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Bike, carro ou avião? Medo retarda prazeres e faz pessoas recorrerem a cursos práticos

Experiências ruins e falta de informação são causas desses medos

Marta Avena, 61, fez aulas para aprender a andar de bicicleta depois dos 60

Marta Avena, 61, fez aulas para aprender a andar de bicicleta depois dos 60 Karime Xavier/ Folhapress

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São Paulo

Após meses de isolamento, as pessoas começam aos poucos a lotar novamente ruas, praças e praias. Bicicletas e carros estão circulando quase que normalmente, parece a coisa mais fácil do mundo. Mas não é assim para todos. E se você tivesse medo, pânico de andar de bicicleta, de dirigir um carro?

A enfermeira Márcia Silva Costa, 53, é uma dessas pessoas. Moradora da zona sul de São Paulo, ela chegou a ganhar uma bicicleta há pouco mais de dois anos numa promoção depois de uma compra e acabou deixando-a na caixa, fechada, por um ano e meio, por que não sabia andar com ela.

“Eu não sabia, mas tinha muita vontade. As pessoas querem plantar uma árvore ou encontrar um grande amor antes de morrer, eu queria andar de bicicleta [risos]. Já tinha tentado, mas tinha medo. E tinha vergonha também, afinal já tenho 52 anos e alguns cabelinhos brancos”, diz ela brincando.

Márcia, apesar do medo, tentou diversas vezes, mas sem sucesso. Arriscou na praia, na esperança de que a areia suavizasse a queda; nas ruas de Mongaguá (no litoral de SP), por serem mais largas e vazias; e até com a ajuda do namorado, que participava de competições de ciclismo.

“As pessoas tentavam me ajudar, mas era só um pouco de desiquilíbrio que eu já não queria mais tentar. Eu e meu namorado acabávamos brigando”, recorda ela, que resolveu então procurar aulas para aprender a pedalar. Recorreu primeiro a aulas gratuitas, mas com poucas vagas, resolveu buscar um curso mesmo.

Medo semelhante tinha o músico Paulo Marcondes, 48, mas em se caso a insegurança estava em dirigir. Sem muito apoio da família na adolescência para as primeiras aulas, ele conta que protelou por anos a retirada da carteira de motorista. Primeiro porque não se sentia à vontade, depois porque sua mulher dirige muito bem e supria sua necessidade.

“Eu não sabia nem ligar o carro, sabia na teoria, mas na hora ficava tudo confuso para mim”, afirma ele. “A situação ficava mais difícil porque minha esposa dirige muito bem. Então dirigir na frente dela era um problema às vezes. Ela não me cobra, mas eu tenho alguns problemas, talvez coisa de autoconfiança.”

Autoconfiança ou não, são diversas as causas do medo que algumas pessoas têm diante de situações que para outras são tão corriqueiras. Enquanto Paulo afirma não ter certeza de onde veio o seu, a esteticista Sandra Rocha, 49, sabe muito bem quando começou seu receio de dirigir, que a deixou longe do volante até há alguns meses.

Ela conta que ainda adolescente saiu para dirigir ao lado do pai e acabou provocando um acidente após se confundir com o freio. “Vim de uma situação de muito medo. Tentei uns anos depois, fui reprovada. Depois tentei novamente, tirei a carta, mas não tinha coragem, era muita insegurança por causa das marchas.”

SUPERANDO O MEDO

Sandra afirma que sempre teve apoio e incentivo dentro de casa, tanto que seu marido comprou um carro para ela já dois anos, que acabou tendo problemas mecânicos por falta de uso. Mas ela também tentou bastante, foi a autoescola normal e depois outras duas especializadas a quem tem medo, as autoescolas para habilitados.

“Eu tremia quando pegava no volante, tive crise de choro, ia para a aula levando chá de camomila”, conta ela. Eu nunca me imaginei numa rodovia, dirigindo sem medo. Foi preciso um instrutor com paciência, técnica e calma”, conta ela, que hoje comemora as aulas na rodovia e as balizas em estacionamentos.

