'Honjok': o que podemos aprender com os sul-coreanos que defendem a solidão
Depois da alegria, vem a solidão, segundo escreveu o poeta Mario Benedetti. Mas o que vem depois da solidão? O isolamento imposto pela pandemia de coronavírus está levando muitas pessoas a uma "epidemia da solidão", segundo organizações como a United Health Foundation e a AARP (dedicada ao bem-estar de pessoas com mais de 50 anos), nos Estados Unidos.
Apesar das dificuldades que estar só pode trazer, há também maneiras construtivas de viver assim, segundo a psicoterapeuta americana Francie Healey.Um ano antes do início da pandemia, Healey começou a pesquisar um fenômeno da Coreia do Sul chamado de "honjok", que significa algo como "tribos de um só".
A autora do livro "Honjok: The Art of Living Alone" ("Honjok: A Arte de Viver Sozinho", em tradução livre) explica que este movimento nasceu da contracultura. Muitos jovens, especialmente mulheres, decidiram criar sua própria "tribo" —rejeitando os valores coletivistas da sociedade sul-coreana e abraçando o individualismo emergente para formar "famílias" de uma pessoa.
"O honjok é um convite ao desfrutar da solidão e à reflexão sobre quem realmente somos, para além das normas sociais e culturais estabelecidas", diz a escritora, que estudou 15 pessoas de diferentes idades que praticam o honjok.
Nesta entrevista à BBC News Mundo (o serviço em espanhol da BBC), a psicoterapeuta mostra como a filosofia dessa tribo pode ajudar, especialmente em tempos de pandemia.
O honjok é pouco conhecido no Ocidente. Quando o descobriu?
Ouvi o termo honjok pela primeira vez em 2019. Se você buscar na internet, verá que não há muitas informações disponíveis, então resolvi investigar e descobrir o que podemos aprender com ele. Quando estava fazendo minha pesquisa, a pandemia ainda não tinha chegado, mas eu estava intrigada com essas pessoas que buscam dar sentido às suas vidas através da solidão. Isso começou em 2017, como um movimento liderado por jovens sul-coreanos que começaram a usar a hasghtag #honjok para definir quem eles eram e como viviam, desafiando as pressões sociais historicamente estabelecidas e as normas que os levam a se casar e constituir uma família.
Essas normas determinam que os homens tenham empregos bem-sucedidos em empresas de prestígio que lhes permitam sustentar uma família; e que as mulheres sempre priorizem a família, por mais que tenham um nível alto de formação acadêmica ou uma carreira. Elas também precisam atender às expectativas dos exigentes padrões de beleza. Em resposta à frustração com essas fortes pressões sociais e culturais, os honjok escolheram viver sozinhos, encontrando maior liberdade.
Pode-se dizer que o honjok é um estilo de vida?
É mais do que isso... é uma forma de estar no mundo. "Hon" significa estar sozinho e "jok" é uma tribo, então honjok significa "tribos de um só". É um belo conceito porque se traduz em uma decisão consciente de explorar suas próprias preferências e interesses em profundidade, de cultivar seu verdadeiro mundo interior. Muitas vezes os honjok são rotulados como "solitários" —com todas as conotações negativas que essa palavra carrega.
No entanto, são pessoas que tomaram a decisão consciente de viver sozinhas e de passar o tempo desfrutando de atividades sozinhas. São, digamos, solitários de sucesso. Conversando com elas, aprendi que essa solidão realmente permite que tenham relacionamentos mais frutíferos e positivos com outras pessoas.
É interessante que você descreva essa solidão como uma decisão consciente. O que podemos aprender sobre a solidão escolhida pelos honjok em tempos de solidão imposta (pela pandemia)?
É uma pergunta muito boa para a época que vivemos agora. O National Institutes of Health (NIH), dos Estados Unidos, tem mostrado que a solidão causada pelo isolamento social contribui para o aumento de problemas físicos e mentais, como depressão, doenças cardíacas e até mesmo Alzheimer, além de comprometer o sistema imunológico. Portanto, estamos passando por uma crise. Mas estar sozinho não é o mesmo que se sentir sozinho. A solidão pode ser vista como uma oportunidade de realmente estar com nós mesmos e de explorar onde encontramos sentido em nossas vidas.
Isso nos oferece a oportunidade de trabalhar nossa identidade além de como nos relacionávamos com os outros e interagíamos com o mundo antes da pandemia. O honjok pode ser uma forma de entender que quando você se permite viver com a solidão, mesmo que seja desconfortável no início, você cultiva uma autoconsciência mais profunda. Por meio de atividades contemplativas e da curiosidade em relação ao seu mundo interior, você pode sentir uma verdadeira riqueza espiritual estando com você mesmo.
Muitos existencialistas falaram deste convite a conhecer-se que a solidão nos oferece. Portanto, tudo depende de como a abordamos. Acredito que devemos ensinar as pessoas a fazer um trabalho interior mais profundo para se encontrarem. Agora nos sentimos incomodados com a solidão, mas isso não significa que não possamos tirar proveito dela para nos sentirmos conectados conosco.
