Celebridades
Descrição de chapéu The New York Times

Charlize Theron diz que se sentiu julgada ao anunciar que faria filme sobre assédio sexual na Fox News

Atriz faz paralelo com Harvey Weinstein, e diz que ele era bom em colocar mulheres umas contra as outras

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Kyle Buchanan

Charlize Theron sabia que não seria fácil fazer “O Escândalo”, um filme sobre assédio sexual na rede de notícias Fox News. Afinal, em termos de trama, o filme era como andar na corda bamba.

Mas ela não esperava que, duas semanas antes da data marcada para o início da filmagem, com um elenco que incluía também Nicole Kidman e Margot Robbie, “O Escândalo” fosse quase cancelado. “Parecia que estávamos avançando a toda velocidade rumo a algo arriscado, e então, de repente, o chão desapareceu por sob nós”, disse Theron.

Em suas funções como produtora, ela manteve o orçamento em enxutos US$ 35 milhões (R$ 145,2 milhões), mas a Annapurna Pictures ainda assim abandonou sua participação em “O Escândalo”, no final do ano passado, poucos meses antes de lançar sua dispendiosa comédia política “Vice”, estrelada por Christian Bale. “É difícil de engolir quando você ouve seu financiador dizer que quer sair”, disse Theron, “especialmente quando o custo é apenas a metade do de um projeto que eles já fizeram com um homem à frente do elenco”.

Ainda que ela tenha entrado em ação para obter financiamento de último minuto e um novo distribuidor, Theron continuava a enfrentar dúvidas pessoais sobre interpretar o papel principal, o de Megyn Kelly, a férrea âncora da Fox News cujas acusações contra o presidente-executivo do canal, Roger Ailes, ajudaram a derrubá-lo do posto em 2016.

Kelly continua a ser uma figura controversa, para a direita e para a esquerda, e interpretá-la requereria a mesma transformação física, com pesado uso de próteses, pela qual Theron passou para fazer o papel de Aileen Wuornos, que lhe valeu o Oscar, em “Monster – Desejo Assassino”.

Mas estamos falando de Charlize Theron. Você acha mesmo que a mulher que interpreta Furiosa recusaria um desafio? “A não ser que seja alguma coisa que eu acho que realmente vai me assustar, que me faça sentir à beira do abismo, e que a queda pode ser brutal, nada bonita, eu não tenho vontade de fazer o projeto”, ela disse no mês passado em West Hollywood. Abaixo, trechos editados da conversa da atriz com o The New York Times.
 
Quando você disse aos amigos que ia interpretar Megyn Kelly, qual foi a reação?
Foi certamente complicado. De um jeito estranho, me senti julgada, como ela [Megyn Kelly] costuma ser por muita gente. Mas até a quarta semana de filmagem, eu continuava sem entender direito quem é ela como pessoa, e foi só quando me concentrei naqueles 18 meses da história que consegui defendê-la.
 
O filme anda no fio da navalha. Megyn é uma figura simpática quando o assunto é o assédio sexual que sofreu, mas “O Escândalo” ainda assim inclui alguns de seus momentos mais controversos, como sua notória insistência, ao vivo, em que não havia como Papai Noel ser negro.
Há coisas que ela disse que eu definitivamente questiono, mas isso não invalida o que eu sinto sobre sua luta. Evitar tudo isso para desenvolver uma narrativa emotivas sobre a personagem não era algo que eu quisesse fazer. E se o filme fosse sobre mim, aliás –o que espero que nunca aconteça–, ele estaria repleto de falhas e de erros, e eu não gostaria que essas coisas fossem excluídas. Realmente acredito que o que ela e as demais mulheres sofreram é inaceitável, mesmo que elas trabalhem para uma rede à qual tenho objeções.
 
Eu imaginaria que, como mãe de duas crianças negras, você não curtiu interpretar a cena do “Papai Noel é branco”.
[Enfaticamente.] Obrigada! Sim, aquilo foi difícil para mim.
 
Para interpretar Megyn, você recorreu ao maquiador Kazu Hiro, ganhador do Oscar, que transformou Gary Oldman em Winston Churchill. O que mais foi preciso para vestir a pele dela?
Se eu não tivesse Kazu, o filme não teria acontecido, mas recentemente eu vi um vídeo de um momento de bastidores e foi uma sensação estranha, porque estou usando as próteses mas não estou interpretando a personagem. Eu não estava fazendo aquilo que ela faz quando entra em uma sala, que eu acho que vem de anos e anos tendo de provar sua capacidade.
 
O que ela faz ao entrar nessa sala?
Ela entra de queixo duro, e tem uma pose muito estática, muito imóvel, que nada consegue abalar. É como se a atitude dela fosse a de não permitir que as pessoas a leiam fisicamente. Mesmo que esteja contando histórias emotivas, ela se protege o tempo todo, e eu acredito firmemente que o comportamento forte de uma personagem vem de suas necessidades emocionais.
Por exemplo, no caso de Aileen Wuornos, os olhos dela viviam arregalados, e sua mandíbula estava sempre tensa, e quando fiz isso durante a primeira semana da filmagem, parecia uma louca, até que percebi que quilo vinha de ela ter 1,58 metro de altura e de ter morado na rua desde os 13 anos de idade. Você se enrijece daquele jeito porque está tentando transmitir aos outros a mensagem de que “sou maior do que você pensa, não se meta comigo”.
 