Faltando quatro aulas para terminar o curso, ela faz planos de surpreender o marido, que não sabe que ela tem praticado. “Dirigir não é vaidade, virou necessidade. Tenho uma mãe idosa, minha sogra é idosa, meu marido perdeu a carta”, afirma ela que contabiliza gasto de R$ 2.700 nas duas autoescolas para habilitados.

Paulo, que tinha medo de dirigir, também superou a vergonha e a insegurança na marra. “A minha esposa engravidou e chegou um momento em que não poderia mais dirigir, alguém precisava fazer isso. Então eu fui fazer a autoescola, estava tudo bem, mas na prova prática me apavorei, não consegui fazer rampa e reprovei."

Segundo Paulo, foi necessária uma segunda vez para conseguir sua carta. “Ainda assim, a princípio, eu tinha problemas com o trânsito, tinha dúvidas. O trânsito de São Paulo é louco, cheio de briga, gritaria. Meu medo era entrar numa briga, me xingarem”, afirma ele, que diz ter ganhado mais confiança na pandemia, quando fugiu do transporte público e encontrou ruas mais vazias.

Marta Avena, 63, também recorreu a um curso para aprender a andar de bicicleta e diz que quase chorou com sua primeira pedalada. Falei pro instrutor ‘você não tem noção do que vocês me deram’, por que é uma sensação de liberdade tão grande, principalmente, para quem nunca andou e não é mais jovem, eu tinha 60”, recorda Marta, que hoje já encerrou as aulas, mas continua pedalando quase todos os dias.

Diferente de outras pessoas, não foi a necessidade que a motivou, mas o prazer pessoal. “Cheguei a fazer até treinos de velocidade. A gente anda em ciclovia, no Ibirapuera, algumas estradinhas. Já fiz até um passeio noturno”, conta ela. Mas e o medo? E as quedas? “Já cai várias vezes. Teve uma semana que andei com as duas pernas roxas inteiras. Mas levanto e vou, com a fé e a coragem...”

AJUDA PROFISSIONAL

Apesar de não serem muito conhecidos, treinamentos para quem quer andar de bicicleta têm se tornado cada vez mais comuns. Em São Paulo, existe desde projetos voluntários, como o Bike Anjo, que promove aulas gratuitas com ciclistas experientes, até cursos pagos, que ensinam desde a primeira pedalada até andar em estrada e trilhas.

A empresária Claudia de Souza Franco, 60, tem a escola Ciclofemini há nove anos e ensina desde crianças pequenas até idosos a andar de bicicleta. Ela usou sua experiência pessoal para desenvolver uma metodologia, que começou a colocar em prática sozinha. Hoje, tem seis instrutores e lista de espera de alunos.

“Eu já estava com 48 anos, era esportista, participava de provas, de vários esportes, mas a bike não tinha acontecido na minha vida. Foi aí que decidi aprender e não tinha ninguém para me ajudar”, conta ela, que aprendeu sozinha e, em seguida, decidiu abrir sua própria escola.

“A gente viu que 80% das pessoas relatavam medos. Geralmente, elas não tiveram uma boa experiência, às vezes por que quem ensinava não tinha técnica, não transmitia segurança. Mas pode ser também pelo inconsciente, por ouvir que para aprender tem que cair e machucar, aí a pessoa nem tenta", afirma ela que atende homens mulheres e crianças --a partir dos 4 anos. Cada aula ao preço de R$ 95.

O educador físico Willi Schlote Gouvea, 40, que trabalha como voluntário no Bike Anjos e é fundador da escola 1º Pedal, afirma que quase a totalidade de seus alunos relatam medo de pedalar. Por isso, usa algumas técnicas, como uma bike menor, para garantir os pés do aluno no chão, e longas explicações sobre os freios.

“Já peguei muitos alunos com trauma de queda por mal-uso dos freios”, brinca ele, que afirma ter alunos que precisaram de apenas três aulas para se sentirem seguros. Ele, porém, trabalha com pacotes: R$ 490 por quantas aulas forem necessárias. Segundo ele, a média é de quatro a cinco, embora já tenha dado até 11 aulas a mesma pessoa.

