Estilo

Transição capilar: Entenda como assumir os fios naturais pode elevar a autoestima

Procedimento tem conquistado cada vez mais jovens e adultos

Luana Meira de Oliveira decidiu fazer transição capilar quando tinha 19 anos de idade

Luana Meira de Oliveira decidiu fazer transição capilar quando tinha 19 anos de idade Rivaldo Gomes-18.fev.2020/Folhapress

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São Paulo

Se livrar de amarras e inseguranças em relação à estética quase nunca é fácil, especialmente quando os padrões de beleza impostos pela sociedade ditam como você deve ser. Os cabelos cacheados e crespos sempre foram os principais alvos dessa conduta, que hoje vem mudando.

Procedimento ganhou espaço nos últimos cinco anos e tem conquistado cada vez mais jovens e adultos, a transição capitlar consite em abandonar as químicas do cabelo e assumir a beleza natural dos fios, e o principal de tudo: se amar.

Para a psicóloga Luana Meira de Oliveira, 24, o amor-próprio foi uma das principais descobertas que a transição proporcionou em sua vida. "Eu queria parecer com as pessoas com as quais eu andava. Queria pertencer ao grupo. Só me sentia bonita se o cabelo estivesse liso", afirma Luana, que hoje se sente mais autêntica com seus cachos.

Apesar de ter feito o primeiro procedimento químico aos 18 anos, a paulista conta que desde criança era adepta a escova e chapinha, formas que encontrava para esconder os fios naturais. Quando finalmente decidiu fazer a transição capilar –que levou um ano e meio– ela encontrou outra dificuldade no percurso.

"Não tive o apoio da minha família, eles falavam pra mim que liso era mais bonito. Hoje, vejo que eles não tinham essa percepção de entender quem nós somos, só estavam reproduzindo os padrões da sociedade dentro de casa. Foi com certeza a parte mais difícil pra mim", lembra a psicóloga. 

A questão da aceitação familiar não foi diferente para a estudante de comunicação Nicolle Araújo, 19, que iniciou o processo de transição aos 15 anos. A jovem diz que viveu momentos conturbados com alguns familiares. "Hoje me sinto a Nicolle, mas eu lembro que na época sofria bullying por ter cabelo crespo. Dentro da família também passava por isso. As pessoas podem achar que é uma brincadeira mas não é."

Ao realizar a primeira progressiva aos 11 anos, Araújo lembra que sua experiência com rejeição ao próprio cabelo veio desde a infância. "Quando era menor minha mãe arrumava o meu cabelo e ela sempre prendia. Ficava inventando penteados para usar porque na realidade não sabia lidar com o volume dele [...] Na escola eu via as meninas com o cabelo solto e me sentia mal. Sabia que se soltasse o cabelo, não ficaria igual ao delas."

Para Fabiana Lourenço, 42, especialista em cabelos cacheados e crespos há mais de 20 anos, a falta de conhecimento sobre os cuidados com os fios é um dos principais fatores que fazem com que as pessoas façam o alisamento, como no caso da estudante. "Eu via que as pessoas precisavam de mais conhecimento e aprender formas de cuidar no dia a dia."

Lourenço criou uma rotina de trabalho em que consiste em ensinar as clientes a cuidarem do próprio cabelo sem a necessidade de ir constantemente ao salão. Para ela, o acompanhamento de um profissional é primordial para a transição capilar.

"Tem algumas pessoas que desistem quando tentam sozinhas, com a ajuda de um profissional é mais fácil de ter um resultado", afirma. Embora seja mais segura com sua rotina de cuidados em casa, a psicóloga Luana Meira de Oliveira diz que no início da transição as idas ao salão era como um ritual. "Tinha um cronograma de corte, pelo menos uma vez por mês."

Com anos de experiência no salão, localizado em Campinas (SP), Fabiana Lourenço diz a dificuldade de se adaptar à nova realidade estética é muito comum entre quem passa pela transição capilar. O cuidado com o emocional e psicológico são necessários durante o processo. "É uma questão muito pessoal de voltar às origens. Várias delas choram no dia de fazer e por isso temos uma política de cuidado pessoal. Colocamos música, deixamos a pessoa a vontade."

Luana Meira de Oliveira conta que o impacto da transformação mudou o seu emocional. "Demorou um tempo para eu me entender e aceitar neste novo formato, porque a cabeça demora um pouco mais para entender do que o cabelo para crescer [risos]." 

Para a estudante Nicolle Araújo também não foi diferente. Ela lembra que nos primeiros momentos de transição sua autoestima ficou abalada. "Meu cabelo ficava metade cacheado e metade liso. Isso fez com que a minha autoestima ficasse lá embaixo."

Apesar de quase ter abandonado o processo, Araújo recebeu apoio de sua mãe, que acabou convencendo ela de seguir em frente. "Ela conversou comigo, me apoiou e disse para eu pensar melhor, que independente do que eu escolhesse, estava comigo. Isso foi essencial para chegar onde estou agora."

