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Descrição de chapéu The New York Times

Acusado de fraude em balada VIP nas Bahamas deixa prisão e cita planos

Billy McFarland deve mais de R$ 130 mi a playboys que caíram em golpe

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Jacob Bernstein
Nova York

"Estamos no bairro de Dumbo, tecnicamente?", perguntou Billy McFarland, 30, caminhando em direção à margem do East River em Nova York. "É muito cool. Os aluguéis aqui também são insanos?"

"Eu nunca tinha passado muito tempo em Brooklyn, até me mandarem para o centro de detenção de Brooklyn", ele prosseguiu. "Imaginava que nunca moraria em Brooklyn. Mas agora acho que é um lugar com algo de bacana".

McFarland, que em 2018 se admitiu culpado de acusações de fraude decorrentes de seu papel na organização do Festival Fyre –uma tentativa de criar um Coachella nas Bahamas que saiu espetacularmente errada e fez dele a Elizabeth Holmes dos organizadores de festas– estava em liberdade há exatamente 15 minutos. E ele não parecia inclinado a manter a discrição, depois de passar quase quatro anos na prisão e mais seis meses em confinamento domiciliar.

Momentos depois de retirar um monitor eletrônico de seu tornozelo em uma casa de recuperação na rua Gold, onde ele tinha passado alguns meses no começo do ano, McFarland estava posando para um fotógrafo do New York Times e conversando com um repórter, que ele contatou no final de seu período de prisão domiciliar com a ajuda de um agente de imprensa.

"Achei que ia ser um processo complicado, mas na verdade eles apenas te dão uma tesoura e você corta a fita", disse McFarland, um sujeito de 1,88 metro e que parece ter saído mais magro da prisão. Ele estava usando uma camiseta escura e calças azuis escuras, segundo ele da Uniqlo. Seus pés estavam calçados em tênis Gianvito Rossi, parecidos com Converse All Stars, mas cujo preço no varejo é de US$ 700 (R$ 3.700).

McFarland —que tem pouco dinheiro no banco, cerca de US$ 26 milhões (R$ 137,6 mi) em reparações financeiras a pagar e nenhuma perspectiva imediata de emprego— disse que tinha comprado o tênis antes de seus problemas judiciais. "Meus amigos brincam que meu guarda-roupa inteiro é de 2016", ele disse.

Na época do escândalo, McFarland —que cresceu em Short Hills, Nova Jersey, e deixou a Universidade Bucknell depois de menos de um ano de estudo— era conhecido como o fundador de uma empresa chamada Magnises, cujo principal produto era um cartão de débito promovido em seu lançamento como o American Express Black da geração milênio.

A maioria das pessoas que se tornaram clientes tinha acesso a um open bar em uma casa de Greenwich Village, onde McFarland promovia festas. Outra vantagem para os membros: excursões às Bahamas, por exemplo a Norman's Cay, uma ilhota que no passado foi o polo das operações de contrabando de cocaína do Cartel de Medellín.

Foi esse o local escolhido por McFarland para realizar um festival para o lançamento de sua nova invenção, o Fyre, um aplicativo parecido com o Uber por meio do qual as pessoas podiam reservar tempo com suas celebridades favoritas em eventos especiais. Ele conseguiu a adesão de Ja Rule, Kendall Jenner, Bella Hadid e Emily Ratajkowski, para ajudar a promover o festival de 2017, que contaria com mais de 30 convidados musicais, entre os quais o Blink-182 e Tyga. Os ingressos tinham preços de até US$ 12 mil (R$ 63,5 mil, em cotação atual).

Mas o Festival Fyre —que veio a conquistar notoriedade cultural, ainda que não pelas razões que McFarland pretendia— foi mal planejado, e suas finanças eram um caos. Na noite anterior à chegada dos primeiros participantes, uma chuva muito intensa varreu a ilha.

As pessoas chegaram e descobriram que as "casas de luxo" que eram parte de seus pacotes de ingressos na verdade não passavam de barracas usadas em operações de socorro pós-desastre, montadas em um local improvisado de acampamento.

E os convidados a quem havia sido prometida "a culinária única e autêntica da ilha", no material de promoção do festival, foram alimentados com sanduíches de queijo servidos em recipientes de espuma plástica, embora McFarland tenha rebatido, em nossa conversa da semana passada, que as reclamações sobre a comida foram absurdamente exageradas.

