Humanos

Por corpão, mulheres se jogam na lama do rúgbi

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Bastam dez minutos de partida para fazer um "estrago" danado: uniformes, cabelo, rosto e unhas ficam tingidos de ocre. Em nada lembram as mulheres que, antes de entrar em campo, deixaram no vestiário o salto alto e a roupa social.

Agora, de shorts, camiseta e chuteiras, correm num campo de barro, derrubando-se no chão, disputando uma bola oval, numa noite com sensação térmica de 15ºC.

O zelador da quadra na Vila Sônia, onde 15 mulheres de classe média-alta entre 17 e 36 anos treinam rúgbi, confessa que não consegue entender aquela disputa.

Como ele, nem família, namorados e colegas de trabalho das garotas. "Minha mãe fica super preocupada. Tem medo de que me machuque", conta a estudante Georgia Bianco Januzzi, 17, que há dois meses treina no Pasteur Athlétique Club (PAC), time fundado por atletas e pais franceses, na Vila Clementino, zona sul de São Paulo.

Como Georgia, mais mulheres estão praticando a modalidade, que volta a ser olímpica em 2016, no Rio de Janeiro. No último levantamento da Confederação Brasileira de Rugby de 2009, o esporte contava com 320 praticantes. Hoje, são 500.


Elas não se incomodam em ficar com manchas roxas pelo corpo, raladas ou doloridas. "Machucar é quebrar osso e romper ligamento", minimiza Luíza Lopes, 22, estudante de fisioterapia, que joga há 3 anos. "Rúgbi é contato. No jogo você apanha e se não cair, não tem graça", define.

O namorado da farmacêutica Mariah Ultramari, 26, mesmo sendo atleta de rúgbi, não aprovou de primeira a entrada dela no time. "No esporte tem o terceiro tempo [a confraternização depois do jogo], e muitas meninas só aparecem nele. Também tem maria-chuteira e má fama", entrega.

Mas quem pensa em treinar para ficar só perto dos fortões do time masculino ou para deixar o bumbum duro, a treinadora avisa: não aguenta o tranco. "É contato. Você tem que está preparada para receber uma derrubada", explica a educadora física Márcia Muller, 30, que treina a equipe desde janeiro.

As partes mais exigidas do corpo são posterior da coxa, glúteo e lombar. "No teste físico tem que correr até vomitar, senão não deu tudo", grita Márcia para as meninas.

"Você rola e deita no barro", conta a designer Adriana Fukumori, 29, que começou a praticar depois de ver pela TV jogos com os All Blacks -time da Nova Zelândia, que antes das partidas fazem uma dança típica maori para intimidar o adversário.

Elas não dançam, mas gritam muito durante a partida. Se engana quem pensa que são gritos finos ou de quem foge da bola. "Vai, vai, vai! Se joga!", berram para estimular as companheiras. "Tem que ter sangue no olho, mas ninguém xinga a adversária", conta Luíza.

Capitã do time, Denise Claudino, 27, é a quem todas devem obedecer na partida. Apenas ela pode falar com o juiz. "É um jogo que tem quer ter respeito forte".

Apesar da motivação, o time não está bem no campeonato paulista. Fernando Foresti, treinador do time feminino, culpa as nuances femininas.

"Depois do último jogo, nem sei em que posição estamos [no campeonato]", conta rindo. "Tem três dias do mês que elas, como todas as outras mulheres, estão difíceis. Imagina o que eu tenho que lidar", diz.

O treino dura 1h30, às segundas, quartas e sábados. Para não se machucar, aprendem técnicas de como cair, se proteger e receber a derrubada.

"Você encara meninas que tem três vezes seu tamanho", conta a estudante Mariana Braghini, 20. "Para mim, o rúgbi é isso, superação. Levo isso para outras situações na vida", diz.

As meninas pagam uma mensalidade de R$ 80 e dividem, com o time masculino, o aluguel do campo que custa por mês até R$ 800.

Depois que encontrou o time, Karina Barreto, 36, diz que entende porque o marido não falta ao futebol com os amigos. "Ficava intrigada, porque fosse sol, frio, chuva de cometas, ele sempre ia. Agora eu entendo, passo pelo mesmo", conta a produtora de eventos. "O rúgbi fez bem ao relacionamento".

Crédito: Editoria de Arte/Editoria de Arte/Folhapress

CRESCIMENTO

A CBRu (Confederação Brasileira de Rugby) calcula que 500 mulheres pratiquem o esporte -entre atletas e amadoras. O campeonato Paulista conta com oito etapas exclusivamente de mulheres - nas categorias adulta e juvenil. Dez times estão competindo, entre eles o PAC. Atualmente, segundo a Federação Paulista, existem 180 meninas federadas.

O universo feminino ainda é pequeno diante dos mais de dez mil atletas federados. Mas o esporte vem crescendo. Se há 8 anos existiam 50 clubes, hoje esse número passa de 300.

"Existe um maior conhecimento da modalidade, pela transmissões da TV à cabo, e pela busca das pessoas por um esporte que congrega valores como raça, entrega, solidariedade, respeito, paixão e disciplina", explica Virgílio Neto, gerente de seleções da CBRu. O rúgbi surgiu na Inglaterra e tem a mesma raiz do futebol. Retorna às Olimpíadas do Rio em 2016, após um longo hiato - foi excluído da competição em 1924.

A seleção feminina de rúgbi é octacampeã sul-americana, estando invicta no continente desde sua criação.

Final do conteúdo
  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Ver todos os comentários Comentar esta reportagem

Últimas Notícias