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Coronavírus: a angústia das famílias que não sabem se foram infectadas

A política do Brasil tem sido testar apenas os pacientes com quadros mais graves
A política do Brasil tem sido testar apenas os pacientes com quadros mais graves - Getty Images/BBC News Brasil
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Descrição de chapéu BBC News Brasil
Camilla Veras Mota
São Paulo

O cearense Rodrigo Carvalho vive uma quarentena dentro da quarentena. Há nove dias o jovem de 17 anos não sai do quarto –a não ser para ir ao banheiro, do outro lado do corredor– , porque não sabe se está infectado com o novo coronavírus e não quer colocar em risco a saúde da mãe, que toma remédios que diminuem a imunidade, e a avó, de 82 anos, que está vivendo com a família.

Na noite do dia 16 de março, ele soube que a mãe de uma colega de sala havia testado positivo para a covid-19, doença provocada pelo novo vírus.

A família da garota afirmou que ela seria submetida a um teste diagnóstico –até então, laboratórios da rede particular em Fortaleza ainda o realizavam.

Mas os kits acabaram e a recomendação no Estado, assim como a do Ministério da Saúde, diante da escassez de testes, é que eles fossem direcionados a pacientes com quadros mais graves com suspeita de covid-19.

Rodrigo é um dos 40 alunos que dividiam a sala de aula com a garota –que até o momento não apresenta sintomas.

"Mas a gente sabe que a contaminação pode acontecer mesmo quando a pessoa está assintomática", diz a mãe, Vanusia Tavares.

CONVERSA ATRAVÉS DA PORTA

Assim, por precaução, Rodrigo tem ficado isolado do restante da família - os pais, a irmã e a avó, que se mudou para lá para que não ficasse sozinha em casa e, assim, não precisasse se preocupar com o abastecimento de bens essenciais.

A mãe conta que o menino, mesmo fechado em um espaço pequeno, tem estado bastante atarefado.

Rodrigo é pré-vestibulando e aproveita as aulas online da escola para continuar sua preparação.

A família transferiu o videogame da sala para o quarto e às vezes escuta o jovem quicar ou chutar uma bola contra a parede, a alternativa que encontrou para manter o corpo ativo.

"A gente senta em frente ao quarto dele e fica conversando, tenta ver como ele está lá dentro, se está deprimido", diz a mãe.

"Ele é um menino tranquilo, diz pra gente que está 'de boa', mas a gente não sabe se ele diz isso porque quer proteger a mãe e a avó."

Apesar de dividirem o mesmo teto, Vanusia só vê o filho por uma fresta da porta, de longe, quando ele abre para pegar a comida que é colocada em frente ao quarto.

"Eu fico angustiada, não sei quanto tempo ele aguenta."

'OPERAÇÃO DE GUERRA'

Toda a família está há mais de uma semana em isolamento domiciliar. Vanusia e o marido, ambos desenvolvedores de software, estão trabalhando de casa.

Até então, a família fez duas compras pela internet: na farmácia e no supermercado - uma "operação de guerra", na definição de Vanusia.

Quem vai buscar é seu marido, que desce pelas escadas para evitar o elevador e cobre as mãos com sacos plásticos para não tocar diretamente os pacotes.

Quando retorna, a mulher está esperando na porta com uma bacia com água e sabão para higienizar ali mesmo o que for possível. O que não pode ser lavado é desinfetado com álcool em gel.

"É tanto trabalho que a gente evita ao máximo (comprar)."

A família decidiu ser extremamente cautelosa porque Vanusia e sua mãe estão no grupo de risco para a covid-19: os casos mais graves da doença geralmente acometem pessoas com alguma comorbidade e os mais velhos.

ESCASSEZ DE TESTES

Mesmo que alguém da família desenvolva sintomas, a não ser que sejam de maior gravidade, provavelmente não será testada, pelo menos nos próximos dias.

Desde o início da transmissão comunitária da doença, oficialmente no dia 13 de março, a política do Brasil tem sido testar apenas os pacientes com quadros mais graves - apesar de uma sinalização recente de que isso deve mudar.

No dia em que a família Tavares Carvalho iniciou a quarentena, em 16 de março, a OMS fez um apelo para que os países testassem em massa os casos suspeitos.

A ideia é que, conseguindo identificar os doentes, inclusive os assintomáticos, seria possível fazer uma quarentena mais eficiente e, assim, "achatar a curva" de infecção. Foi o que fizeram países como Coreia do Sul e Alemanha, considerados exemplos bem sucedidos de combate à pandemia.

Na ocasião, o secretário-executivo do Ministério da Saúde, João Gabbardo, afirmou que o governo estudava importar testes rápidos para aumentar a escala da testagem, mas ressaltou que o critério não seria alterado naquele momento.

