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Televisão
Descrição de chapéu The New York Times

The Real World revisitado: relembre quando os reality shows tinham força

Paramount+ lança 1° episódio de atração com elenco original na meia-idade

Puck Rainey, Rachel Campos, Cory Murphy, Pam Ling, Mohammed Bilal, Pedro Zamora e Judd Winick
Puck Rainey, Rachel Campos, Cory Murphy, Pam Ling, Mohammed Bilal, Pedro Zamora e Judd Winick - Courtesy Everett Collection Divu
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James Poniewozik
The New York Times

Reúnam-se ao meu redor, crianças, e deixem que Vovô Geração X conte como era a vida no longínquo ano de 1992, quando os telefones ficavam presos à parede por fios, as moedas traziam imagens de zangões, e reality shows eram uma novidade chocante na televisão.

Antes da mídia social, antes de os reality shows se espalharem para todos os quadrantes da terra e do mar, The Real World, da MTV, tinha algo de verdadeiramente escandaloso. O programa confinou sete jovens em um loft em Nova York e registrou em vídeo cada flerte e cada briga, prometendo nos mostrar o que acontecia quando "as pessoas deixam de ser bem-educadas e começam a ser verdadeiras".

Os criadores do programa, Mary-Ellis Bunim, que morreu em 2004, e Jonathan Murray, se referiam e ele como "experimento social", um termo que desde então foi aplicado a tudo mais, de Big Brother a 90 Day Fiancé. Mas não era inteiramente hiperbólico: nós, de fato, não sabíamos o que esperar. E se as pessoas decidissem transar? E quanto a usar o banheiro? Os banheiros eram uma área livre de câmeras, como viríamos a descobrir.

Quarenta temporadas de Survivor, inúmeras franquias do canal Bravo e uma presidência do apresentador de The Apprentice mais tarde, os reality shows se tornaram parte da atmosfera: são uma modalidade de entretenimento e um estilo de vida, um possível percurso de carreira e uma filosofia política.

Mas quando o elenco original de The Real World chegou ao loft que eles dividiriam no SoHo, em Nova York –repleto de acessórios, reluzente, equipado com um gigantesco aquário– os participantes eram como a primeira tripulação de astronautas embarcando em uma nave espacial.

No dia 11 de março, o novo serviço de streaming Paramount+ lançou o primeiro episódio de The Real World Homecoming: New York, que reuniu aquela tripulação de midianautas, agora na meia-idade, para uma breve estadia no mesmo loft, em janeiro de 2021.

O primeiro episódio é nostálgico e um pouquinho agridoce, mas não exatamente urgente. Os antigos companheiros de elenco se abraçam, choram, trocam fotos de família e tomam vinho branco. Os momentos dramáticos surgem quase sempre em forma de flashbacks que remetem aos confrontos da primeira edição, causados por hormônios e por disputas raciais.

Mas se assistirmos à reunião combinada à primeira temporada de The Real World (disponível na íntegra no serviço Paramount+ em companhia de diversas outras temporadas do programa), poderemos perceber quão pouco as coisas mudaram, na TV e nos Estados Unidos, em todo esse tempo.

Como tantos outros programas que giram em torno de momentos de reunião, o 1992 de The Real World: New York parece ter acontecido ao mesmo tempo dez milhões de anos e dez minutos atrás. A série parece bem diferente e não só em termos da moda grunge e hip-hop ou das caras jovens dos integrantes da Geração X.

Há uma sensação de documentário, de coisas acontecendo, mesmo quando os produtores manipulam a situação por meio de manobras, como uma viagem à Jamaica. O elenco e a equipe parecem estar aprendendo, ao mesmo tempo, as regras e os limites de um novo gênero e da separação entre registro e realidade.

Com certeza a série recorre mais a artifícios do que documentários em estilo cinema verité (um tipo de observação direta, em filmagens que captam a realidade) como "An American Family", da rede PBS, que o inspirou. Era um ambiente construído: os peixes eram colocados no aquário e não no mar aberto, e os observadores simplesmente aguardavam que as brigas ou os enroscos sexuais começassem.

A promessa de "viver a real" feita nos letreiros de abertura talvez fosse só marketing. Mas The Real World realmente tentou cumpri-la, pelo menos nos anos iniciais, antes que a série regredisse a uma simples sucessão de festas de gente sarada na piscina. (De certa forma, esse esforço por “mostrar a real” também prefigurava em boa medida a guerra cultural atual, ecoando tanto o espírito progressista de que uma sociedade precisa confrontar seus demônios quanto a queixa conservadora de que “já não se pode dizer coisa alguma”.)

A primeira temporada satisfez muitas convenções dos reality shows como as entrevistas “confessionais”, que se tornaram um dos esteios do gênero. Também estabeleceu a expectativa de que o elenco abarcaria origens, raças e orientações sexuais diferentes (Norman Korpi, um artista que participou da primeira temporada, é gay), em uma época em que a TV tendia a ter mais diversidade entre diferentes programas do que dentro de um mesmo programa.

Dois anos mais tarde, em 1994, "Friends" criaria um grupo social inteiramente branco e inteiramente heterossexual em uma Manhattan de cafés e de apartamentos idílicos disponíveis por preços acessíveis. No mesmo ano, The Real World: San Francisco incluiu no elenco Pedro Zamora, um ativista contra a Aids que se tornou a primeira pessoa que alguns dos telespectadores conheciam a morrer da doença.

A diversidade do programa também representava uma evolução para a MTV. Os jovens com inclinações artísticas de The Real World: New York incluíam Andre Comeau, que era branco e roqueiro, e Heather Gardner, que era negra e rapper. Mas o canal tinha um histórico, desde sua criação em 1981, de segregar ou ignorar artistas negros, um fato para o qual David Bowie apontou em uma famosa entrevista à MTV em 1983.

