Saiu no NP

As travessuras do bebê atômico

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

O "Notícias Populares", em especial durante a década de 70, notabilizou-se ao estampar em suas páginas as mais variadas "espécies" de crianças. Do bebê-diabo ao bebê-sereia, os leitores acostumaram-se ao longo do tempo com as bizarrices publicadas pelo jornal, a ponto de sempre ficarem com aquela sensação de déjà vu após lerem as histórias, de tão semelhantes que elas eram em alguns pontos.

Um exemplo disso está na manchete da edição de 11 de novembro de 1975: "Bebê Atômico Nasceu em SP". O texto não tratava de um recém-nascido, mas sim de uma criança do sexo feminino, que em 1974 deu entrada na pediatria da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo com uma suposta anemia, diagnosticada após uma bateria de exames de sangue.

Crédito: Folhapress
Em 11 de novembro de 75, o 'Notícias Populares' deu à luz a mais uma criança especial, desta vez o bebê atômico

Quatro meses após a consulta, a menina passou a sofrer de fraqueza e perda de memória, além do surgimento de manchas arroxeadas por todo o seu corpo. Desta vez, a garota foi levada para uma clínica particular, onde nova leva de exames foi pedida. Começava aí a relação entre a dra. Vânia e a pequena Guta (nomes fictícios dados pelo NP).

Ao receber os resultados, a médica constatou que os níveis de glóbulos vermelhos estavam praticamente zerados e também que havia a reprodução de células cancerígenas no corpo. Com isso, exclamou: "Leucemia!".

Após consultar extensa bibliografia sobre o assunto, Vânia descobriu que sua paciente estava contaminada por radiações atômicas. Isso lhe causou espanto: "Não sei como esta menina ainda não morreu".

Curiosa com o caso, a doutora acompanhava dia a dia a evolução do quadro de Guta, até que em uma determinada manhã aconteceu um fato assustador. A menina, que se encontrava parada próxima à janela, desferiu um safanão na médica e logo na sequência pulou para fora do consultório, que ficava no quarto andar de um prédio.

Ao recuperar-se do choque, causado pela força descomunal da pequenina, correu até a janela esperando ver a garota morta no chão. Mas, aí, levou outro susto. A criança estava em pé e com os braços erguidos na direção do céu, atraindo raios e relâmpagos, como se fosse personagem saída de gibi da série X-Men. Depois de presenciar a cena, Vânia desmaiou.

A segunda manchete do "Notícias Populares" sobre o caso saiu no dia 12 de novembro de 1975, um dia depois da primeira aparição no diário, e tinha tudo para espalhar pânico entre os leitores: "Bebê atômico está a solta em São Paulo".

Nas páginas internas da publicação havia um relato da dra. Vânia, que afirmava ter recebido visitas da pequena Guta menos de 30 dias após o assustador evento em seu consultório.

Crédito: Folhapress
A menina atômica exibiu novos superpoderes na edição de 12 de novembro de 1975 do 'Notícias Populares'

Nesse período, a menina adquiriu as habilidades de se transformar em líquido e de ficar invisível, com isso ela passou a entrar e sair pelas torneiras das casas, onde gostava de pregar peças nos moradores, percorrendo cômodos, mexendo em brinquedos e outras coisas do tipo. Foi dessa forma que ela se reencontrou com a médica, enquanto a mesma tomava banho em sua casa. A água começou a esquentar e uma fumaça amarela tomou conta do banheiro. Apavorada, a doutora saiu rapidamente da banheira e, poucos segundos depois, todo aquele vapor transformou-se na sorridente Guta.

Após essa aparição, os encontros entre as duas foram cada vez mais frequentes, e Vânia continuava a examinar a pequena, submetendo-a a vários tipos de exames. Em toda essa busca por respostas, ela chegou à conclusão de que havia uma grande concentração de césio 137 e estrôncio 90 no sangue da garota. Uma simples gota dele poderia matar uma pessoa, o que tornava a criança uma perigosa ameaça para a sociedade.

Mesmo com todo esse risco, a garotinha não parava quieta e continuava a visitar casas por diversas regiões da zona leste de SP, principalmente as mais longe do centro, onde as ondas de rádio e TV lhe provocavam muitas cócegas. Osasco (Grande São Paulo) e as cidades do ABC também estavam entre os lugares preferidos da menina.

Foi em um desses passeios, mais precisamente em Santo André (SP), que ela fascinou um casal de idosos. Dona Rosa e seu Raimundo assistiam ao último capítulo da novela "O Grito" quando perceberam que o seu aparelho de televisão preto e branco estava ficando com a imagem colorida. De repente, a representação de uma criança formou-se no tubo da tevê. Ao ver a cena, seu Raimundo não teve dúvida: "É o bebê atômico, véia!".

Com medo, dona Rosa implorou: "Por favor, Guta, não nos faça mal!". Mas com o tempo, o sentimento de pavor deu lugar a tranquilidade, pois ela percebeu que a criança só precisava de um pouco de atenção e de um copo de leite gelado, o único alimento comum que a garota nuclear conseguia ingerir. De acordo com Raimundo, "essa menina é um amor". A visitação foi destaque na capa do jornal do dia 13 de novembro de 1975: "Bebê atômico visita casal".

