Viva Bem

No Dia dos Avós, famílias contam o que têm feito para amenizar a saudade na pandemia

Vovôs e vovós aderem à videochamadas para matar saudade dos netos

Dona Laura Ultramar, 93, ao lado de sua filha Helena Ultramar, 67; ela recebe a visita da neta Maya Marx, 37, e da bisneta Lorena Marx Fabietti, 6. Lorena também é neta de Helena - Eduardo Knapp/Folhapress
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São Paulo

"Demonstração de carinho, de amor, de afeto ou de amizade, geralmente feita após uma mensagem verbal ou escrita. Ação de envolver algo ou alguém com os braços, mantendo essa pessoa ou coisa próxima ao peito" é a definição de abraço no dicionário. Procurar o significado dessa palavra nele é fácil. Difícil é ser impedido, hoje, de colocar tudo isso em prática.

Em tempos de coronavírus –quando a orientação de que manter o distanciamento social de quem a gente ama é o correto para o momento–, este singelo gesto de amor, muitas vezes esquecido ou banalizado no dia a dia, se torna ainda mais desejado.

É com esse sentimento de resiliência e de aperto no coração que muitas pessoas vão celebrar, neste domingo (26) o Dia dos Avós. Como muitos estão longe dos netos, terão de se contentar com felicitações virtuais ou a distância e esperar que chegue logo a vacina e, finalmente, o dia de matar a saudade com um abraço bem apertado.

Na casa da aposentada Laura Ultramar, 93, filhos, netos e bisnetos só podem manter contato visual com ela pela janela. Por morar no andar térreo de um prédio na zona sul de São Paulo, dona Laura colocou sua cama bem perto da janela, que tem vista para um jardim. E é nesse lugar repleto de flores e de vida que sua família costuma se reunir para ficar o mais pertinho possível da vovó.

No mesmo prédio, mas em outro apartamento, mora a filha de Laura, a empresária da construção civil e influenciadora de moda da terceira idade Helena Ultramar, 67. Ela é a única que tem contato direto com a mãe, que ficou mais debilitada após uma fratura de fêmur, há três meses.

"Ela tem quatro netos e cinco bisnetos. Fica todo mundo na janela dela, o que faz com que ela se sinta bem acolhida. Inclusive já jogaram cartas, dominó, tudo da janela com barreira entre eles", conta Helena, que também é avó de cinco netos e usa da mesma janela para encontrar seus entes queridos. "Sou muito afetiva. É difícil isso de não poder ter o toque."

Para comemorar este Dia dos Avós, filhos, netos e bisnetos vão se reunir no jardim e farão uma festa na janela de dona Laura, com bolo e doces italianos. "Sempre lembrando de manter o distanciamento e de usar máscaras e pratinhos descartáveis", reforça Helena.

"Que falta faz mesmo um abraço." Essa é a frase que não sai da cabeça do médico Eustáquio Pimenta de Azevedo, 64. Ele mora na cidade mineira de Januária, que fica a cerca de 600 km de Belo Horizonte, local onde moram seus seis netos. A mais nova, Helena, tem um mês de vida.

"Eu não a conheço ainda. Ela nasceu em 23 de junho e só a vejo pelo telefone. Dos seis netos, ela foi a única que eu não consegui estar presente no nascimento. Como médico, tenho certeza da importância do distanciamento agora, mesmo que machuque", afirma Azevedo.

Ele conta que tinha o hábito de visitar a família todo o mês, porém, com a pandemia, a última vez que teve contato com os netos foi em fevereiro. "Tudo tem mexido com o vovô aqui. Muita saudade. Mas, ao mesmo tempo, valorizamos na ausência. A pandemia nos deixou mais saudosos e mais fortes também. Com certeza esse encontro com eles vai ocorrer, em breve, e será gratificante. Vamos valorizar mais o abraço e a vida."

Por outro lado, há quem tenha tido a sorte de começar o confinamento junto dos netos, como a psicopedagoga Rosângela Angélica de Miranda, 55, moradora de Belo Horizonte. Avó de dois meninos, Bento, 2, e Gustavo, 10, ela acabou por dividir a mesma casa com o mais velho, Gustavo. O caçula mora com a mãe em outra casa.

