Segurança de Britney Spears incluía perseguição a namorados e dossiê de fãs
Membro da equipe expõe vigilância imposta à cantora por 13 anos
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O pai de Britney Spears e a empresa de segurança que ele contratou para protegê-la mantinham um aparato de vigilância intensiva que monitorava suas conversações e gravava secretamente em áudio o que acontecia no quarto da cantora, o que inclui suas interações e conversas com seu namorado e filhos, de acordo com um antigo empregado da companhia de segurança.
Alex Vlasov, 30, sustentou suas afirmações exibindo emails, mensagens de texto e gravações de áudio a que teve acesso em seus nove anos como assistente executivo e gerente de operações e segurança cibernética da Black Box, a empresa de segurança em questão. Ele falou para um novo documentário do The New York Times, “Controlling Britney Spears”, lançado na sexta-feira (24).
Gravar conversas em um local privado e reproduzir mensagens de texto sem o conhecimento de ambas as partes que estão se comunicando pode representar uma violação da lei. Não se sabe se o tribunal que supervisionava a tutela sobre Spears estava ciente dessa vigilância, ou a aprovou.
O relato de Vlasov, e seu arquivo de provas, criam o retrato mais detalhado até o momento do que foi a vida de Spears no período de tutela, nos últimos 13 anos. Vlasov disse que a operação de vigilância infatigável havia ajudado diversas das pessoas ligadas à tutela –especialmente o pai da cantora, Jamie Spears– a controlar praticamente todos os aspectos de sua vida.
“A situação me lembrava realmente a de alguém que estivesse na prisão”, disse Vlasov. “E os seguranças essencialmente tinham a função de guardas de presídio”.
Em resposta a perguntas detalhadas do The New York Times, um advogado de James Spears divulgou um comunicado: “Todas as ações dele estavam completamente dentro dos parâmetros de autoridade conferidos pela Justiça. Suas ações aconteceram com o conhecimento e consentimento de Britney, do advogado apontado pelo tribunal para representá-la e/ou da Justiça. O histórico de Jamie como responsável pela tutela –e a aprovação da Justiça às suas ações– falam por si”.
Edan Yemini, presidente-executivo e fundador da Black Box Security, tampouco respondeu a perguntas detalhadas. Em uma declaração, seu advogado afirmou que “Yemini e a Black Box sempre se conduziram dentro dos limites do profissionalismo, da ética e da lei, e estão especialmente orgulhosos de seu trabalho ao manter a segurança de Spears durante tantos anos”.
Matthew Rosengart, o advogado de Spears, declarou que “qualquer interceptação ou monitoração não autorizada das comunicações de Britney –especialmente de sua comunicação com o seu advogado, que constitui uma parte sacrossanta do sistema legal—, representaria uma violação vergonhosa de seus direitos de privacidade e um exemplo chocante de privação de liberdades civis”.
“Colocar uma escuta no quarto de Britney seria particularmente imperdoável e repreensível, e serve para corroborar muito do depoimento convincente e pungente que ela apresentou”, disse Rosengart. “Essas ações precisam ser investigadas completa e agressivamente”.
Vlasov disse que seus superiores o haviam informado de que medidas severas de vigilância eram necessárias para proteger Spears, e que ela estava sob tutela por vontade própria. Ele disse que se sentiu compelido a revelar as informações de que dispunha depois de ouvir as declarações de Spears ao tribunal em junho, quando ela criticou severamente o sistema judicial, os responsáveis por sua tutela e seus empresários. Spears definiu o arranjo como abusivo.
O pai de Spears, conhecido como Jamie, foi apontado como tutor da filha em 2008, pouco depois de ela ter sido conduzida ao hospital de ambulância por duas vezes, para avaliações psiquiátricas involuntárias, em meio a uma série de dificuldades e disputas públicas e a preocupações sobre sua saúde mental e seu possível abuso de substâncias ilegais. Jamie Spears recebeu controle amplo sobre a vida e as propriedades de Britney, o que incluía o poder de contratar seguranças para proteger a filha 24 horas por dia.