A pandemia nos obrigou a buscar outras maneiras de sermos nós mesmos, e esta pode ser uma oportunidade de aprender a nos conhecer realmente.
Você diz que o honjok é a arte de viver na solidão. De que maneiras específicas podemos aplicá-lo em nossas vidas?
Uma honjok da Coreia do Sul na faixa dos 30 anos me disse que foi por muito tempo uma pessoa muito sociável e extrovertida, mas começou a adotar o honjok e teve uma espécie de iluminação espiritual. Ela passou a praticar atividades de meditação e técnicas de mindfulness e desenvolveu interesses criativos e artísticos —coisas que ela estava adiando porque tinha outras distrações.Pode ser um bom exemplo de como aplicar o honjok em nossa vida.
Recomendo dedicar algum tempo, começando com alguns minutos por dia, a coisas tão simples como prestar atenção à respiração, cultivar a criatividade, procurar formas de ativar outras partes do cérebro, desenvolver hábitos ou padrões de comportamento diferentes, que proporcionem mais diversidade para nós mesmos. Também é muito interessante escrever um diário, ou simplesmente anotar nossos pensamentos, porque isso nos ajuda a ser reflexivos e a trabalhar a autoconsciência, principalmente quando estamos sofrendo por estresse ou ansiedade.
É importante tratar essas atividades não como lazer, mas como algo tão urgente quanto outras coisas que fazemos na vida. Entrevistei pessoas honjok que descobriram ser mais fortes, solidários e bondosos do que pensavam ao viajar sozinhos ou passar um tempo sozinhos na natureza. O impacto para o despertar dos nossos sentidos pode ser enorme.
Me senti muito privilegiada por conhecer essas pessoas e suas histórias, o que me ajudou a afastar meus próprios preconceitos. As pessoas com quem conversei tinham orgulho de levar a vida desta forma e estavam dispostas a aproveitar ao máximo a oportunidade de viver sozinhas.
Estamos falando de pessoas que moram na Coreia do Sul, mas existem "honjok" em outras partes do mundo?
Bem, mesmo que não se denominem como honjok, é certamente uma tendência crescente que estamos vendo em outras partes do mundo, não apenas na Coreia do Sul. Na Suécia, cerca de 40% dos lares são compostos por uma única pessoa. Nos Estados Unidos, estima-se que haja 28% dos lares com uma única pessoa. No Japão e em outras partes do mundo, mais e mais pessoas estão escolhendo a sologamia (casar-se com si mesmo). São distintas "tribos de um", e eu diria que elas vão aumentar.
Você diz em seu livro que "estar sozinho na vida requer coragem". Por que temos tanto medo da solidão?
Acho que temos muito medo de ficar sozinhos porque nos assusta a possibilidade de não gostar do que podemos descobrir. É um ajuste de contas com as partes dentro de nós onde nos sentimos insuficientes. Quando estamos em comunidade, no mundo, podemos pensar que somos as atividades que neles desenvolvemos; que nossa identidade é nosso trabalho, o dinheiro que ganhamos ou o que fazemos com ele.
É preciso muita coragem para desmontar tudo isso e descobrir o que está por trás. É preciso coragem para enfrentar o desconforto de estar conosco e arriscar sentir a vulnerabilidade de não gostarmos de tudo o que vemos —para então reconhecer que existem alguns vazios em nós que devemos cultivar mais. Por isso é corajoso estar conosco e com nossa verdadeira identidade.
Quando você reconhece isso e cultiva a tolerância, através de pequenas mudanças positivas ao longo do tempo, pode descobrir a riqueza de sua própria essência. Essa descoberta permite estar mais conectado, definir melhor seus limites e aceitar a si mesmo. É uma parte de nós que temos que trabalhar muito, e que os honjok priorizaram.
Você também escreve em seu livro sobre a ligação entre solidão e autoestima, e a importância de "fazer amizade conosco". Qual é a conexão?
Tenho um consultório particular de psicoterapia e o foco principal do meu trabalho é a autoavaliação. O que tenho visto em meu trabalho, e também no processo de escrever este livro, é que quando começamos a cultivar a autoestima e o autoconhecimento, podemos lidar melhor com a desolação que a solidão nos causa inicialmente —e a pandemia pode nos ajudar, pois nossa maneira de nos relacionar com o mundo e conosco mudou.
Então, chegamos a um ponto em que nos sentimos confortáveis em estar com nós mesmos. Vejo a solidão, ou melhor, a solitude, que é um termo mais amplo e positivo, como uma forma de construir e cultivar nossa autoestima. É nela que podemos ver quais são os nossos verdadeiros valores, qual é o nosso eu autêntico e o que realmente nos motiva. Isso nos permite fazer as perguntas certas, descobrir quais são nossos talentos únicos e como queremos usá-los no mundo e em nossa comunidade.
Estar sozinho pode nos levar a buscar maneiras de ser mais assertivos, criativos e conscientes. Trata-se de cultivar um estado de espírito que nasce da curiosidade de nos descobrirmos, no qual nos tornamos líderes de nossas próprias vidas e recuperamos o controle. É por isso que o honjok é, afinal, uma busca para retornar à nossa própria essência.
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