"Tem sido muito prazeroso. Voltei a ser criança, pois a gente arruma brincadeiras diariamente para fazer juntos. Também o ajudo nas atividades das aulas online. Assistir a filmes e dormir perto me causam bem-estar", diz Miranda, que usada chamada em vídeo para matar a saudades do mais novo.

A rotina de Miranda mudou, e ela teve de adaptar o seu tempo ao neto. "Agora me preocupado com os horários da alimentação dele, mandar escovar os dentes, tomar banho, coisas que eu não estava mais acostumada. Mas família é cuidar", afirma.

Esses quatro meses de quarentena já são o maior tempo que avó e neto passaram juntos. E por ser psicopedagoga, Miranda afirma que tem ajudado o menino a lidar com o isolamento e com o fato de não poder ver os amigos do colégio. "Depois que tudo isso passar, vou querer abraçar, encher meus netos de beijos, levar para o parque, clube, reunir a família. Nunca senti tanta falta do abraço, do toque."

VOVÓ É UMA ESTRELA

Rodrigo Sant’Anna, 39, afirma que faz a festa com a sua avó, Dona Adélia, 94. Ela está confinada com o ator, e isso faz com que o artista tenha um cuidado triplicado ao sair de casa. Dona Adélia é, aliás, a grande inspiração de Sant’Anna para a elaboração de personagens femininos e populares que já fez na TV, principalmente a Graça, do humorístico Tô de Graça (Multishow). E ele diz que tem planos de tornar avó famosa.

Rodrigo Sant"Anna com a avó, Adélia
Rodrigo Sant"Anna com a avó, Adélia, 94, e família - Reprodução

"Faço vídeos com ela na internet. Ela vai virar a mãe da Graça na próxima temporada do programa", adiante o ator. E por falar em TV, Dona Adélia já participou de lives com Luciano Huck, Fátima Bernardes, Márcio Garcia e Serginho Groisman. "O convívio com ela tem sido incrível, ela é uma figura divertida. O que tem sido mais bacana é que a proximidade tem me trazido mais coisas positivas do que preocupações."

Sant’Anna diz que se orgulha de Dona Adélia e que vai celebrar o Dia dos Avós grudado nela. "Minha avó era doméstica, negra, analfabeta, teve dez filhos e perdeu nove. Estar ao lado dela é um grande feito. É o que a pandemia me trouxe de bom."

O QUE DIZEM OS ESPECIALISTAS

Embora não possam estar mais próximos dos idosos fisicamente durante a pandemia do novo coronavírus, filhos e netos devem buscar formas de manter contato. De acordo com especialistas ouvidos pela reportagem, reduzir a saudade contribui com a boa saúde dos mais velhos. É bom manter contato por videoconferências regularmente para que eles tenham em mente que são queridos e que pertencem a um grupo.

Para Marcelo Carleial Rodrigues, especialista em saúde mental, vovôs e vovós "precisam se sentir úteis e amados". "É preciso mantê-los sempre por perto, ainda que pelo celular, e mostrar o quanto são importantes. Fazê-los participar de nossas vidas e nossas conquistas diárias. Eles precisam se sentir úteis e amados."

Na avaliação de Rodrigues, os idosos costumam ser mais resilientes que os mais jovens, mas compartilhar momentos é uma necessidade de todos. "O ser humano é um ‘animal social’, e o contato com os familiares, especialmente com os netos queridos, traz enorme bem-estar."

Clínico-geral e nefrologista, o médico Luis Gustavo Trindade diz que a falta de carinho pode causar danos à saúde dos mais experientes. É preciso ficar de olho. "Principalmente se eles ficarem mais retraídos, com menos vontade de se expressar. Pode ser sinal de má saúde. É fundamental ter gente próxima para estimulá-los."

Acostumada a lidar com os mais idosos, a psicóloga Cláudia Fernandes, do Espaço Potencial BH, afirma que aqueles que levam uma vida ativa têm tido ainda mais dificuldade de permanecer sozinhos, sem sair ou receber visitas. "As pessoas, sozinhas, têm mais queixa de solidão e ficam mais perdidas, sem saber o que fazer. Mas o que tem aliviado são as redes sociais. Os netos são a fonte de energia que eles precisam para superar esse momento difícil. Um dia esse abraço chega."

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