No outro dia, ao amanhecer, a menininha seguiu para a represa Billings, o seu lugar favorito para se alimentar dos raios solares e recuperar suas forças, mas o tempo estava parcialmente nublado, o que a obrigou a procurar as redes de energia elétrica, também fontes de seu sustento.

BAIXINHA ENCRENQUEIRA
Em sua peregrinação em busca de "comida", o pequeno ser radioativo causou confusão em sua passagem pela região da avenida Cruzeiro do Sul (zona norte de SP). A vítima desta vez foi Abílio, proprietário de um Ford Galaxie azul, novo, que ao tentar dar partida em seu automóvel, viu as luzes do painel se apagarem e nada mais funcionar. Furioso, reclamou: "Esse maldito bebê roubou toda a energia do meu carro!".

Em 14 de novembro, o "Notícias Populares" trazia em sua primeira página mais um reboliço criado pela pestinha. Em "Bebê atômico ataca e foge na V. Prudente", as mudanças na personalidade e comportamento da menina foram destacadas.

Cansada dos testes e experiências feitos pela dra. Vânia e uma dupla de cientistas japoneses, Guta discutiu com todos e prometeu nunca mais voltar ao consultório e, ainda, os ameaçou: "O que essa boboca e esses malucos estão pensando? Eu jogo um raio em cada um e pronto! Vão aprender a não mexer com o bebê atômico".


Muito nervosa com o embate, a criança parou na porta do primeiro bar que encontrou, a fim de afogar as mágoas em um copo de leite. Raivosa, assustou todos os presentes, iniciando uma correria geral. Algumas pessoas conseguiram fugir do local, mas outras foram atingidas pelos raios disparados e caíram desmaiadas na calçada. Após o ataque, a pequena disse: "Quando eu bebo, todo mundo bebe também. Aqui não vai ficar ninguém sem tomar ao menos uma garrafa de pinga!".

Como toda ação tem uma reação, os nove homens que ficaram presos no bar, "enchendo a cara" forçadamente, irritaram-se e partiram para cima de Guta, encorajados pela cachaça e ignorando o fato de ela ter superpoderes. Amedrontada, a criança nuclear fugiu em direção à favela da Vila Prudente (zona leste), onde se escondeu em um barraco.

Os moradores disseram não terem visto o "fenômeno" passar pela comunidade, mas a reportagem do "NP" creditou ao medo de uma possível represália o fato de ela ter "passado despercebida", mesmo após ter destruído o barraco onde estava escondida.

Após a poeira baixar, o bebê foi para a represa Guarapiranga (zona sul), de acordo com a edição do jornal de 15 de setembro de 1975, mas o seu temperamento explosivo fez com que ela se metesse em outra briga, novamente em um bar. Atordoada com as consequências de seus atos, a pequena garotinha buscou abrigo em uma lancha.

Mal sabia ela que a embarcação, batizada de "Tiririca", era de um dos fregueses do bar (ele pediu para não ter o seu nome divulgado). Embriagado, o homem decidir dormir na lancha em vez de ir para casa. Antes, porém, pulou na represa para tomar um banho.

O barulho assustou Guta, que, ao sentir-se encurralada, começou a emitir uma forte onda de calor e, consequentemente, provocou um pequeno incêndio na parte onde estava escondida. O rapaz, ao sentir o cheiro de queimado e perceber que algo de errado acontecia na embarcação, encheu um balde de água e o despejou nas chamas, quando de repente uma criatura feroz e brilhante saltou em cima dele. Os dois iniciavam ali uma violenta luta pela sobrevivência.

Crédito: Folhapress
Em sua última aparição no 'Notícias Populares', a pequena Guta briga em barco na represa Guarapiranga

Durante o combate, a garota atômica se jogou na represa, mergulhando para tentar escapar. O homem, furioso, ligou o barco e pegou sua espingarda, só esperando o momento em que o ser colocaria a cabeça para fora da água para respirar. Ao avistar algo brilhando sobre a superfície, disparou uma saraivada de balas em sua direção. A menina, desesperada, levantou voo e sumiu na escuridão...

A partir daí, nada mais a respeito foi publicado pelo "Notícias Populares". Não se sabe se a menina morreu após levar os tiros, ou se ela conseguiu escapar. Alguns ainda acreditam que ela foi a responsável pela série de apagões ocorridos no país nas últimas duas décadas. Outras lacunas da história também ficaram sem explicação, como "Quem eram os pais da menina?", "O porquê de ela ter nascido assim..." ou, simplesmente, "Onde foi parar a doutora Vânia?". A única certeza é que se encerrava ali um longo período de bizarrices e histórias estranhas contadas pelo "NP" durante a década de 70.

Final do conteúdo
  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Ver todos os comentários Comentar esta reportagem

Últimas Notícias