Nesta terça-feira (24/03), durante a coletiva de imprensa diária realizada pelo ministério, o secretário de Vigilância em Saúde, Wanderson Oliveira, anunciou a ampliação da testagem.

Serão 14,9 milhões de testes RT-PCR, que detectam a presença do vírus na amostra e, por isso, são considerados mais precisos, e 8 milhões de testes rápidos, que detectam a presença de anticorpos que o corpo produz contra o vírus - e, portanto, só acusam se alguém está doente alguns dias após a infecção, quando o organismo começa a reagir.

"Como a OMS falou que deveríamos testar, assim estamos fazendo, trabalhando duramente", afirmou.

"Apesar de termos considerado que poderíamos trabalhar com uma estratégia um pouco menos intensa, mas orientação da OMS a gente segue e está seguindo desta maneira", completou.

CAPACIDADE DE DIAGNÓSTICO

Os testes rápidos serão direcionados a profissionais da saúde e da área de segurança, enquanto os RT-PCR continuarão sendo direcionados para os casos mais graves e, a partir de agora, também para a realização de testes por amostragem em casos leves nas chamadas "unidades sentinela" para monitoramento da epidemia.

A previsão é que, até 30/03, o país receba cerca de 2,6 milhões de PT-PCR e 3 milhões de testes rápidos.

Até o momento, a Fiocruz, única instituição que vinha produzindo os kits de PT-PCR para abastecer a rede pública, entregou cerca de 32,5 mil testes, de acordo com os dados divulgados pelo Ministério da Saúde.

Além da produção, a capacidade de processamento dos testes é outro gargalo. Hoje, de acordo com o secretário, a Fiocruz e o Instituto Adolfo Lutz têm capacidade para dar 4 mil diagnósticos por dia.

Os Laboratórios Centrais de Saúde Pública em cada Estado, os Lacens, por sua vez, conseguem processar, ao todo, 2,7 mil testes por dia.

Segundo o secretário, no "pico da epidemia" o Brasil pode precisar fazer quase 7 vezes mais, até 50 mil diagnósticos por dia - e o ministério estaria trabalhando para ampliar a capacidade.

Na rede particular, alguns empresas, como Albert Einstein e Fleury, conseguem processar os exames feitos internamente, com resultados em até 48 horas - ante uma média de cerca de 7 dias na rede pública hoje.

Para a médica sanitarista Ana Freitas Ribeiro, do serviço de epidemiologia do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, apesar das dificuldades que o país sabidamente enfrenta para adquirir e processar os exames, "daria para fazer mais", especialmente no início do surto, quando o país optou por uma "vigilância epidemiológica passiva" - ou seja, esperava os casos serem notificados às autoridades de saúde em vez de ativamente tentar localizá-los.

A especialista destaca, por exemplo, que naquele período não houve qualquer tentativa de triagem nos aeroportos e que as definições para casos suspeitos antes da transmissão comunitária eram bastante restritivas, o que fez com que um número de potenciais casos positivos fosse excluído da vigilância.

Parte dos casos suspeitos, destaca a especialista, não chegou a ser investigada laboratorialmente porque não se enquadrava nos critérios estabelecidos à época - porque, por exemplo, a pessoa sintomática havia voltado de outros países que não aqueles determinados na lista do Ministério da Saúde.

COREIA DO SUL: 15 MIL TESTES POR DIA

A política de testagem em massa é considerada uma das razões para que a Coreia do Sul esteja conseguindo controlar a disseminação da covid-19.

O país é um dos que registra menor taxa de letalidade, com 1,33% de vítimas fatais entre os 9.000 infectados.

O médico Woo Joo Kim, professor do Departamento de Infectologia da Universidade da Coreia, afirma que hoje o país realiza cerca de 15 mil testes por dia, todos com PT-PCR.

"Nós aprendemos com o surto de Mers (Síndrome Respiratória do Oriente Médio) em 2015 que deveríamos ter uma forte capacidade de testagem", ele diz, referindo-se a outra doença causada por um vírus da família corona, que infectou 806 pessoas no país e deixou 38 mortos.

Para o especialista, a realização de testes desta vez é ainda mais importante, já que o Sars-Cov-2, que causa a covid-19, pode ser transmitido mesmo por quem não apresenta sintomas.

Dos 9 mil casos registrados no país até o momento, cerca de 20% são assintomáticos.

Do total, ele acrescenta, 30% foram detectados em pessoas na faixa dos 20 anos. Ambas as estatísticas, ele diz, devem servir de alerta para a importância das medidas de distanciamento social, para evitar que pessoas com maior chance de desenvolver casos graves da doença sejam infectados por indivíduos com sintomas leves ou assintomáticos.

A Coreia adotou medidas polêmicas para garantir que as medidas de quarentena fossem eficientes, entre elas monitorar pelo GPS do celular os pacientes infectados, para garantir que eles não saíssem de casa durante o período de isolamento.

BBC News Brasil
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