Jamie Spears e outras pessoas envolvidas na tutela insistiam em que a operação corria suavemente e que era benéfica para a filha dele. Mas depois das declarações de Britney Spears ao tribunal em junho, a juíza que supervisiona o caso a autorizou a escolher seu próprio advogado, pela primeira vez, e ela escolheu Rosengart. Ele rapidamente apresentou uma petição para remover Jamie Spears do papel de tutor do patrimônio de Spears. Depois de passar muito tempo afirmando que não existiam motivos legais para sua destituição, Jamie Spears abruptamente solicitou ao tribunal, em 7 de setembro, que decidisse se a tutela deveria ser abolida.
As solicitações de Rosengart e Jamie Spears devem ser consideradas em uma audiência marcada para esta quarta-feira (29).
A EMPRESA DE SEGURANÇA
Yemini, o fundador da Black Box Security, nasceu em Israel e é descrito no site da empresa como tendo passagem pelas forças especiais do exército israelense. O trabalho para Spears ajudou a Black Box a crescer, de uma pequena operação para uma companhia importante no segmento de segurança de celebridades. A empresa tem a família Kardashian, Miley Cyrus e Lana Del Rey entre seus clientes.
Vlasov começou a trabalhar na Black Box em 2012, aos 21 anos, quando ainda era universitário, e se sentiu empolgado com a oportunidade de aprender tudo sobre o ramo de segurança. Ele começou como assistente de Yemini e foi promovido a um posto que lhe conferia grandes responsabilidades sobre as operações e a gestão digital da empresa. “Eu fazia de tudo, de escrever as mensagens dele e seus emails a participar de conversas por telefone a fim de fazer anotações”, disse Vlasov. “Eu era a única pessoa na Black Box que estava informada sobre tudo, na verdade”.
Ele costumava trabalhar no escritório da empresa em Woodland Hills, Los Angeles, e raramente via Britney Spears em pessoa, disse. Mas por meio do aparato de vigilância e de seu trabalho em estreito contato com Yemini e seus colegas, disse Vlasov, ele tinha uma visão única, e abrangente, sobre a vida da cantora.
Vlasov disse que o telefone de Spears era monitorado por meio do uso de uma tecnologia engenhosa: a conta dela na iCloud era espelhada para um iPad, e mais tarde um iPod. Yemini instruía Vlasov a cifrar as comunicações digitais de Spears capturadas no iPad e iPod e encaminhá-las a Jamie Spears e Robin Greenhill, que trabalhava no Tri Star Sports & Entertainment Group, o escritório que então administrava os negócios e o patrimônio da cantora.
O arranjo permitia que todas as mensagens de texto, conversas em FaceTime, anotações, uso de internet e fotos no celular de Spears fossem monitorados. “O telefone dela e suas comunicações pessoais eram usados frequentemente como forma de controlá-la”, disse Vlasov.
Em resposta a questões sobre a operação de vigilância, um advogado do Tri Star Sports & Entertainment Group afirmou que “essas afirmações não são verdadeiras. Greenhill só estava envolvida com a segurança de Britney a pedido desta, bem como em relação ao processamento pela Tri Star dos pagamentos à empresa de segurança”. O advogado não respondeu a perguntas adicionais específicas sobre se Greenhill recebeu cópias ou relatórios sobre as comunicações de Spears via mensagem de texto.
Vlasov disse que a razão que Yemini apresentou para monitorar o telefone de Spears era protegê-la contra perigos e más influências. Mas Jamie Spears monitorava as mensagens de texto que a filha trocava com a mãe dela, seu namorado, seus amigos e até com o advogado apontado para ela pelo tribunal, de acordo com capturas de tela das mensagens fornecidas ao New York Times.
O relato de Vlasov sobre como a vida de Spears era controlada pela equipe de segurança foi confirmado por outras pessoas diretamente informadas sobre a tutela, que pediram que seus nomes não fossem mencionados. Essas pessoas disseram que Spears essencialmente não podia sair de casa sem estar acompanhada por seguranças, que informavam Yemini, Jamie Spears e Greenhill sobre os movimentos de Spears, via chat.
Como tutor da filha, Jamie Spears controla seu patrimônio de quase US$ 60 milhões (R$ 320 milhões) e tem a autoridade de contratar pessoas para trabalhar para ela. Vlasov disse que Yemini e outro empregado da Black Box um dia lhe entregaram um drive USB portátil e pediram que ele apagasse as gravações de áudio que continha.
