Televisão

Não há coragem para fazer '24 Horas' ou 'Lost' no Brasil, diz roteirista Fernando Bonassi

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Um debate sobre as relações entre cinema, TV e literatura esquentou a fria manhã deste domingo(dia 16) no Festival da Mantiqueira, em São Francisco Xavier.

Os escritores e roteiristas Lauro César Muniz, José Roberto Torero e Fernando Bonassi fizeram um dos mais animados bate-papos desta edição do festival literário.

No parte final do debate, quando o público faz perguntas, os escritores falaram sobre séries para TV e mercado.

Muniz, autor da peça "O Santo Milagroso" (1963) e da telenovela "O Salvador da Pátria" (1989), entre outras, afirmou que o Brasil ainda vai demorar a atingir a excelência da TV americana na produção de séries.

Bonassi, autor de inúmeros romances, peças e roteiros para TV e cinema, criticou o modelo de produção do Brasil.

"Quando um país é democrático, a emissora de TV compra produção independente. Só nos países atrasados, com tradição autoritária muito forte, não funciona assim."

"Não há coragem para fazer algo como [as séries] '24 Horas', de direita mesmo, ou como 'Lost', que é estranho, no Brasil", afirmou ele." É falta de culhão em quem produz. Se o empresariado é tolo, o produto é tolo e mal feito."

ABORDAGEM NA ESCRITA

De forma geral, os três autores comentaram as diferenças de escrever para diferentes meios.

Muniz iniciou a conversa comentando as formas de reação do público diante de um livro ou do cinema.

"São muito diferentes. O leitor acaricia o livro, dorme com o livro, é uma forma de fruição muito sensorial. O público do cinema é mais impaciente, quer ser conquistado logo."

Cada veículo, explicou ele, traz exigências diferentes. Como exemplo, citou a peça "O Santo Milagroso", que ele próprio adaptou para o cinema e a TV, sempre com algumas alterações.

Torero, que escreveu o romance "O Chalaça" (1995) e inúmeros roteiros para cinema e TV, brincou que seu primeiro trabalho de adaptação foi aos seis anos, quando recriou com sua coleção de bonequinhos um faroeste B e um filme sobre Roma Antiga.

Hoje ele traz no currículo roteiros criados a partir de materiais bem mais nobres, incluindo obras de Machado de Assis --o romance "Memórias Póstumas de Brás Cubas" e os contos "A Igreja do Diabo" e "Um Homem Célebre".

"É excelente trabalhar com [autor] defunto. Machado é um cara sensacional e não reclama de nada."

PERSONAGENS "BURROS"

Comparando os livros com a linguagem audiovisual, disse que os personagens de cinema são "mais burros".

"O personagem de cinema não pensa. Ele mostra o que é pela ação. Não há o pensamento, reflexão interior. Por isso o cinema é inferior à literatura."

"Além disso", completou, " no livro você é sempre coautor. Você precisa imaginar as cenas, os personagens".

Fernando Bonassi também tem trabalhos de destaque em vários meios --literatura ("Subúrbio", "Passaporte"), roteiro para cinema ("Os Matadores", "Cazuza", "Carandiru"), teatro ("Apocalipse 111") e séries para TV ("Força-Tarefa").

Cada veículo, argumenta, impõe uma diferente forma de criação.

"No 'Cazuza', por exemplo, a mãe dele queria preservar o filho, o produtor queria vender ingresso e a diretora queria fazer um filme de arte. E você fica no meio disso tudo. Já a literatura é o lugar da pessoalidade, onde assino e ninguém interfere", comentou.

Também comentando as diferenças entre um trabalho mais autoral (no caso, o teatro) e o ritmo industrial das telenovelas, Muniz fez uma comparação que arrancou gargalhadas do público.

"Quando faço teatro, eu me isolo, não quero que ninguém se meta. Você não quer ninguém do seu lado quando está fazendo cocô. Mas quando estou escrevendo para televisão, pode ficar do meu lado. É só um xixizinho."

Muniz afirmou também que aposta em telenovelas mais curtas no futuro, passando dos atuais 200 capítulos, em média, para algo em torno de 60 ou 70.

"Isso iria favorecer a qualidade e a concentração da ação. No modelo atual, se perde muito da autoria. As coisas são feitas às pressas, o que faz cair a qualidade."

Final do conteúdo
  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Ver todos os comentários Comentar esta reportagem

Últimas Notícias