"Há uma razão para que exista só uma fotografia disso", ele disse, se referindo a uma foto viral de uma deprimente pilha de alface encimada por duas rodelas de tomate e duas fatias de queijo barato, perdidas entre duas fatias de pão de trigo que nem sequer tinham sido torradas.

Por fim, o evento —que deixou milhares de participantes encalhados nas Bahamas, em busca de abrigos improvisados em uma praia escura— foi cancelado sem que uma única apresentação ocorresse. Menos de dois meses depois, McFarland foi preso e acusado de fraude.

"Fui levado para o centro de detenção do Brooklyn por uma noite", ele disse. "Minha cabeça estava girando com todas aquelas coisas, e entrei em pânico, pensando que tinha de devolver o dinheiro de todos no dia seguinte, ou aquilo seria real". Logo surgiram processos judiciais coletivos contra ele.

Enquanto estava em liberdade condicional, McFarland lançou um serviço de ingressos VIP que prometia aos clientes ingressos de que ele não dispunha, para eventos como o musical "Hamilton", na Broadway, desfiles de moda da Victoria's Secret e o Gala Met. Isso trouxe uma nova rodada de acusações de fraude.

"Eu provavelmente acrescentei anos à minha sentença por fazer isso", ele disse. "Era uma decisão ruim atrás da outra".

Junto ao rio, em Dumbo, McFarland posou para algumas fotos, com expressão melancólica. "Mal posso esperar para ir nadar", ele disse. Em seguida, ele chamou um Uber para levá-lo ao seu pequeno apartamento no segundo andar de um edifício no bairro de Bedford-Stuyvesant.

No meio-fio, diante de seu novo prédio, ele continuou a falar da região com admiração digna de um turista. "Essa rua era terrível, anos atrás?", ele perguntou. "Porque agora está cheia de edifícios novos e bacanas". (Antes do Festival Fyre, McFarland morava no Meatpacking District em Manhattan. "Eu tinha 21 anos quando me mudei para lá –tenha compaixão", ele disse.)

Com o jeito vago de falar que parece caracterizá-lo, McFarland disse que o aluguel de seu novo lar estava sendo pago pela "família e amigos". Ele não disse se essa definição inclui seus pais, Steven e Irene McFarland, os dois incorporadores imobiliários radicados em Nova Jersey.

Foi necessário muito esforço, disse McFarland, para que seus pais compreendessem que "alguém de quem eles eram tão próximos fosse capaz de mentir como eu mentia". Ele prosseguiu: "Eu os magoei, e isso é uma droga"

Perguntei se ele tinha pedido desculpas pessoalmente às suas vítimas. "Não", ele respondeu, antes de rebater com uma pergunta: "O que você diria a elas, se fosse eu?"

Os termos da prisão domiciliar de McFarland por seis meses só permitiam que ele saísse de casa para comprar mantimentos e se exercitar. Ele escolheu uma inscrição na Blink Fitness, pela qual pagou com um cartão de débito. "Acho que não tenho como conseguir um cartão de crédito", disse.

Seu novo apartamento tem um jeitão neutro, de acomodação do Airbnb. As únicas decorações são algumas plantas que ele comprou em uma loja Trader Joe's –uma "strelitzia", duas plantas-da-sort—, em companhia de um quadro branco, que continua tão vazio quanto o apartamento. A cama estava bem arrumada, o piso imaculadamente limpo.

Trabalho de um serviço de faxineiros? "Você pode não acreditar", ele disse, "mas isso foi algo que aprendi a fazer!"

McFarland contou que sua educação para o trabalho doméstico começou no Centro de Detenção Metropolitano no Brooklyn, onde ele passou seu primeiro período de prisão, e depois continuou na Penitenciária de Otisville, no norte do estado de Nova York, para onde ele foi transferido no início de 2019. "Era como Danbury", ele disse, se referindo à penitenciária nem tão rigorosa em que Martha Stewart pediu sem sucesso para cumprir sua pena. "Mas eu estraguei tudo".

Como? "Pedi para alguém me levar um drive USB". Ele estava fazendo anotações para um possível livro sobre sua saga, disse, que já havia sido relatada em documentários concorrentes exibidos pelos serviços de streaming Hulu e Netflix.

