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Arte perdeu dianteira num EUA 'gordo e petulante', diz ex-produtor de Bob Dylan

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Jonathan Taplin, 64, tira o iPad da mochila. "Acho que as coisas mais revigorantes estão sendo feitas aqui."

O produtor norte-americano, que veio ao país participar da feira televisiva RioContentMarket, abre um e-book com escritos seus sobre rock. Toca a tela do tablet e, em vez de desfilarem retratos paradões, como num livro à moda antiga, surge um vídeo de Bob Dylan no YouTube.

A essa altura, os olhos de Taplin brilham. No passado, produziu shows de Dylan, virou amigo de Martin Scorsese e organizou, a pedido de George Harrison, um concerto histórico pelo Bangladesh, com Ringo Starr e Eric Clapton. Seu currículo inclui ainda filmes e atrações de TV indicados ao Oscar, ao Emmy e exibidos em Cannes.

A atenção de Taplin está agora voltada ao futuro do audiovisual. Professor de mídias digitais da USC (Universidade do Sul da Califórnia) e entusiasta das novas plataformas, ele recebe vários alunos "que não têm ideia do que foi o movimento dos direitos civis". Para suprir o lapso histórico, ele saca vídeos de "jovens da idade deles lutando contra a polícia e seus cachorros" mas também clipes de Dylan cantando "The Times They're A-Changin'".

Se a cultura já esteve "na linha de frente da revolução", hoje aquele sonho morreu.

"Nos EUA, as pessoas ficaram acomodadas, gordas e petulantes. Acontece quando você tem 500 canais de entretenimento à disposição", diz.

Nem medalhões se salvam. "Infelizmente, eles se adaptaram. Agora, Bob [Dylan] sai por aí cantando suas velhas músicas. Faz isso muito bem, mas não é a mesma coisa."

A nova geração, para Taplin, também deixa a desejar. "Gosto muito de Bono, mas acho que ele gosta de estar perto demais dos poderosos. Prefere Davos [na Suíça, sede do Fórum Econômico Mundial] a 'Santo Alegre' [Porto Alegre, que abriga o Fórum Social Mundial]."

Leia a íntegra da entrevista abaixo.


Folha - Você veio para falar sobre o futuro da TV. Falar sobre isso é mais ou menos imaginar "os deuses rolando os dados", porque ninguém sabe ao certo o que vai acontecer.
Jonathan Taplin - Em países como Brasil e China, muitas pessoas estão acessando a internet por esse tipos de aparelho [mostra o iPad]. Na China, são 500 milhões na internet. Nos EUA, em setembro, cerca de 25 bilhões de vídeos foram assistidos por streaming.

As pessoas que pensam e fazem TV têm de repensar o que querem dizer quando falamos em TV. O futuro é este: o que quero, quando quero, em qualquer tipo de aparelho que eu queira. Aí, a publicidade vai ter de pensar em como entregar conteúdo customizado para telas menores. Isso é uma grande mudança.

As pessoas teorizam. Bastante. Mas o que esperar de sólido?
Provavelmente, você vai querer conteúdos mais curtos e interativos. Ver o vídeo e, click!, talvez entrar num link que nos leve para outro lugar.

Mas também é preciso ser capaz de criar uma comunidade, um diálogo em torno daquele vídeo. Por isso toda a ideia de transmídia é tão importante.

Trabalho na Califórnia, com o famoso professor Henry Jenkins. O que estamos tentando é pensar em como contar histórias. Talvez as histórias da TV sejam diferentes em plataformas e iPhones. Talvez eu possa ter conteúdo associado, que é diferente do que vemos na TV. Que me leve mais para dentro da história, se eu quiser.

Crédito: Rogerio Resende/Divulgação Jonathan Taplin
Jonathan Taplin

E as velhas formas de contar uma história? O que mudará na narrativa hollywoodiana, por exemplo?
Há certas partes básicas da narrativa que estão com a gente desde a tragédia grega. É uma longa história. Parte disso não vai mudar: conflito, resolução, amor. Mas vai mudar o jeito que o espectador acessa a história --e como ele pode contribuir para ela. Você pode mudar os rumos, como acontece quando joga videogame.

