Factoides

HUMOR: Um país de linchadores cordiais

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Na história do Brasil, poucos conceitos devem ter sido mais distorcidos que o "homem cordial" de Sérgio Buarque de Holanda. O que em "Raízes do Brasil" era uma crítica do historiador ao que, décadas mais tarde, viria a se chamar "jeitinho brasileiro" —o homem cordial como inimigo das regras sociais e amigo do compadrio e do paternalismo— se transformou, graças sobretudo a quem nunca leu o livro, numa ideia do tipo "olha como brasileiro é bonzinho, que boa índole a do nosso povo" (ao que uma querida amiga respondia: "Claro! É por isso que as nossas cadeias estão cheias de escandinavos").

A tal cordialidade brasileira, já bastante evidente no nosso índice anual de homicídios, ficou mais clara do que nunca na tristíssima história de Fabiane de Jesus, a dona de casa de Guarujá espancada até a morte por causa de um boato de internet. Finalmente os aldeões com tochas das redes sociais, aqueles que gritam QUEIMEM A BRUXA! numa espécie de Idade Média 2.0, conseguiram matar uma pessoa. E, como era de esperar, uma pessoa inocente (mesmo que ela tivesse alguma culpa, o tribunal das redes sociais não liga pra essas frescuras iluministas de julgamento justo, direito a defesa e tal).

Mas não se pense que os aldeões com tochas sejam só a turma do "bandido bom é bandido morto" —muitíssimo pelo contrário. Pra citar só um exemplo fácil, na época da "libertação dos beagles" do Instituto Royal vi gente muito progressista, muito preocupada em mostrar nas redes sociais como é boazinha, falando em matar a dona do lugar. Repito o que escrevi aqui em 22/10: ainda que esse "matar" seja metafórico (ou, vá lá, só virtual) e a pessoa que escreveu isso nunca tenha feito mal a uma mosca, "e se alguém decidir passar à agressão não virtual"? Pois foi exatamente o que aconteceu com Fabiane.

De todo modo, é reconfortante (só que não) saber que vivemos num país onde tudo é cordial, do racismo aos linchamentos. Há um bom par de décadas, bem antes de virar "black bloc de ocasião", Caetano Veloso escreveu que "a mais triste nação na época mais podre compõe-se de possíveis grupos de linchadores". A música, aliás, chamava-se "O Cu do Mundo".



Outra coisa que as redes sociais estimulam é o que chamo de "síndrome do dedo nervoso": aquela vontade LOUCA de compartilhar coisas vistas na internet sem nem olhar a data, sem checar se veio de algum site de zoeira etc. Na semana passada, como mostrou o blog #hashtag, foi a suposta contratação do técnico Tite pelo Palmeiras, que um monte de gente espalhou por aí sem notar que a notícia era de 2006 —daí a disseminar retrato falado falso é, realmente, um pulinho.

Estou até pensando em fazer a seguinte experiência: postar coisas como "que absurdo! A Alemanha invadiu a Polônia", com link pra capa do "New York Times" em setembro de 1939. Ou "cuidado! Olha o golpe comunista aí!" com link pra Revolução Russa de 1917. Se bobear, o próprio Lênin sai da tumba antes de descobrirem que a notícia tem quase cem anos.


RUY GOIABA descobriu que o vírus da gripe ataca e destrói as células do bom humor. Mal aí, moçada. Se os analgésicos e antitérmicos ajudarem, prometo mais graça na próxima.

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