Os guardas confiscaram o drive e McFarland passou três meses na solitária, onde ele disse que adormecia ouvindo os gritos de um membro de gangue cujo apelido é White Tiger, por conta das tatuagens da imagem do animal que cobrem seu rosto e outras áreas de seu corpo. Depois disso, ele foi transferido para a FCI Elkton, uma penitenciária federal de baixa segurança localizada no Ohio.

Mais tarde, em 2020, quando surgiu a pandemia do coronavírus, McFarland recorreu à Justiça e pediu para ser libertado por motivos de saúde, afirmando que suas alergias e asma o colocavam em uma categoria de alto risco de complicações de saúde. Seus esforços foram infrutíferos. "Você permite que a esperança turve seu raciocínio", ele disse. "Não havia como eu sair".

No final daquele ano, ele voltou novamente ao confinamento solitário, dessa vez por participar, via telefone público, de um podcast ("Dumpster Fyre") sobre o Festival Fyre.

Os registros da prisão mostram que McFarland passou um total de seis meses na solitária, embora os registros não especifiquem o motivo. Seu advogado, Jason Russo, disse em entrevista por telefone que havia enviado cartas à direção da penitenciária para tentar tirar McFarland da solitária, mas que seus esforços foram rechaçados em cada tentativa. Russo disse que nem conseguiu descobrir o motivo para que McFarland ficasse lá por um período tão longo. Emails e telefonemas do New York Times para a penitenciária não foram respondidos.

McFarland leu muito durante esses meses. "Não havia outra coisa a fazer", ele disse. Um dos livros que ele leu foi "Start with Why: How Great Leaders Inspire Everyone to Take Action", de Simon Sinek. Outro foi "Shantaram", um romance de Gregory David Roberts. "É sobre um australiano que escapa da prisão e entra para a máfia indiana", disse McFarland. "Realmente cool".

Na sala de estar de McFarland em Bedford-Stuyvesant, em uma pequena prateleira junto a um sofá cinza da Wayfair –"presente de um amigo", ele disse. "Eu não tinha dinheiro para comprar"—, havia cópias de "City on Fire", de Don Winslow, e de "The Power Law: Venture Capital and the Making of the New Future", de Sebastian Mallaby.

Mas McFarland disse que não tinha lido tanto assim desde que começou sua prisão domiciliar, e que adquiriu um computador desktop Macintosh com tela Westinghouse. "Senti muita falta do computador", disse McFarland. "Era a coisa de que eu sentia mais falta".

Como parte de seu acordo de admissão de culpa, McFarland está impedido para o resto da vida de participar do conselho de empresas de capital aberto. O dinheiro que ele ganhar será confiscado até que ele termine de ressarcir a quantia total que deve a suas vítimas, mais de US$ 25 milhões (R$ 132,3 mi).

"Obviamente, ele tem muito trabalho pela frente", disse Russo. Pelo menos por enquanto, McFarland abandonou a ideia de escrever suas memórias. "O livro não vai pagar o dinheiro que preciso restituir, vamos dizer assim", ele afirmou. E o que poderia fazê-lo?

"Eu gostaria de fazer algo baseado em tecnologia", disse McFarland alguns minutos depois, a caminho do BKLYN Blend, onde pediu um sanduíche de ovo e um café. "O bom da tecnologia é que as pessoas são mais progressistas e estão mais dispostas a correr riscos".

"Se eu trabalhasse com finanças, acho que seria mais difícil voltar. A tecnologia é mais aberta. E a maneira como eu fracassei é totalmente errada, mas, em certo sentido, no empreendedorismo fracassar é OK".

Sentado em uma mesa tranquila no canto do café –nenhum dos presentes parecia reconhecê-lo— McFarland ponderou se seria preferível trabalhar para si mesmo ou para outra pessoa. "Em última análise, acho que eu provavelmente poderia criar mais valor se desenvolvesse algum tipo de produto tecnológico", ele disse. "Seja dentro de uma empresa ou estabelecendo um negócio próprio. Estou aberto às duas coisas. Provavelmente vou decidir nas próximas semanas qual o caminho a seguir".

Ele disse que não estava particularmente interessado em criptomoedas, embora abra uma exceção para a última fronteira em tecnologia de blockchain, a de organizações autônomas descentralizadas, que ele disse que "permite que as pessoas se reúnam online para promover mudanças no mundo real de uma maneira que antes não conseguiam, e leva as pessoas a lugares a que não conseguiriam chegar —e, uma vez lá, permite que elas realizem mudanças no mundo real".

