Thiago Stivaletti

Além de imagens refinadas, mérito de 'Justiça' é se passar no Recife, mesmo com poucos atores pernambucanos 

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Tem dias que a Globo parece traficante: quando sabe que você tá em crise de abstinência, vai lá e te oferece uma pequena dose de outra droga pra você não entrar em surto.

Todo mundo ainda morrendo de saudade das Olimpíadas, encarando balanços cheios de saudade dos Jogos, e ela já preparou para esta segunda (22) a estreia de sua nova minissérie, "Justiça".

É o mais novo projeto de José Luiz Villamarim, diretor responsável por quatro dos melhores produtos da emissora nos últimos anos: as novelas "Avenida Brasil" e "O Rebu" e as minisséries "O Canto da Sereia" e "Amores Roubados". Como no cinema, Villamarim trabalha com alguns parceiros fixos, entre eles Walter Carvalho, maior diretor de fotografia do cinema brasileiro; e atores como Cauã Reymond e Jesuíta Barbosa. O texto é de Manuela Dias (aqui bem mais segura que em "Ligações Perigosas").

Em "Justiça", Villamarim experimenta algo diferente de "O Rebu": se aquela se concentrava numa única casa em uma única noite, a nova série traz quatro histórias diferentes, todas levando a uma condenação de sete anos de cadeia —  e, a cada dia da semana, uma história será contada. Histórias não totalmente paralelas: os personagens se cruzam o tempo todo.

Na estreia desta segunda, conhecemos o crime passional de Vicente (Jesuíta Barbosa), que mata a noiva (Marina Ruy Barbosa) ao flagrá-la com outro homem, num crime presenciado pela mãe dela, Elisa (Débora Bloch). A história vem em flashback, quando, sete anos depois, Elisa conta ao marido (Cassio Gabus Mendes) que pretende se vingar e matar Vicente assim que ele sair da cadeia. Tudo narrado em 45 minutos, sem intervalo, de forma densa e concisa, sem a enrolação típica das novelas. Conheceremos nos próximos dias as histórias de Adriana Esteves, Cauã e da novata JéssicaEllen .

Tirando as imagens refinadas — com aquela câmera que segue os personagens pelos corredores—,  o maior mérito de "Justiça é se passar no Recife, reduto do melhor cinema brasileiro produzido hoje, capital mais efervescente do Nordeste, ainda pouco retratada nas novelas e séries.

Villamarim e seu time conseguiram extrair bons sotaques pernambucanos de Débora Bloch, Marina Ruy Barbosa e dos demais atores — apenas Jesuíta estava em casa por ser do Nordeste. Uma evolução para uma emissora que massacrou por anos o sotaque baiano em novelas como "Pedra sobre Pedra" e "A Indomada".

A lamentar apenas que a série tenha poucos nomes locais —não sei de alguém além de Jesuíta. O outro pernambucano forte da Globo, Irandhir Santos, já está ocupado em "Velho Chico". Ao menos Fátima, a empregada vivida por Adriana Esteves, que vai comandar a história das terças-feiras, podia ter ganhado uma intérprete recifense.

Em tempo: muito se falou de referências de cinema para a estrutura narrativa de "Justiça", de filmes como "Crash: No Limite" e "Short Cuts: Cenas da Vida". Mas o primo mais próximo dessa trama é uma trilogia dirigida pelo francês Lucas Belvaux em 2001: "Um Casal Admirável", "Em Fuga" e "Acordo Quebrado", com personagens que se cruzam deliciosamente. Recomendo.

Thiago Stivaletti

Thiago Stivaletti é jornalista, crítico de cinema e noveleiro alucinado. Trabalhou no "TV Folha", o extinto caderno de TV da Folha, e na página de Televisão do UOL. Viciou-se em novela aos sete anos de idade, quando sua mãe professora ia trabalhar à noite e o deixava na frente da TV assistindo a uma das melhores novelas de todos os tempos, "Roque Santeiro". Desde então, não parou mais. Mesmo quando não acompanha diariamente uma novela, sabe por osmose todo o elenco e tudo o que está se passando.

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