Pensemos em clássicos como "...E o Vento Levou" (1939). Como esse filme funcionaria hoje?
Essa é uma pergunta interessante! Obviamente, é um grande épico. Mas, talvez, você fosse capaz de olhar a história sob o ponto de vista da babá negra, dos escravos, de Scarlett O'Hara. Talvez você não visse apenas pelo ponto de vista de Clark Gable. Você poderia escolher.

Essas ideias estão apenas se desenvolvendo, e por isso é excitante estar aqui [no Rio]. De alguma forma, o Brasil está um pouco à frente dos Estados Unidos ao abraçar a transmídia.

Pode dar um exemplo?
Acho que jovens como Maurício Mota entenderam bem cedo a base acadêmica disso, há uns sete, oito anos. E começaram a fazer na prática. Nos EUA, a gente continuou a fazer TV do jeito de sempre, porque era um sucesso.

Talvez vocês tenham tido mais oportunidade de experimentar no Brasil, por não ter uma indústria tão arraigada.

Agora acontece nos EUA. Os seriados têm seus sites e histórias para contar lá.

Qual é a coisa mais revigorante que você vê na TV?
Acho que a coisa mais revigorante estão sendo feitas em e-Books. Este é um livro que eu escrevi sobre rock 'n' roll [mostra um vídeo do Bob Dylan dentro do livro eletrônico, aberto em seu iPad]. Para mim, esses tipo de livro são novas formas de contar histórias.

É uma forma de trazer os jovens para dentro de algo. Tenho muitos alunos que não têm ideia do que foi o movimento dos direitos civis nos EUA. Mas aí veem isso e entendem que jovens da idade deles estavam lutando contra a polícia e seus cachorros [nos nos 60]. E entendem isso por meio da música, com um vídeo do Bob Dylan cantando "The Times They're A-Changin'".

Como foi trabalhar com Bob Dylan e George Harrison naqueles tempos?
Foi uma época bem excitante. Comecei a trabalhar com música em 1965, enquanto ainda era estudante de Princeton. Me formei em 1969 e fui trabalhar em tempo integral para Bob e sua banda.

Conheci o empresário do Bob Dylan num festival em 65. Ele me contratou para trabalhar com outra banda sua, aí virei parte da 'turma'.

Subi [de cargos] até trabalhar com Bob. O que era excitante era que a música era tão intrínseca à cultura. Era tudo! O movimento de Andy Warhol, os direitos civis. Tudo se misturava à música. E a música ajudou a transformar tudo. Estava sempre na linha de frente da revolução.

Nesse sentido, era bem diferente de hoje, quando a música é entretenimento, não faz parte das mudanças de verdade.

Por que acha que isso aconteceu?
As pessoas ficaram acomodadas. Nos EUA, ficaram gordas e petulantes. É o que acontece quando você tem 500 canais de entretenimento à disposição. É fácil apenas se desligar do mundo, ficar passivo, fora das ruas.

E como antigos ícones, como o próprio Bob, lidaram com essa realidade "gorda e petulante"?
Infelizmente, eles apenas se adaptaram. Agora, Bob sai por aí cantando suas velhas músicas. Faz isso muito bem, mas não é a mesma coisa.

No começo dos anos 70, produzi o concerto para Bangladesh a pedido do George [Harrison]. Aquilo [no país asiático] era uma crise de verdade. As pessoa estavam esfomeadas, e ninguém sabia o que era Bangladesh.

[O músico indiano] Ravi Shankar veio até George e disse: precisamos fazer algo. Então, George usou o que chamou de "seu poder de Beatle" para atrair atenção. Aí, conseguiu Ringo Starr, Eric Clapton, Bob Dylan.

Fizemos dois shows num dia. Lotamos o Madison Square Garden duas vezes. Levantamos muito dinheiro. E, mais do que isso, levantamos consciência sobre a situação. E aquilo foi único. Não havia concertos beneficentes antes. Isso era um artista usando seu poder para provocar mudanças.

Hoje, Bono faz isso de tempos em tempos. E isso é bom.