E qual é a necessidade emocional de Megyn na história, em sua estimativa?
Durante aqueles 18 meses, ela encarou um dilema emocional incrível. Ela realmente gostava de Roger, e lhe dá crédito por sua carreira, por seu sucesso. Ela também é uma mulher muito determinada, que não deseja ser definida por [acusações de assédio sexual], e isso infelizmente é algo importante para muitas mulheres –você não quer que o mundo a veja como vítima. Mesmo um ano ou dois daquela experiência, eu vi Megyn falando em fóruns de mulheres, e ela fala sobre o assunto de uma maneira realmente protetora. As defesas dela se tornam ainda mais rígidas, e ela começa a se comportar mais e mais como advogada ou como jornalista.
 
Para não ser retratada como vítima?
Sim. Acho que é assim que ela lida com sua dor. Talvez ela aja diferente na vida particular –não tenho como saber. Mas foi difícil para nós, porque quando você faz um filme, quer ter aqueles momentos em que consegue decompor o personagem, expô-lo cruamente, e não existia nada que me mostrasse que essa era a coisa certa a fazer no caso dela.
 
Como você encontrou outra maneira de mostrar essas subcorrentes emocionais, então?
Existe um momento, em seu depoimento, em que um advogado pergunta se ela sofreu consequências duradouras. Foi o mais próximo a um momento de quebra emocional que eu pude chegar, por conta da estupidez de uma pergunta como aquela. Porque, nossa, como é que alguém pergunta isso? Em uma das tomadas, quando o ator dizia aquela fala, eu senti alguma coisa se romper, e não respondi. Fico muito agradecida por o diretor ter escolhido usar esse momento.
 
Em uma cena crucial, vemos Roger Ailes (John Lithgow) coagindo uma empregada subalterna da Fox News (Margot Robbie) a erguer seu vestido. Como produtora, como você retrata um momento como esse sem explorar Robbie?
Minha preocupação era garantir que ela se sentisse confortável com as roupas de baixo que estava usando. Nós três –Nicole, Margot e eu– já fizemos cenas nuas em filmes que não eram sobre nudez. Também estive nua em cenas em que me senti incrivelmente empoderada, que não é algo que você imagina.
A cena em “O Escândalo” era mais sobre, e isso é o que tornou brutal assisti-la naquele dia, o fato de que Roger Ailes ditava como as coisas aconteceriam e ela não tinha direito a opinar. É o fator do desrespeito, da diminuição. “Vou obrigá-la a fazer algo que sei que causa imenso desconforto”. É a necessidade que ela tem de aplacar o poder dele que torna a cena mais desconfortável, muito mais do que se ele a estuprasse fisicamente na cena.
Assistir àquilo foi revelador para muita gente. Os homens, especialmente, comentam que nem imaginavam que as mulheres passassem por coisas assim. É uma lição de humildade, que você possa criar um momento desse tipo, porque muitas vezes você sabe que as pessoas dirão que esse é um filme para mulheres e não vai interessar aos homens. Quando os homens conseguem se engajar emocionalmente com a experiência, e se sentem tão perturbados com ela quanto uma mulher, o efeito é poderoso.
 
O filme me fez pensar nas atrizes que Harvey Weinstein teria supostamente assediado, como Ashley Judd e Mira Sorvino, e como ele as marginalizou ou criou conflitos entre outras mulheres a fim de criar um sistema no qual ele pudesse ficar por cima.
Sim, e ele fez isso com todo mundo. Colocar mulheres umas contra as outras? Ele era muito, muito bom isso. Era comum ele dizer coisas como “estou conversando com Gwyneth sobre esse filme”. Uma das coisas que ele costumava dizer era que Renée [Zellweger] e eu dormimos com ele para conseguir papéis. Ele não tinha limites. Mesmo nos favores sexuais, ele nos punha em confronto.
 
“O Escândalo” é um filme sobre mulheres, mas alguns espectadores podem se surpreender por ele ter sido escrito por um homem (Charles Randolph) e dirigido por outro (Jay Roach).
Bem, a resposta mais fácil que tenho é que que não foi uma mulher que decidiu contar a história. Se fosse um artigo que estou encomendando para minha produtora, creio que meu primeiro instinto seria procurar uma mulher. Mas não escolhi o roteirista. O roteirista escolheu a história e fez todo o trabalho por sua conta.
Mas é um grande exemplo de como não devemos compartimentar essas histórias de forma a que apenas um dos sexos possa contá-las. Quero ver mais oportunidades para roteiristas e diretoras mulheres, mas também acho que é um erro isolar os homens completamente do processo. Quando você acha o homem certo para contar a história, existe valor real nisso.
A verdade é que devemos sempre questionar essas coisas, e estou totalmente aberta a conversar a respeito, mas se tivesse de fazer tudo de novo, faria do mesmo jeito. Os homens em minha vida são incrivelmente compassivos e fazem perguntas sobre as coisas de uma forma que me inspira. Por que eu eliminaria esse interesse?

Tradução de Paulo Migliacci