Diretor de 'Game of Thrones' revela como conseguiu 'aquela reação' de Brienne
Em entrevista, diretor também comenta despedida de Jon Snow e lobo Fantasma
Barack Obama certa vez deu uma bronca brincalhona no diretor David Nutter, e o acusou de matar todos os personagens de que ele mais gostava em "Game of Thrones".
Não surpreende, porque estamos falando do sujeito que supervisionou o massacre da família Stark no Casamento Vermelho, a destruição da cidade de Shireen pelas chamas e o assassinato de Jon Snow pela Patrulha da Noite.
Os episódios dirigidos por Nutter na temporada final de "Game of Thrones" – o primeiro, o segundo e o quarto – foram um pouco menos violentos, e tiveram por foco reencontros e despedidas de personagens.
Em entrevista ao The New York Times na semana passada, Nutter contou sobre as instruções que deu aos atores para tornar esses momentos tão memoráveis. Abaixo, trechos editados da conversa.
Muitos fãs ficaram zangados por o lobo Fantasma não ter recebido uma carícia de despedida. Imagino que tenha sido por um problema de computação gráfica.
Exatamente. A questão agora é como balancear tudo aquilo, e garantir que seja feito do jeito certo. Temos de fazer com que os espectadores recordem os personagens e saibam o que está em jogo e o que está acontecendo a cada momento. A despedida entre Jon e o lobo foi poderosa e rica por conta dos atores. Eles estão envolvidos nesse trabalho há tantos anos, e agora de certa forma estamos diante da culminação dos personagens, e por isso precisamos manipular o que cada um recebe. Esse é o tipo de coisa com que mexemos, agora. É questão de encontrar a melhor ideia e de encontrar um ponto de união em torno dessa ideia.
Os atores de "Game of Thrones" dizem que você consegue coisas inesperadas no desempenho deles ao lhes oferecer um insight novo, uma abordagem nova. Você pode revelar algumas das observações que fez aos atores ao longo dos anos para ajudá-los a orientar seu trabalho?
Claro! Quando comecei na série, Rory McCann, que interpreta o Cão de Caça, era um ator muito promissor. Ele era fantástico, mas tinha alguns problemas com o seu desempenho. Não tinha feito muitos trabalhos como ator. Por isso, parei para conversar com ele, cada um de seu lado da mesa, e lemos um par de sequências juntos. Depois de uns dez minutos disso, eu olhei para ele e disse: "Olha, eis o ponto. Pare de interpretar. Diga suas linhas como Clint Eastwood diria". E quando ele começou a trabalhar assim, as coisas ficaram basicamente resolvidas.
Às vezes, quando um ator está procurando seu personagem, não o encontra. O que é preciso é procurar alguma coisa que o ator traz dentro de si. E é lá que ele encontra o personagem. Como diretor, quero que eles encontrem o personagem que já existe dentro deles, em lugar de tentarem fabricar, manipular ou inventar alguma coisa. Porque isso não é muito honesto nem verdadeiro.
Você tem algum exemplo na temporada oito?
Uma coisa que fiz nessa temporada foi dizer a Sophie Turner como Sansa deveria interagir com Dany. Havia alguma hesitação quanto a isso, porque elas têm uma grande cena quando se encontram no primeiro episódio, mas também estão como que duelando. Eu tive de lembrar a Sophie que ela deveria pensar em Winterfell como sua casa. Dany estava visitando a sua casa. Eu queria que ela tivesse toda a confiança do mundo, que não fosse passiva, não se intimidasse. E acho que ela fez um excelente trabalho quanto a isso.
Pode haver uma sequência em que uma pessoa vê outra pessoa, e eu peço ao ator que diga algo que não está no roteiro mas pode estar mais perto do estado emocional em que o personagem se encontra. E isso às vezes surpreende o outro ator na cena.
Você tem um exemplo disso?