Você acha que Bono é o novo George?
Não, não! Gosto de Bono, da sua música, mas acho que ele gosta de estar perto demais das pessoas poderosas. Ele prefere ir a Davos [para o Fórum Econômico] do que a 'Santo Alegre' [Porto Alegre, na verdade, para o Fórum Social Mundial].

Mas algum artista se engaja hoje?
Ocasionalmente, os de hip-hop. Jay-Z, de vez em quando, faz algo político. Mas acho que muitos hip-hop são sobre quantos carros eu tenho e quanto champanhe eu tomo.

E gente como M.I.A.?
Ela não chegou ao meu campo de visão.

No século passado, tiveram dois grandes escritores de ficção científica: um era George Orwell, o outro, Aldous Huxley.

Orwell achou que, no futuro, o mundo seria uma ditadura, onde você seria espionado --câmeras por todo o lugar. É o "Big Brother de olho em você". As pessoas teriam medo, pois o poder do Estado estaria em todo o lugar.

Huxley pensou o contrário. No futuro, basicamente, as pessoas tomariam muitas pílulas, muitas drogas. O Estado não precisaria fazer nada, pois as pessoas estariam tão fora de órbita que não dariam nenhum problema ao Estado. Sempre haveriam guerras em algum lugar que você não conhece. Seria uma desculpa para o Estado dizer que está cuidando de você.

Acredito que é para o mundo de Huxley que estamos nos mudando, e isso é triste.

Como foi a experiência com Martin Scorsese?
Marty foi um editor num filme sobre Woodstock. Então, nos compartilhávamos um amor grande pela música. Foi assim que nos conhecemos.

Ele havia feito alguns filmes estudantis na Universidade de Nova York. E queria fazer um filme chamado "Caminhos Perigosos".

Eu era muito ingênuo e não sabia que você não deve pôr seu próprio dinheiro nas produções. Em Hollywood, eles chamam de "OPO" (sigla em inglês para "dinheiro das outras pessoas"). Fizemos "Caminhos Perigosos" por um custo bem barato, US$ 500 mil.

Ele foi capaz de fazer o filme em 30 dias. Obviamente, Robert De Niro é importante, então isso fez do filme bem importante. Para mim, é um clássico.

Anos depois, fizemos "O Último Concerto de Rock" (1978). The Band [que excursionava com Bob] queria terminar sua carreira com estilo. Então montamos um concerto com Eric Clapton, Ringo Starr, Bob, Roonie Wood... Todos os amigos. Filmamos ao longo de uma noite, no Dia de Ação de Graças.

Provavelmente, é o melhor filme de rock 'n' roll já feito. Acerta em cheio o que é o rock, o que é estar na estrada.

As pessoas precisam estar fisicamente próximas. Não basta dizer "ó, nós podemos ser amigos de Facebook, eu te ligo". É estar juntos no mesmo lugar.

Como quem?
Penso no que aconteceu com a indústria cinematográfica. Tem cineastas como Alfonso Cuarón, [Alejandro González] Iñárritu, Benicio Del Toro no México. E eles são todos amigos! Estão todos lendo os roteiros uns dos outros, se criticando, se produzindo. E conseguiram algo que é realmente marcante. Todo um estilo diferente de fazer cinema.

Quando você olha para filmes como "Amores Brutos", são bem diferentes, não são de Hollywood. Eles começam a narrativa pelo meio, voltam para o início... Acho que isso tem a ver com todas aquelas pessoas estarem na mesma cidade. Era isso que funcionava com a música dos anos 60 ou com o cinema dos anos 70.
Na primeira exibição que fizemos de "Caminhos Perigosos", [o cineasta] Franz Capra [1897-1991] veio e deu dicas. "Por que você não corta isso, muda aquilo?" Não era competitivo. Era para ajudar. George Lucas veio também e deu sugestões.

No Brasil, no começo dos anos 90, eu senti que cada artista estava trabalhando por si próprio, sabe? Não sei se isso mudou.

Crédito: Editoria de Arte Taplin e os artistas
Taplin e os artistas

A jornalista ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER viajou a convite do RioContentMarket

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