é a “inversão racial” de papéis: na trama, o protagonista é negro, enquanto o personagem traficante é branco, interpretado por Lucas Heymanns, que consegue misturar humor e violência.
"Vejo que o espaço do negro ainda é conquistado a passos lentos, tanto em novelas quanto no cinema. Mas esse protagonismo negro é um caminho só de ida, eu espero”, diz Cássio Nascimento, que interpreta o primeiro protagonista de sua carreira. "Espero que isso não retroceda. Se bem que temos um ‘desgoverno’ atualmente, que acaba matando esse tipo de conquista de minorias", completa.
Ex-morador do Rio de Janeiro, o ator diz que a série apenas sublinhou sua visão sobre o tráfico, e como isso é algo rentoso para os políticos, policiais, e “gente da alta sociedade que lucra com o sangue derramado”. Ele afirma, porém, que não acha que o Brasil tenha base para a liberação do uso de drogas.
Sobre seu personagem, Nascimento afirma que se aprofundou no universo do surfe junto ao surfista paraibano José Francisco “Fininho”, que inclusive é seu dublê na série. “Viver isso foi ótimo, porque todo mundo acha que o surfe é só ‘do maconheiro’. Mas eles são atletas, e o surfe é um esporte em alta que foge do tema do futebol, que tanto já vimos."
O elenco traz ainda Ana Cecília Costa, que interpreta uma jornalista investigativa que terá um romance “quase maternal” com Nando, e Zé Carlos Machado, um político e pai de Nando, que viverá um romance com Branco, interpretado por Guilherme Weber.
"Ele é um verdadeiro parasita, que vai matando aos poucos o seu hospedeiro, e que tem uma sede incrível de poder”, diz Weber sobre seu personagem. "Ele não é um vilão maniqueísta, mas um cara de ações erradas.”
CENÁRIOS PROTAGONISTAS
Os 13 episódios de uma hora de duração cada um contam com mais de 60 atores e profissionais brasileiros e argentinos. O deslocamento geográfico também existe, e o cenário da série se alterna enquanto duas linhas da trama acontecem, até finalmente se cruzarem.
"O sotaque de Florianópolis não é muito reconhecido, então é sempre um frescor ver esse outro registro fonético e perceber como o Brasil é grande, assim como Córdoba”, diz Guilherme Weber. “É uma cidade brasileira que não tem tradição audiovisual, mas que tem um potencial enorme”, completa Marcia Paraíso, ao afirmar que a região é “um celeiro de talentos, que infelizmente por falta de políticas públicas não consegue absorver esse enorme potencial humano”.
Até mesmo a música de abertura da produção é um reggaeton que mistura português e espanhol, embora o funk também esteja presente em toda a narrativa, bem como letras de protesto, como as do grupo Baiana System.
Por outro lado, a divisão de criação entre os dois países trouxe questões como a própria definição do título da obra, que anteriormente seria “Relações Públicas”, expressão que tem significados diferentes em cada um dos territórios.
O deslocamento dos eixo São Paulo-Rio de Janeiro para o sul do país ainda permite a exploração de temas como o preconceito de outras regiões do Brasil. “Santa Catarina é um estado extremamente conservador. A gente vê isso nas eleições, na forma como Santa Catarina vota. Então, por que não criar esse personagem, um político que seja gay, mas que esconde, apesar de toda a sociedade saber que ele é gay?”, questiona Paraíso, referindo-se ao personagem de Zé Carlos Machado.
Por enquanto, o lançamento da série acontecerá apenas Brasil, mas a intenção é que ela possa ser distribuída para toda a América Latina. “A gente torce bastante para que essa coisa latino-americana se desenvolva, porque é um universo grande e especial”, afirma Ana Cecília Costa.