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Música
Descrição de chapéu Agora

Morte do cantor Jamelão completa dez anos, e sambista ganhará homenagens do neto

'Ele foi, sem dúvida, o maior intérprete de enredos de Carnaval da história', diz Leci Brandão

Sambista Jamelão com chapéu e camisa da Mangueira segura bengala
Jamelão (1913-2008), durante apresentação da escola de samba Mangueira, no Rio - Roberto Price - 9.fev.2004/Folhapress
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São Paulo
Agora

No dia 14 de junho, a morte de José Bispo Clementino dos Santos, mais conhecido como Jamelão, completou uma década. Em seus 95 anos de vida, marcou o seu nome na história do samba e foi motivo de orgulho para a sua escola, a Mangueira, da qual fez parte desde o fim dos anos 1940 até o último respiro.

"Ele foi, sem dúvida, o maior intérprete de enredos de Carnaval da história. Mesmo assim, era de uma simplicidade incrível. Ele nunca foi preocupado em ser celebridade, concentrava-se sempre no samba", afirma Leci Brandão, que foi compositora da Mangueira e escreveu músicas que Jamelão cantou.

Parte de sua vasta obra será relembrada por seu neto. Jamelão Netto vai prestar homenagens a ele neste ano, com o show "Mestre Jamelão, Sambas, Enredos & Canções", programado para chegar aos palcos em dezembro. "A ideia é fazer uma imersão no trabalho dele. Mais do que cantor, Jamelão foi um líder afrodescendente, neto de escravo. Merece a homenagem."

Antes disso, ele produz o show “Clássicos do Samba”, também com músicas gravadas pelo cantor. Esse show, que ganhará datas em São Paulo neste mês, será lançado com o site Jamelão. O cantor era, normalmente, bastante arredio a festas. O que não o impedia, no entanto, de ser atencioso com quem o cercava. "Ele não gostava, por exemplo, de tirar fotos e detestava quem o adulava muito. Mas era só carinho com quem estava por perto e com seus amigos", lembra Leci Brandão.

CONVIVÊNCIA COM SAMBISTA

O cantor Jamelão (1913- 2008) deixou, além de músicas que entraram para a história do samba, um herdeiro. Um dos netos, que se apresentava como Jamelão Netto e hoje usa apenas o nome Jamelão, também canta sambas e já fez parte da Mangueira, assim como o avô, chegando a ser segunda voz da escola no Carnaval de 2009. "Eu era visto na Mangueira apenas como o neto do Jamelão e sempre fui respeitado por ser da família de um baluarte da escola. Depois desse lindo Carnaval, ganhei de vez o apelido de Jamelão Netto."

Antes disso, ele teve um convívio bastante próximo com o avô, com quem chegou a morar na infância, enquanto os pais viviam na Europa e nos Estados Unidos. "Além de todos os ensinamentos, o maior legado que ele deixou para mim e para a minha irmã, Manoela, foi a noção de responsabilidade e a importância da generosidade com o próximo", afirma o cantor.

Ele lembra com carinho do tempo em que morou com Jamelão e com Delice Ferreira dos Santos (1926-2014), a vó Didi. "Tenho uma gratidão eterna por meus avós. É um amor imensurável que me emociona sempre."

Jamelão também fica tocado ao lembrar de um episódio que aconteceu no Carnaval de 1994. "Depois do desfile da Mangueira, eu e minha avó nos encontramos com ele na parte final do sambódromo. Andamos por toda a avenida e, na medida em que caminhávamos, a plateia gritava o seu nome. Eu, como um pequeno aprendiz, pude ter a noção de quem era de verdade o vô Lão”, diz, lembrando o apelido do avô. “Sinto-me na responsabilidade de preservar o legado de um dos maiores cantores brasileiros.

FAMA DE MAL-HUMORADO

O cantor Jamelão (1913- 2008) não ganhou fama apenas comandando sambas-enredo da Mangueira. O intérprete também ficou conhecido por seu jeito ranzinza, que muitas vezes o fazia falar sem pensar e que, aos moldes do lendário poeta cearense Seu Lunga (1927-2014) —também famoso pelo mau humor—, o tornava um sujeito engraçado.

O cantor Thobias da Vai-Vai, que foi amigo de Jamelão, testemunhou um episódio que retrata bem isso. Os dois foram a um clube de samba da capital, apenas para assistir aos shows. O mestre de cerimônias, ao ver o carioca entrar, disse, sem avisar antes ao cantor, que ele iria subir ao palco para dar uma canja. Não foi uma boa ideia. “O Jamelão, no ato, soltou o grito: ‘Não vou dar canja p... nenhuma!’ Eu dei muita risada naquele dia.”

O pesquisador musical Rodrigo Faour não só viu como sofreu o peso do mau humor de Jamelão. Quando era jornalista cultural, ele tentou fazer uma reportagem com o sambista. “Ele não me deu nem chance, disse que não iria fazer e pronto. Consegui, com muito jeito, tirar algumas declarações dele e escrever um texto”, lembra Faour.

No dia seguinte à publicação, o jornalista ligou para a casa de Jamelão. “A mulher dele atendeu, e eu só consegui ouvir de fundo o Jamelão esbravejando contra mim, pelo fato de a reportagem ter saído do mesmo jeito.”

Thobias da Vai-Vai conta que o comportamento do amigo não era falso. “O Jamelão não gostava de quem puxava o saco dele, odiava que fizessem perguntas bestas e não permitia que o tratassem como um velhinho coitado”, explica. “Mas, quando estava cercado de pessoas queridas, ele era uma simpatia. Contava piadas e tirava sarro dos amigos”, completa.

O cantor Jamelão (1913- 2008) defendeu muitos sambas-enredo em Carnavais da Mangueira, escola com a qual tinha grande identificação. Há, porém, uma outra faceta de sua carreira artística. Ele gravou composições de samba-canção, com direito a letras que falam do amor sofrido, as tradicionais “canções de dor de cotovelo”.

Jamelão foi o responsável por dar vida aos primeiros sucessos do compositor Lupicínio Rodrigues (1914-1974). Em 1972, o sambista lançou um álbum apenas com criações do gaúcho, que tinha, entre outras, “Nervos de Aço”, “Vingança” e “Amigo Ciúme”.

“Ele era a voz que o Lupicínio não tinha. As letras dele eram muito cenográficas e o jeito de cantar do Jamelão passava essa interpretação. É possível dizer que ele foi o cantor mais importante para a carreira de compositor de Rodrigues”, explica o pesquisador musical Rodrigo Faour.

Menos conhecido do que Rodrigues, o cantor paulista Lúcio Cardim (1932-1982) também teve canções famosas interpretadas pela voz de Jamelão, entre elas o seu maior clássico, “Matriz ou Filial”. Jamelão também cantou composições assinadas por Ary Barroso (1903-1964) e por Zé Keti (1921-1999).

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