“Pedi para eles me dizerem o que as gravações continham”, disse Vlasov. “Eles pareciam muito nervosos e disseram que era material extremamente delicado, e que ninguém jamais poderia saber a respeito. Era por isso que eu precisava apagar absolutamente tudo, sem deixar qualquer registro. A instrução me pareceu tão preocupante que eu não quis ser cúmplice do que quer que estivesse acontecendo, e por isso fiz uma cópia das gravações, porque não queria apagar provas”.
Ele descobriu que o drive continha gravações em áudio registradas por um aparelho instalado secretamente no quarto de Spears –mais de 180 horas de gravações. Vlasov disse que considerou o momento da ordem curioso porque algumas das gravações foram realizadas por volta do período em que uma investigadora apontada pelo tribunal visitou Spears para uma revisão periódica, em setembro de 2016. O New York Times estudou as gravações para confirmar sua autenticidade.
Quando perguntado por que tinha continuado a trabalhar na Black Box a despeito de ter tantas preocupações, Vlasov disse que tinha medo do poder que Yemini e outros exercem e da possibilidade de que eles prejudicassem suas perspectivas de emprego no setor. Depois das declarações passionais de Spears ao tribunal em junho, disse Vlasov, sua opinião mudou.
Ele escolheu sair da Black Box em abril, e disse que essa foi a melhor decisão de sua vida; Vlasov acredita que revelar o que sabe publicamente é a coisa certa a fazer. “Não sei o que acontecerá amanhã, mas não me arrependo do que fiz”, ele disse.
"ELA NÃO QUERIA ESTAR LÁ"
Spears ficou algum tempo internada em uma instituição de tratamento psiquiátrico em 2019 –uma estadia que parece ter representado um ponto de inflexão na tutela. Quem exatamente a enviou para lá, por que motivo, e se ela consentiu, são questões em disputa.
Jamie Spears e outros envolvidos na tutela disseram que ela consentiu em ser internada e que estava ciente que ninguém poderia forçá-la a ficar. Tutores não têm o poder de forçar um tutelado a se internar em uma instituição psiquiátrica contra sua vontade.
“Ela não queria estar lá”, disse Vlasov. “Numerosas pessoas disseram isso, entre as quais Robin e Jamie, em conversas por telefone com Edan das quais participei. Também ouvi múltiplas conversas cujo teor era o de que as pessoas sabiam que Britney não queria estar lá”.
O New York Times obteve mensagens de texto que Spears enviou da instituição, nas quais ela diz estar lá contra a vontade e que não podia sair, mencionando a presença de seguranças na porta o tempo todo. Spears disse em uma audiência mais tarde, em 2019, que sentia ter sido internada à força, de acordo com uma transcrição da audiência sigilosa. Ela repetiu essa afirmação em seu depoimento público ao tribunal em junho.
Vlasov mostrou comunicações que revelavam que, depois de internada, Spears tentou contratar um novo advogado para substituir o advogado indicado para ela pelo tribunal –e que Jamie e outros haviam monitorado aquele esforço.
O advogado que Spears estava interessada em contratar perguntou se ele podia visitá-la para conversar. Ela respondeu que não acreditava que a segurança permitiria sua entrada. “Eles com certeza vão impedir que eu veja um novo advogado sem ordem”, ela disse, e propôs que ele dissesse aos seguranças que era encanador. O advogado recusou o plano. “Você precisa ser aprovado pelo tribunal antes que eu o contrate, mas não sei de que forma posso ter certeza de que quero contratar você sem nos encontrarmos antes”, disse Spears. “Sim, é um beco sem saída”, disse o advogado.
Em uma mensagem de texto enviada uma semana depois do primeiro contato com o advogado, Spears disse que Jamie Spears havia tirado seu telefone, depois de descobrir que ela estava em contato com um advogado. O advogado confirmou ao New York Times a veracidade da correspondência fornecida por Vlasov.
Vlasov recorda que um dos grandes momentos de “desconfiança grave” pelos quais ele passou em seu período na Black Box aconteceu em agosto de 2020, quando Samuel Ingham 3º, o advogado apontado pelo tribunal para defender Spears, enviou um email aos advogados de Jamie Spears e a Yemini, pedindo confirmação escrita de que o novo telefone dela não estava sendo monitorado.