Um exemplo que funcionou muito bem foi no episódio quatro. Eu disse a Nikolaj (Coster-Waldau) que quando Jaime conta a Brienne sobre todas as coisas que fez, ele deveria dizer que fez tudo isso por Cersei. E ele estava dizendo suas linhas, e cortamos para o close de Brienne, o close de Gwendoline Christie, e há um momento ali em que ela está só olhando para ele, no final da cena. Eu me aproximei de Nikolaj e disse que, para encerrar seu diálogo, ele precisava dizer a Brienne que não a amava. E é claro que em resumo era isso que ele estava dizendo a ela, de qualquer jeito, mas ela não esperava ouvir a verdade tão diretamente. Gwendoline não esperava aquele momento, e ela simplesmente desabou. Foi muito especial. Às vezes surpreender um ator é uma boa maneira de criar uma resposta que você não esperava. E no caso deles dois, eles são muito próximos, e por isso eu sabia que algo assim afetaria a personagem dela.
E quanto ao diálogo final entre Tyrion e Cersei, quando ele tenta apelar ao lado bom de sua natureza?
Acho que existe um momento em que Tyrion tenta invocar seu senso materno, o verdadeiro amor que ela sente pelos seus filhos e sua família. Isso realmente a afeta, com muita intensidade. Há uma sequência que filmamos com Lena Headey e Pilou Asbaek em que ele basicamente a deixa sozinha no aposento, e tudo que eu disse a Lena foi: "Ele vai sair, e a câmera vai ficar em você por muito tempo; quero que você tenha a oportunidade de, em algum sentido, validar o que acaba de fazer mas também sentir repulsa por isso". Foi uma tomada que usamos em um dos trailers do episódio. Uma das tomadas mais longas da sequência, na qual você vê a porta se fechar e ela passar por toda uma gama de emoções em três segundos. Para mim, aquela foi uma cena muito poderosa, e verdadeiramente especial.
Isso acontece quando Euron Greyjoy descobre que Cersei está grávida, e presume ser o pai. Há um momento muito sutil em que Tyrion está conversando com Cersei e menciona a gravidez, e Euron olha para Cersei com cara de "mas como é que ele sabia disso?"
Certo. Os atores são tão bons que o trabalho do diretor é lhes dar espaço para fazer o que fazem, criar um ambiente em que eles possam usar seus instintos naturais. Muito do que faço como diretor, também, depende do trabalho maravilhoso dos editores. Eles são magos, mestres em saber o que exatamente acentuar, para que a cena tenha beleza.
As reações de Emilia Clarke no episódio quatro percorrem todo o espectro, especialmente quando você prepara o terreno para que ela se torne a Rainha Louca.
A ideia é que a personagem dela comece a sentir isolamento. Ela percebe que não conta mais com Jorah Mormont. Também temos aquele momento em que ela ouve Tormund dizendo que Jon é um rei, porque ele voou em um dragão e combateu pilotando o dragão, quando ela mesma faz isso o tempo todo e não recebe reconhecimento. Creio que esse seja um ponto de referência importante para as reações da personagem dela. E também ver Jon depois do banquete, uma situação em que percebemos como aquilo a afetou, e o desespero dela em conseguir que Jon a escute, que ele deixe de se comportar como um anjinho.
Creio que, pelo final daquela sequência, ela está verdadeiramente determinada – uma sensação importante e poderosa, mas também com algo de ameaça. Em seguida, quando vemos Varys e Tyrion na sala do mapa e eles imploram que ela não faça o que decidiu fazer, Dany parece calma, muito controlada: "Essa é minha decisão. As coisas serão assim. É o que ordeno". E eu achei que essa era uma maneira muito mais assustadora de resistir a eles, em lugar de reagir com histeria ou algo parecido.
Eu também queria preservar a capacidade de Emilia de usar seu rosto para expressar fases diferentes, formas diferentes, e refletir como sua personagem se sente. Há uma ira que emana de Emilia, do personagem Dany, no final do episódio quatro, que eu nunca tinha visto em Dany. Tenho medo do que ela fará a seguir.
Tradução de Paulo Migliacci