Em abril de 2020, enquanto estava preso, McFarland fez sua primeira incursão na filantropia. Ele liderou uma iniciativa chamada Projeto 315, que levantava dinheiro para cobrir os custos dos telefonemas de prisioneiros desprivilegiados para suas famílias. Seis dias após o lançamento do projeto no Instagram, os presidiários de todo o país foram dispensados de pagar por esses telefonemas. "Conseguimos", celebrou a conta de Instagram associada a McFarland, assumindo o crédito. (Na verdade, a suspensão da cobrança veio por conta de uma campanha da senadora democrata Amy Klobuchar, de Minnesota, e de um grupo de outros senadores democratas, iniciada muito antes que McFarland tivesse a ideia.)

Mas ele disse que isso aguçou seu apetite por boas causas. Agora, ele está falando em criar uma instituição de caridade que pagaria despesas de viagem das famílias de presidiários.

"Conheci algumas pessoas realmente incríveis na prisão", ele disse. "Metade delas são naturalmente más e pronto, mas a outra metade é ótima". (Quando perguntei a que grupo ele pertencia, McFarland foi cauteloso. "Mas acho que hoje sou uma pessoa melhor do que era há quatro anos", ele disse).

McFarland disse que queria que as pessoas soubessem que lamenta pelo que saiu errado no festival, e por suas ações. "Eu merecia minha sentença", disse. "Desapontei muita gente". Ele atribuiu suas escolhas, em parte, à "imaturidade" e arrogância. "Eu nem sabia o que não sabia", disse.

Mas em parte ele atribuiu a culpa ao mundo da tecnologia —o mundo para o qual ele está pensando em voltar– porque, segundo ele, o setor às vezes opera com um espírito de que "os fins justificam os meios".

Ainda assim, ele questionou alguns artigos que o comparavam a Bernie Madoff; afinal de contas, ele não passou décadas operando um esquema para fraudar pessoas e roubar suas economias de uma vida inteira. Além disso, disse McFarland, ele não tinha planejado que as coisas acabassem do jeito que acabaram.

Os documentários da Hulu e Netflix enfatizaram muito os trabalhadores locais das Bahamas que ficaram sem pagamento quando o festival foi cancelado e as dívidas se acumularam.

McFarland contestou essa descrição. (Uma proprietária de restaurante disse no documentário da Netflix que gastou US$ 50 mil (R$ 265 mil) de suas economias se preparando para o festival, e que não recebeu nenhuma indenização dos organizadores. Em maio de 2017, ela disse ao The New York Times que estes lhe deviam US$ 134 mil, o que corresponde hoje a R$ 710 mil.)

Dois dos antigos empregados de McFarland nas Bahamas viajaram a Nova York para a festa que ele organizou na noite em que sua prisão domiciliar terminou, no Marylou, um bistrô francês no East Village.

Ozzy Rolle, principal conselheiro de McFarland em Exumas, um distrito nas Bahamas, disse na tarde seguinte à festa que tinha recebido quase tudo o que lhe era devido dos organizadores do festival, antes que este implodisse. "Fui bem tratado. Provavelmente não fui pago por uma semana de trabalho". Ele chegou ao ponto de dizer que o Festival Fyre tinha sido bom para o turismo nas Bahamas. "Muita gente visitou as ilhas depois de ler sobre o que aconteceu", ele disse.

Mas Scooter Rolle, seu primo e companheiro de viagem, disse que ainda não tinha recebido um centavo do que lhe era devido por seu trabalho nos dias anteriores ao Fyre. "Vim para esclarecer as coisas", ele afirmou. Isso não exatamente aconteceu, mas McFarland pagou um "lobster roll" para ele depois da festa, no restaurante Sarabeth's Kitchen. "Billy fez o melhor que pôde", disse Rolle.

De volta ao café em Bed-Stuy, McFarland disse que seu maior pecado tinha sido se afundar mais e mais na desonestidade. "Eu menti", ele disse. "Acho que fiquei assustado. E o medo era o de decepcionar as pessoas que acreditaram em mim –e lhes provar que não estavam certas".

Traduzido originalmente do inglês por Paulo Migliacci