Fabiana Lourenço é pioneira em naturalizar seus cachos. Mais de 15 anos de experiência em fazer mágica nos cabelos crespos, anelados e encaracolados.
Fabiana Lourenço é pioneira em naturalizar seus cachos. Mais de 15 anos de experiência em fazer mágica nos cabelos crespos, anelados e encaracolados. - Divulgação

Apesar de hoje em dia o entendimento sobre o assunto ser mais amplo –há quem diga que a internet e as redes sociais contribuíram para esse fator–, ainda existem muitas barreiras a serem quebradas. Fabiana Lourenço cita que no passado as pessoas perdiam emprego por conta da estética. Luana Meira conta que viveu isso recentemente após assumir os cachos.

"Lembro que na época eu trabalhava em um lugar no qual fazia atendimento ao cliente e a aparência era fundamental. As pessoas faziam brincadeiras de mal gosto, então isso também foi bem difícil. Mas consegui passar por essa pressão", diz a psicóloga, que hoje trabalha no setor de recursos humanos.

TRANSIÇÃO NÃO TEM GÊNERO

Para quem se pergunta se transição capilar é algo exclusivo de mulheres, o paulista Richner Allan, 31, mostra com a sua história, que homens com cabelos crespos e cacheados também enfrentam dificuldades em aceitar os fios naturais.

"O homem normalmente acaba não se olhando esteticamente. Quando eu conversava com as minhas amigas sobre assunto comecei a perceber que isso também acontecia comigo mas de um jeito diferente. Não com a mesma intensidade e cobrança, mas essa relação de ter vergonha do cabelo", afirma Allan, que atualmente adotou o visual de dreadlock.

"Eu só assumi o meu black power aos 25 anos. Antes eu raspava a cabeça, nem dava tempo de conhecer meu próprio cabelo. Quando crescia um pouco já cortava", lembra o editor de vídeos, que na juventude alisava os fios com produtos químicos para se encaixar nos padrões de beleza.

A tentativa de alisar os fios era tanta, que Richner Allan conta que chegou a machucar o couro capilar, e foi aí que decidiu parar. "Não parei de alisar por vontade própria, mas porque estava machucando a cabeça." O paulista explica que foi influenciado por amigas a realizar a transição.

"É um processo que quando você entra, tudo faz sentido e junto veio esse autoconhecimento que eu não tinha. Ninguém passa sozinho por esse processo de transição", afirma Allan. Com histórias entrelaçadas, a psicóloga Luana Meira de Oliveira lembra que sua decisão influenciou alguns conhecidos. "Pelo menos três pessoas próximas foram influenciadas por mim [risos]."

Na visão de Allan, a falta de aceitação dos fios vem por conta da representação que antigamente não se via. "Eu tenho 30 anos mas quando eu era criança não via referências de cabelo black na televisão, por exemplo. Existia os nichos mas não era algo falado como atualmente."

Além da transição capilar, que nada mais é que tirar por completo a química dos fios capilares, movimentos como o body positive (em português corpo positivo), ressaltam cada vez mais a essência do que é de fato, belo.

O body positive, por exemplo, consiste na ideia de ser positivo em relação ao seu corpo e aparência, independentemente de gênero, focado na pessoa em questão, e não mais nos padrões de beleza de antigamente.

Manual prático sobre cuidados com cabelos cacheados e crespos que passaram por transição capilar

É normal existirem dúvidas e mitos sobre o processo de transição capilar e os cuidados que os cabelos que passaram pelo procedimento devem ter a longo prazo. Para esclarecer, a especialista técnica em fios Marisa Russo ressaltou as principais dicas e erros que as pessoas cometem sobre o tema.

  1. O ideal para quem está fazendo a transição é muito tratamento, como hidratação, nutrição e reconstrução capilar.

  2. Os produtos mais indicados são os que disciplinam o fio, o que reduzirá o volume, usar shampoo detox 1 x na semana, hidratar com máscaras a base de blends de aminoácidos e sempre utilizar produtos sem enxágue. Condicionadores com blends de nutri óleos é uma boa opção para uso mais frequente.

  3. Para o verão, proteger sempre os fios com produtos com filtro solar e se fizer uso de secador ou difusor utilizar produtos com proteção térmica. Existem produtos específicos sem enxágue e com proteção térmica.

  4. Os produtos não agridem o fio, o mal uso, o uso incorreto e o excesso de produtos deixados na raiz do cabelo é que são prejudiciais. Não é recomendado que os produtos sejam colocados na raiz, somente shampoo deve ser raiz e pontas, demais produtos apenas meio e pontas dos fios.

  5. Fala-se muito que os cabelos crespos e cacheados demoram mais para crescer, mas isso é mito. O cabelo de uma pessoa que está saudável (sem falta de nutrientes, problemas de saúde, stress) cresce em média de 1 a 1,5 cm por mês.

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