É com relação à raça que a primeira temporada parece mais audaciosa e mais duradoura se assistida três décadas mais tarde. Os cortes de cabelo mudam, mas a história racial dos Estados Unidos parece avançar em ritmo geológico.

E o primeiro The Real World foi gravado quando estouraram os tumultos em Los Angeles por causa da absolvição de policiais envolvidos na agressão a Rodney King –o vídeo que registra o momento se tornou, em si, um documento histórico de vídeo verité.

A cena mais notável da temporada é a discussão sobre racismo entre dois integrantes focais do grupo. Julie Gentry, uma jovem dançarina branca do Alabama, oferece a história de abertura no episódio de estreia do programa, que mostra sua viagem ansiosa e repleta de expectativas à cidade grande.

Uma bandeira confederada ondula na tela como parte da montagem. Ao chegar ao apartamento, Julie pergunta a Heather se ela vende drogas, porque a companheira de elenco carrega um “beeper”.

Kevin Powell, escritor e ativista negro, cutuca seus companheiros de apartamento brancos, muitas vezes renitentes, com relação aos seus privilégios. A abordagem dele é ocasionalmente belicosa. No programa que mostra a reunião dos antigos colegas este ano, ele lastima sua falta de “maturidade emocional” na época, especialmente com relação às mulheres.

Mas seus argumentos –sobre vieses institucionais e definindo o racismo como função do poder– parecem ter se tornado ainda mais sólidos com a passagem do tempo. Ele e Julie se desentendem, em diversos momentos. Em uma dessas discussões, ela o chama de racista “contra os brancos”.

Por fim, eles brigam aos gritos na calçada. Ela se sente ameaçada por Kevin e ele diz que Julie o está estereotipando como um negro revoltado. “Não é uma questão de branco ou negro!” “Veja o que está acontecendo em Los Angeles!”

O episódio (intitulado “Julie Acha que Kevin é Psicopata”, o que talvez traia a parcialidade do programa em favor de Julie naquele momento) foi ao ar em 30 de julho de 1992. Mas o tom defensivo, a frustração, a ingenuidade, a exaustão, o "por que você vê racismo em tudo?" versus "como é que você não consegue ver o racismo que existe embaixo do seu nariz?"... Basta acrescentar algumas máscaras e a discussão poderia ter acontecido em julho de 2020.

Quando o elenco se reúne em The Real World Homecoming: New York, vemos só sorrisos e selfies. Kevin é apresentado à filha adolescente de Julie, que é sua fã, via chat em vídeo. O loft agora está decorado pensando no conforto de pessoas de meia-idade, com móveis futuristas e travessas com maçãs e alcachofras.

Tudo parece menos cinema verité e mais TV a cabo de produção luxuosa (o que inclui a duração de 47 minutos por episódio, o dobro do original.) Mas o foco verdadeiro de The Real World em 2021, até agora, é The Real World em 1992. O primeiro episódio veio recheado de vídeos, imagens inéditas e recordações.

O presente só interfere quando Eric Nies, no passado o aspirante a Marky Mark do programa, modelo e sempre de peito nu, e mais tarde apresentador de The Grind, um programa de dança da MTV, aparece via videoconferência para anunciar que é portador do coronavírus, identificado em um exame realizado como parte da quarentena preparatória para o programa, e que por isso ele participará virtualmente.

Eric parece estar bem, mas é nesse ponto que a mortalidade, um hóspede que jamais é bem-vindo em grandes reuniões, faz sentir sua presença. Como aponta Heather, se o elenco tiver de esperar pelo mesmo tempo por um novo encontro físico, da próxima talvez nem todos sejam capazes de comparecer.

The Real World Homecoming: New York tem consciência do tempo que passou e de como a história do começo da década de 1990 foi reciclada. Como diz Kevin a Rebbeca Blasband (cantora e compositora conhecida como Becky na edição original), “Anita Hill era o #MeToo. Rodney King era o Black Lives Matter”. (Kevin se tornou uma figura mais central no primeiro episódio do reencontro. Na série original, mais tempo de tela era dado a Julie e Eric.)

Mas não foram só os tempos que mudaram (ou não). As pessoas também. E no primeiro episódio da série, que terá seis, não somos capazes de determinar ainda como esses antigos colegas de apartamento, antes repletos de opiniões e de entusiasmo, são hoje, ou como se posicionam em relação aos momentos contenciosos que vivemos.

Talvez isso aconteça por escolha. Vinte e nove anos é muito tempo, tempo suficiente para que as pessoas se acalmem –ou aprendam com a experiência e saibam como se apresentar de modo mais contido diante das câmeras.

Em alguma medida, o novo The Real World tinha de ser diferente. Pessoas que dividem um apartamento na adolescência ou na casa dos 20 anos estão em busca de seus sonhos, assumem riscos, buscam suas vidas.

Na meia-idade, as pessoas têm vidas, e a visita será apenas um hiato. Inevitavelmente isso fará do loft menos um primeiro apartamento e mais um resort de férias. E não há tanto assim que a série possa revelar em cinco dias de gravações, ante as 13 semanas do original.

Mas com alguma introspecção, e respeitando o espírito original de abertura radical, o reencontro pode ser um epílogo digno com relação ao que o tempo faz às pessoas –exatamente o tema da série "Up" de Michael Apted, que Murray também mencionou como inspiração para The Real World.

Não quero ou preciso de implosões em estilo Real Housewives em The Real World Homecoming. Basta que eles consigam nos mostrar o que acontece quando as pessoas deixam de ser rudes e começam a envelhecer.

Tradução de Paulo Migliacci.

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