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Artista americano cria orquestra de música formada só por robôs

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Chico MacMurtrie, artista de Brooklyn, constrói robôs há cerca de três décadas. Suas criações não aspiram a casa, ensinam idiomas estrangeiros a crianças ou tentam dominar o mundo; foram concebidas para tocar música, principalmente ritmos sincopados, e talvez evocar alguma reflexão sobre a humanidade.

A maioria das máquinas que ele constrói tem formas abstratas, alturas de média a enorme, e são controladas por conjuntos de computadores, servomotores e acionadores pneumáticos.

Ainda que tenham sido produzidos para diferentes instalações artísticas expostas em todo o mundo, os robôs de MacMurtrie têm em comum uma espécie de fantasia sombria, nascida do contraste entre brutalidade de sua maquinaria e a inocência de seus movimentos canhestros. Um dos robôs, por exemplo, dedilha seu corpo encordoado, enquanto outros saltam pelo chão de uma maneira não muito diferente de uma criança pulando sela.

Agora, MacMurtrie transformou sua considerável coleção em uma orquestra que tocará pela primeira vez na costa leste dos Estados Unidos, na "Igreja Robótica" que ele criou. Três shows gratuitos foram realizados no dia 22 de setembro no Brooklyn. Outros espetáculos estão planejados para os finais de semana, até o dia 27 de outubro (informações adicionais são encontradas na página da "Igreja Robótica" no Facebook.


O local dos espetáculos é a antiga Igreja dos Navegadores Noruegueses, uma edificação do século 19 que MacMurtrie transformou em estúdio para o Amorphic Robot Works, grupo de esculturas robotizadas que ele dirige desde 2001. Algumas das paredes originais de gesso branco da igreja e parte de seu acabamento foram preservados, o que oferece um vislumbre das origens protestantes da edificação, mas o teto é alto, um espaço escuro com vigas expostas.

MacMurtrie reaproveitou o espaço para o que ele define como "missas robóticas", e se inspirou no uso original do edifício para o tema religioso de sua nova instalação. A arquitetura eclesiástica do espaço o inspirou a apresentar suas criações mecânicas em cantos e nas paredes, diante de onde o pregador se postaria, e até nas galerias elevadas, onde elas pretendem evocar santos em uma capela.

"A Igreja Robótica quer conduzir essa sociedade de máquinas que viajaram pelo mundo a uma casa mais permanente", diz MacMurtrie, natural de Bisbee, Arizona, que começou sua carreira na escultura robótica em 1987, como tese de mestrado para a Universidade da Califórnia em Los Angeles.

Trabalhando com a mulher, Luisa Kaunert --que administra muitas de suas mostras-- e uma pequena equipe, ele compõe cada "missa" no computador. Durante o espetáculo, mais de uma dúzia de robôs estão programados para que se levantem e criem um crescendo sonoro, a fim de produzir uma experiência que MacMurtrie espera se prove visceralmente inspiradora.

ALMA TORTURADA

Os robôs todos compartilham de uma qualidade orgânica que imita a natureza imperfeita do corpo humano. Muitas de suas faces lembram imagens de uma alma torturada, produzidas com plástico moldado a vácuo, metal derretido ou torcido e arames soldados. Há lugares nos quais cortes e soldas como que reproduzem as cicatrizes e deformidades que a vida traz à pele e ossos humanos.

"Como nossa sociedade humana está sendo tomada pela tecnologia, temos de refletir e pensar sobre a condição humana", disse MacMurtrie.

Os "músicos" incluem o Transparent Body, que reproduz uma espécie de sapateado sobre uma chapa metálica. Luzes brilham dentro de seu corpo e rosto plásticos. O Queeko, uma forma infantil, tem pouco mais de 30 centímetros de altura e toca um tambor que soa como uma máquina de lavar ligeiramente desregulada.

Há o String Body, que tem cordas de banjo no pescoço, dedilhadas por uma palheta acionada por motor. Os braços e pernas do String Body contêm cordas de baixo que podem mudar de afinação com seu movimento, e em suas costelas há cordas de harpa. O House Player, um robô de tamanho humano equipado com um par de grandes martelos, toca um grande xilofone cujas teclas são feitas de pranchas largas de madeira.

Um dos personagens mais simpáticos é o Tumbling Man (Homem Tropeço), que pesa cerca de 90 quilos e faz um barulhão ao tentar se levantar, mas sempre cai. Os pés de aço do robô tocam o piso de aço da igreja com um estrondo. A luta dele, diz MacMurtrie, é a mais identificável como "humana".

Enquanto os demais robôs tocam, o Rope Climber galga uma espessa corda pendente do teto.

"São como uma tribo de máquinas que evoluíram uma a partir das outras", diz MacMurtrie. "Elas mesmas me serviram como professores. A cada vez que construía uma, aprendia algo para o próximo passo"

CACOFONIA

Durante minha visita à sua oficina, no mês passado, MacMurtrie, Kaunert e sua equipe estavam ocupados preparando as diversas sequências de MIDI dos robôs, bem como as mangueiras de ar para os dispositivos pneumáticos e os cabos de computador de que os robôs dependem. O grupo consegue conduzir o espetáculo todo sem que precise ligar e desligar os ruidosos motores dos compressores em meio à apresentação.

Mas havia muito barulho: uma cacofonia de batidas, pisadas, apitos, estrondos metálicos e notas atonais de cordas, acompanhadas pelo chiado dos acionadores pneumáticos que operam muitas das partes dos corpos dos robôs, criando a complexa textura sônica do espetáculo. Dois homens em cabines de controle no alto da sala operam os computadores, fazendo com que os robôs dependentes de ar se ativem na hora certa.

MacMurtrie testou a credibilidade dos robôs como clero metálico em 17 de agosto, quando ele e a mulher realizaram uma cerimônia nupcial para a família e amigos da costa leste e da Europa. (Eles se casaram formalmente no Brooklyn Borough Hall, em, dezembro.) Depois da bênção pronunciada pelo tio de Kaunert, pastor aposentado, os robôs foram acionados para uma batucada comemorativa.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

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