Mas não é só o medo que atrapalha na hora de pedalar, as vezes é a vergonha: “Isso acontece muito com crianças a partir de 10 anos, adolescentes e homens. O homem não tem tanto medo, a grande maioria é vergonha. Tem a questão de que homem faz tudo, não pode ter medo, aí eles falam que não gostam de bike”, afirma Claudia.

Percepção semelhante tem Paulo Mafra, que tem uma autoescola para habilitados em São Paulo. Segundo ele, as dificuldades para dirigir podem vir do medo e da vergonha, mas também do comodismo e até mesmo de humilhações familiares, que afetam principalmente mulheres, que priorizam faculdade, casa própria, filhos, antes da habilitação.

Os cursos nesses casos são prioritariamente práticos, havendo acompanhamento com psicólogo ou não, a depender da escola. Em alguns casos, o treinamento inclui fazer um diário das experiências que o aluno tem diante do volante, destacando suas inseguranças e dando notas para verificar a evolução de aula a aula.

Em casos de dúvidas pontuais, o ideal é fazer aulas avulsas, que, no caso da Paulo Mafra - Escola para Habilitados, custam R$ 129, podendo a aula ser feita no carro da autoescola ou do aluno. Em casos de problemas mais gerais, o aconselhável é fechar um pacote, que pode ser de seis (R$ 690) a 20 aulas (R$ 1.690).

Nos últimos meses, a autoescola tem presenciado um movimento novo e de aumento de alunos. Segundo Gabriela Mafra, mulher de Paulo e também dona do estabelecimento, afirma que o crescimento foi de 7%, principalmente por pessoas que afirmam estar com medo de pegarem transporte público durante a pandemia e decidem enfrentar o medo de dirigir.

HORA DE VOAR

Outro medo que já atrapalhou muitos passeios é o de avião. Quantas pessoas não preferem passar horas intermináveis em um ônibus do que pegar um avião? Ou mesmo quantas pessoas não pegam avião e sofrem dentro dele, às vezes até recorrendo a remédios para suavizar a tensão?

Segundo a psicóloga Fernanda Pamplona de Queiroz, fundadora do curso Voe Psicologia, em geral essas pessoas não têm medo por uma situação específica, afirma ela, que criou o curso justamente por ser apaixonada por viagens e por querer entender e ajudar as pessoas que não conseguem sentir o mesmo prazer.

“Raramente acontece alguma coisa no avião para desencadear esse medo, pouquíssimas pessoas têm medo por isso. Geralmente, isso acontece com pessoas mais ansiosas, que gostam de ter o controle da situação e transferem isso pro avião. Outra razão é a falta de informações sobre aviação ou informações erradas.”

Fernanda diz que esse medo atinge homens e mulheres em proporção semelhante, mas está mais concentrado entre os jovens adultos, com até 60 anos, que no curso podem optar pela terapia individual ou pela terapia de grupo, com até seis pessoas. Nesse caso, o próprio curso seleciona pessoas com perfis semelhantes.

Como parte da terapia, o aluno tem aula com um piloto profissional, para entender o funcionamento da aeronave e tirar dúvidas sobre a mesma; sessão com um psicólogo, que lhe ensinará técnicas para controlar o medo; e depois vem a parte prática, que acontece em um simulador de voo.

Segundo a psicóloga, a ideia não é acabar com o medo, mas ensinar a administrar esse medo, e 95% das pessoas de fato conseguem fazer isso ao término do curso. “Queremos que as pessoas viajem com mais conforto. O medo faz parte da condição humana, o problema é quando ele vira um obstáculo, um sofrimento.”

O custo do curso terapêutico é um pouco elevado, podendo ser de R$ 3.800 (em grupo) ou R$ 4.300 (individual), mas Fernanda afirma que tem um projeto para criar uma versão online do curso, que não teria a parte do simulador e teria um preço mais acessível.

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