Isabel era a verdadeira garota de Ipanema
Difícil imaginar que não a veremos mais na praia ou andando de bicicleta pelo bairro
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O calçadão da Praia de Ipanema, ao contrário do que parece, não segue em linha reta. Ele tem uma pequena reentrância na altura da estátua do Tom Jobim, já chegando no Arpoador. Uma rara combinação de fatores (vento, maré extremamente seca, fase da lua) faz com que, bem no trecho em frente a esta curvinha, venham à superfície pedras que passam meses e meses sob a areia.
Também por causa da pequena sinuosidade, em determinado horário surge uma nesga de sombra bem ali, entre as pedras, criando um ambiente perfeito para uma pausa pós-mergulho, sem a necessidade de cadeiras ou barracas. Pouca gente sabe disso. A Isabel sabia.
Ela sabia tudo de Ipanema e frequentava aquele canto às vezes com os filhos, com os netos, às vezes sozinha. Era lindo vê-la ali, além de ser praticamente um atestado ISO 9000 de qualidade: se a Isabel frequentava, é porque era bom.
Ela seguia um certo ritual, que acompanhei de longe por algum tempo. Andava em ritmo aceleradinho sempre pela areia dura, perto da água. Oficialmente, o motivo era exercitar o joelho que, como definiu para mim certa vez, estava "meio bichado".
Depois dava um mergulho, se secava ao sol e botava uma camisa de botão (branca, na maioria das vezes), short jeans e um tênis baixinho, tipo Conga ou Superga. Quando a via, eu gritava: "Isabel!". Ela respondia dando um tchauzinho e sorria.
Não sabia ainda quem eu era: Só mais uma fã, que aproveitava a proximidade geográfica para ficar admirando tudo naquela mulher incrível. Tudo mesmo. Do biquíni de estampa indiana ao jeito charmoso como prendia o cabelo, passando pelo estilo de vida e à forma como criou os filhos. Tudo isso a gente que é deste bairro -onde ela morou em três endereços diferentes- teve o privilégio de acompanhar. Reconheço que, mais do que acompanhar, eu prestava atenção porque sempre fui encantada por ela.
E a Isabel deu todos os motivos para isso. O ativismo de uma vida toda (ela sempre esteve do lado certo), ser mãe de quatro filhos aos 27 anos, a luta contra a objetificação da mulher no esporte…."Mermão, não vai rolar", disse ela ao fotógrafo que queria clicá-la fazendo cara de safada com o dedinho na boca, nos anos 1980, época em que foi musa do vôlei. Que mulher!
Ser jornalista nos dá a oportunidade de conhecer nossos ídolos, e com a Isabel minha aproximação foi por WhatsApp, em 2019. A revista para a qual eu trabalhava faria uma festa na finada filial carioca do Astor, pertinho daquela curva onde surgem as pedras na areia. Me pediram para convidar "cariocas bacanas e com a cara da cidade". Era a definição de Isabel.
Mandei mensagem, ela ficou animada ("Adoro o Astor") e fez uma pergunta: "Posso ir com meu filho Pedro?". Claro que podia. Acabou levando a irmã, a figurinista Inês Salgado, e não nos falamos naquele dia. Deixei para cumprimentá-la mais para o final da festa, quando o salão estivesse mais vazio, e quando vi, cadê? Já tinha ido embora.
No dia seguinte, mandou mensagem. "A festa estava ótima! Fiquei uma horinha, tomei um drink, me diverti". Lamentamos não ter nos falado, mas ela prometeu que logo, logo, "nos encontraríamos pelo Rio ou por Ipanema". Não deu outra. Em um outro evento, já não me lembro qual, talvez uma sessão do Festival do Rio, fui até Isabel.
Contei que também estudei no Colégio Notre Dame, onde ela começou a jogar vôlei, e que passei a infância numa vila de casas (coisa rara em Ipanema) onde ela havia morado. "Ipanema é o máximo, né?", me disse. Eu disse "Ô!", e depois disso passamos a nos falar de vez em quando.
Nada muito íntimo. Basicamente ideias de pauta, comentários sobre o Flamengo e desabafos sobre jogadoras de vôlei que viraram bolsonaristas, negacionistas ("Que vergonha"). Não nos falamos desde 2021, quando, no auge da pandemia, ela explicou que demorou a responder uma mensagem porque tinha ficado doente. Eu pensei: "Como assim? A Isabel fica doente?".
Hoje foi a mesma coisa. Como assim a Isabel morreu? Eu a achava a mulher mais forte do mundo. "Imorrível". Difícil imaginar que não a teremos mais andando pelas areias do bairro que tanto amou, que sua bicicleta não vai mais estar parada em algum poste da Vieira Souto. Dureza. Com todo respeito a Helô Pinheiro, Isabel é a verdadeira garota de Ipanema.