Em sacadas e térreo de prédio, jornalistas sessentões reinventam entradas ao vivo na TV
Isolados por causa da pandemia, profissionais afirmam que a demanda ampliou
Isolados por causa da pandemia, profissionais afirmam que a demanda ampliou
A rotina dos jornalistas com mais de 60 anos, afastados dos estúdios e que passaram a trabalhar de suas casas por causa da pandemia do novo coronavírus, tem sido intensa. O dia a dia está diferente, e eles tiveram de se moldar a uma nova forma de se fazer jornalismo. Suas casas viraram estúdios, a estante de livros, a sacada e até a fachada dos prédios se tornaram cenários para as entradas ao vivo. E a demanda também aumentou durante o isolamento social.
"Os primeiros dias foram estranhos. Como manter a rotina sem sair do lugar? Como manter tudo como se nada tivesse mudado? Mas tudo já havia mudado. Gradualmente fui me adaptando e, logo, já estava no ritmo", afirma o jornalista Carlos Tramontina, 64, que tem 42 anos de profissão.
De sua casa em São Paulo, Tramontina garimpa histórias para contar nos telejornais e as sugere à direção do SP2, exibido às 19h, que ele apresentava antes de a pandemia o afastar. A produção, então, fica encarregada de dar continuidade às demandas, marcar as entrevistas online e obter mais informações. "Agora apareço uma vez por semana, às vezes mais."
Quanto ao programa Antena Paulista, do qual é editor-chefe, Tramontina afirma que mantém contato com a Redação e faz entrevistas e tour virtual por museus e áreas públicas. O jornalista afirma que o momento é de mudanças e que é preciso se adaptar. "Nosso trabalho sempre envolveu o contato direto com os colegas, a conversa, a troca de informações. Isso não existe mais. A gente se vê virtualmente e fala pelo celular."
Jornalista da Globo e da GloboNews, Miriam Leitão, 67, montou um estúdio na biblioteca de sua casa, no Rio de Janeiro, com tripé e luz especial para se sentir como se estive mesmo em um estúdio. "Apesar da saudade da Redação, eu estou curtindo muito esse trabalho de casa. A Globo foi bem cuidadosa e iniciou o protocolo de segurança bem cedo. A ideia foi da empresa. No primeiro momento, fiquei em dúvida se daria certo, mas hoje penso que foi a melhor coisa que eles fizeram. Eu me senti cuidada."
De acordo com a profissional, o home office está frenético. Na Globo, ela faz comentários no Bom Dia Brasil. Já na GloboNews, ela tinha um programa e, como todos foram temporariamente suspensos, se uniu ao time de comentaristas do canal. Ela entra ao vivo em qualquer telejornal, a qualquer horário. Ela também é colunista do jornal O Globo e faz comentários na CBN. "A minha frequência aumentou muito."
A jornalista e apresentadora Zileide Silva, 61, também trabalha de casa, em Brasília. Para ela, o momento é de aprendizado. "Cada um no seu quadrado, estamos aprendendo a trabalhar de um jeito diferente, a enfrentar um desafio novo. E eu não esqueço o mantra: vai passar."
Zileide coloca seu celular no tripé e ajeita a câmera e o suporte técnico para entrar ao vivo nos telejornais diários. A profissional arrumou uma maneira peculiar de fazer as tradicionais passagens, ou seja, os momentos em que o repórter aparece na frente da câmera durante uma reportagem. "Gravo no térreo no prédio em que moro. Na GloboNews, entro do escritório da minha casa."
“Sinto falta da Redação, do convívio com os colegas, do café e até de ir às fontes no Congresso, por exemplo. Mas o celular funciona muito bem e, no caso dos parlamentares, muitos não estão em Brasília. Estamos nos adaptando a esse novo mundo. E tentando superar os obstáculos”, diz a jornalista, que está há mais de 20 anos na Globo.
Fora o trabalho na TV, os profissionais revelam muitas mudanças na vida pessoal e com suas famílias. Como figuram no grupo de risco, por terem mais de 60 anos, eles sentem a ausência dos parentes, que precisaram ficar longe deles, nesta quarentena.
"Olha, dureza mesmo é ficar sem ver meus quatro netos, Mariana, Daniel, Manuela e Isabel. São umas pessoinhas maravilhosas e sinto muita saudade. Mas meus filhos, Vladimir e Matheus, e minhas noras, Giselly e Flávia, me ajudam a matar a saudade com a ajuda da tecnologia", diz Miriam Leitão, que fez aniversário em meio ao isolamento social, em 7 de abril, e ganhou uma festa virtual surpresa que a deixou emocionado.
Zileide Silva também enumera tudo o que ela mais sente falta neste momento em que ninguém deve sair de casa. "Além de trabalhar, tenho lido muito. Agora estou terminando ‘Escravidão - Volume 1’, do Laurentino Gomes, volume 1. Mas sinto falta dos amigos, das viagens, da academia, dos encontros e da caminhada com sol.”
Apesar das dificuldades, Zileide se mostra esperançosa com relação à criação de uma vacina. Ela lembra que no dia 15 de maio, uma farmacêutica americana anunciou um anticorpo contra o coronavírus, ainda como um estudo preliminar, mas que já repercutiu. “Quem sabe? Uma vacina da Moderna Inc mostrou sinais precoces, mas promissores, de resposta do sistema imunológico. Enfim, a ciência, que determinou o home office, não para. E vai ser determinante para decidir quando encerrá-lo”, complementa.
Carlos Tramontina diz que mantém a rotina de levantar cedo, pouco depois das 7h. Ele faz ginástica na varanda de quatro a cinco vezes por semana para se manter ativo. “Leio muitos jornais, assisto a vários noticiários para estar em cima dos acontecimentos. Nunca li tantos livros. Já foram seis, alguns enormes. Estou matando a saudade”, afirma.
O jornalista diz acreditar que o vírus ainda vai incomodar as pessoas por muito tempo com base nos números e nos acontecimentos. "Tenho certeza de que a Globo tomará a melhor decisão de quando voltar. Na hora certa. E eu estarei pronto para cumprir.”
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