“Eticamente, preciso receber confirmação escrita de que ninguém exceto minha cliente tem acesso aos seus telefonemas, mensagens de voz ou mensagens de texto, direta ou indiretamente”, escreveu Ingham no email, que foi visto pelo New York Times.
Geraldine Wyle, advogada de James Spears, respondeu que “Jamie confirma não ter acesso aos telefonemas, mensagens de voz ou mensagens de texto dela”.
Em resposta a perguntas do New York Times sobre essa troca de informações, Wyle disse que “as ações de Jamie Spears sempre foram próprias e em estreita conformidade com a lei e as ordens do Tribunal Superior de Los Angeles”. Ingham não respondeu a um pedido de comentário.
Jamie Spears tinha um interesse especial pelos namorados de Britney, disse Vlasov. A equipe de segurança seguia os namorados dela, em um esforço continuado para procurar por comportamento que os incriminasse ou outras provas de que eles poderiam exercer má influência sobre a cantora, ele disse. “Havia uma obsessão com os homens na vida de Britney”, disse Vlasov.
Os namorados dela eram solicitados a assinar acordos severos de confidencialidade, disse Vlasov. Um desses acordos, assinado em 2020 pelo na época namorado e hoje noivo de Spears, Sam Asghari, tecnicamente o proibia de postar mensagens sobre Britney na mídia social sem a aprovação prévia por escrito de Jamie Spears.
Em um relatório confidencial de uma investigadora apontada pela Justiça, obtido pelo New York Times, a investigadora escreveu, em 2016, que Britney Spears havia lhe dito que não podia fazer amizade com pessoas, especialmente homens, sem a aprovação de seu pai, e que os homens com quem ela queria sair eram “seguidos por investigadores particulares para garantir que o comportamento deles fosse aceitável para o pai dela”.
Vlasov disse que a Back Box Security faturou mais de US$ 100 mil (R$ 534 mil) em 2014 com a investigação e vigilância do então namorado de Spears. O namorado, David Lucado, disse ao New York Times que na época estava ciente de ser seguido por investigadores particulares, e que em em duas ocasiões havia telefonado para o número de emergência da polícia por estar sendo seguido de forma perigosa. Ele disse acreditar que talvez tenha se tornado alvo de atenção mais intensa porque estava encorajando Britney a tentar compreender melhor os direitos legais que ela tinha, sob a tutela.
FOCO NO MOVIMENTO "FREE BRITNEY"
Outro objeto de interesse intenso entre aqueles que controlam a vida de Spears, disse Vlasov, era o chamado “movimento Free Britney”, um grupo cada vez maior de fãs que, nos últimos anos, vem despertando grande atenção quanto ao caso de tutela. A Black Box Security enviou investigadores para infiltrar o grupo em um comício em abril de 2019, e montou dossiês sobre alguns dos participantes mais ativos.
“Investigadores disfarçados foram plantados entre os presentes para conversar com os fãs e identificá-los”, disse Vlasov. “E isso tudo era realizado sob a capa de ‘estamos agindo para proteger Britney’”. Ele mostrou fotos de vigilância ao New York Times que correspondem a fotos postadas por integrantes do Free Britney naquele dia.
A Black Box preparou um “relatório de avaliação de ameaça”, datado de julho de 2020, que incluía informações sobre os antecedentes de diversos integrantes do movimento, entre os quais pessoas que tinham podcasts e contas de mídia social populares, como “Britney’s Gram”, “Eat, Pray, Britney”, “Lawyers for Britney” e Diet Prada. Uma ativista, descrita como uma jovem mãe do Oklahoma, Megan Radford, foi classificada como “pessoa de alto risco, devido a sua criação e compartilhamento de informações”.
Um email de agosto de 2020 enviado por Yemini discutia a possibilidade de seguir Kevin Wu, fã de Britney que opera uma conta de Twitter com muitos seguidores, Free Britney L.A. “Eles estavam extremamente nervosos, porque tinham zero controle sobre o movimento Free Britney e o que poderia sair dele”, disse Vlasov.
Os honorários pela vigilância sobre os namorados de Britney e os integrantes do Free Britney, disse Vlasov, eram pagos pelos tutores com o dinheiro de Spears.
Traduzido originalmente do inglês por Paulo Migliacci