De Polegar a 'gerente' do tráfico, Rafael Ilha deixou o crime ao presenciar execução brutal
"Eu aprendo rápido": essa mesma frase iniciou os dois períodos mais conhecidos da vida de Rafael Ilha, ex-integrante da banda Polegar, hoje mais lembrado pelo passado de drogas e problemas com a polícia.
Na primeira vez, a resposta foi dada a Gugu Liberato, criador do grupo que lhe deu fama, quando perguntou se ele sabia tocar guitarra. Na segunda, com um fuzil nas mãos, aceitou um "emprego" no tráfico de drogas.
Na biografia "As Pedras do Meu Caminho", escrita pela apresentadora Sonia Abrão, Ilha conta, em tom didático, como passou de popstar na "boy band" recordista de público no início dos anos 1990, a "gerente" do crime em uma favela do Rio de Janeiro, uma trajetória acompanhada de perto pela imprensa.
Já viciado em crack, o ex-músico diz ter conhecido o traficante Zuzu na casa da cantora Neusinha Brizola (1954-2011), filha do ex-governador Leonel Brizola (1922-2004), com quem morou por um tempo. Na época, ela já não fazia sucesso e também era usuária de drogas.
Ele conta que fugiu do lugar quando, em um episódio de surto, Neusinha o ameaçou com uma faca. Sem ter para onde ir, recebeu o amparo do traficante, que lhe ofereceu uma forma de ganhar dinheiro e perguntou se sabia usar um fuzil.
Ilha, então, virou Alemão e fez sua carreira no tráfico: foi fogueteiro (responsável por avisar aos criminosos sobre a chegada da polícia), chefe de contenção (barreira no pé do morro que segura a polícia a bala, para dar tempo aos traficantes), trabalhou na contabilidade e chegou a gerente, braço direito do dono do morro.
Foi baleado no ombro durante um tiroteio e precisou ser operado em um pronto-socorro improvisado na favela, por médicos e enfermeiros que prestavam serviço para o tráfico.
"Acho que o ponto em comum entre ser artista e ser traficante, para mim, foi a sensação de poder. Eu não tinha mais uma guitarra e um palco, mas eu tinha um fuzil e o morro", diz.
O ex-músico conta que só decidiu mudar de vida quando foi obrigado a assistir a execução brutal de um dos membros da quadrilha, suspeito de trapacear na contabilidade do crime. "Foi brutal o que eu vi. Se fugisse, poderia ser o próximo. Ficar foi a maior tortura", lembra.
"Foram dando tiros: num joelho, depois no outro, braços, cotovelos, ombros... O rapaz urrava de dor e nada do tiro de misericórdia. Como continuava consciente, prolongaram seu sofrimento, um verdadeiro martírio. Ele ainda implorava pela vida, quando veio o golpe final: jogaram gasolina na parte de baixo de seu corpo e atearam fogo. Atiraram de novo e incendiaram da cintura pra cima."
Abalado, ele pediu "demissão" a Zuzu. "Sabe como é, no fundo sou um cantor. Acho que nasci para isso. É duro reconhecer, mas cheguei no meu limite aqui. Quero voltar para casa", disse. Ainda reconhecido como ídolo do Polegar na favela, recebeu um churrasco na laje de despedida.
PRECOCE
Ilha virou celebridade ainda criança, como garoto-propaganda, e se tornou membro do Polegar em um concurso da empresa Promoart, de Gugu, que assina o prefácio da biografia.
O primeiro disco do grupo vendeu mais de 500 mil cópias em 1989, com o sucesso "Dá pra Mim".
Sua saída da banda, após três anos, coincidiu com o início dos problemas com drogas: foi internado para reabilitação pela primeira vez aos 15 anos e preso cerca de 10 anos depois, após uma tentativa de roubo em um cruzamento na zona sul de São Paulo.
Desde então, foi detido outras vezes, a última em maio deste ano, e passou por outros tratamentos psiquiátricos e para dependência química.
Com lançamento previsto para o início de setembro, "As Pedras do Meu Caminho" narra ainda os bastidores da formação do Polegar, as experiências em clínicas e na cadeia e a tentativa de suicídio de Ilha, que cortou o próprio pescoço com um caco de vidro.
Faustão, que assina as orelhas, completa o trio de apresentadores que escrevem o livro.
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