Estilo

Contra a moda da ostentação, youtubers mostram roupas garimpadas em brechós

Consumo consciente incentiva busca por peças usadas

As youtubers Stella Vasconcelos e Bruna Gullaci garimpam em brechó em Pinheiros
As youtubers Stella Vasconcelos e Bruna Gullaci garimpam em brechó em Pinheiros - Marina Garcia
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São Paulo

"K de dol", ou milhares de dólares, é uma expressão que passa longe do vocabulário de uma leva de youtubers que encaram bazares de igreja e brechós como uma mina de ouro. Eles são antagonistas das hype beasts —as feras hype— que viralizaram no serviço de vídeo mostrando as fortunas que pagam por seus looks.

Para os brecholeiros, ostentação é se vestir bem pagando barato --ou muito menos do que gastariam nas lojas-- em peças usadas, inclusive de grifes. "É uma caça ao tesouro", diz a youtuber Stella Vasconcelos, 27. 

A publicitária é dona de um dos principais canais do segmento, o Diga Xs, que possui mais de 45 mil inscritos. Nos vídeos, Stella abaixa para ver sapatos, fuça pilhas de roupas, rastreia as araras e monta looks que poderiam estar em vitrines de lojas. Entre seus achados, estão peças de grifes como Gucci, Louboutin, Missoni e Dolce & Gabbana.​

"Sempre que eu precisava ou queria uma roupa nova, minha mãe falava para procurarmos primeiro no brechó", diz a campineira. "As pessoas me perguntavam 'ah, mas você tem coragem de usar roupa de morto?'. Pra mim, não é roupa de morto, é só uma roupa que já foi usada."

Acostumada a receber elogios por seus looks, ela passou a publicar fotos deles em um blog para provar aos amigos que era possível comprar peças descoladas por apenas alguns trocados. O canal foi criado em 2016, com empurrão do namorado, o também publicitário Maurício Pinheiro. A ideia, ele diz, era mostrar como são esses ambientes, que vão de bazares beneficentes com peças a R$ 1 a butiques com roupas de marcas. 

Para Stella, a diversidade característica dos brechós traz oportunidade para o consumidor encontrar seu estilo próprio. "É uma coisa muito gostosa você chegar em um bazar e poder dizer 'eu identifiquei, no meio de tantas peças diferentes, qual é o meu estilo. No meio disso tudo, essa peça é a minha cara'", diz Stella. "E é uma roupa que vem com história", completa Maurício.

Roupas com passado é a especialidade de Barbara Graves, 26. Formada em audiovisual, ela deixou de atuar na área para se dedicar exclusivamente ao seu canal sobre o universo vintage, Like Old Times, que possui cerca de 40 mil inscritos e já rendeu-lhe parcerias com marcas. 

"Aqui as pessoas estão começando a valorizar mais o vintage. Antes não havia tantos brechós com conhecimento de moda, agora tem pessoas bem profissionais fazendo isso." Ela conta que em outros países peças vintage chegam a ser até mais caras do que as de coleções novas. "Em uma época de fast fashion, às vezes as pessoas querem buscar uma peça única."

Além da exclusividade e acesso a marcas de melhor qualidade, o consenso entre os entrevistados é de que o principal atrativo da clientela de brechós ainda são os preços. Há, porém, outras explicações para o maior interesse pelos usados. 

Um relatório anual divulgado em 2018 pela ThredUP, site americano de revendas, mostra que a compra de usados resolve contradições do hábito de consumo dos millennials.

Segundo o levantamento, jovens de 18 a 24 anos são os consumidores mais impulsivos e mais suscetíveis a descartar peças após 1 a 5 anos de uso. Ao mesmo tempo, são os maiores consumidores de usados entre as pessoas com menos de 45 anos, e 77% entre eles prefere comprar de marcas ambientalmente conscientes. 

No artigo "A Moda de Brechó na Ascensão do Consumo Consciente", apresentado durante o Fashion Revolution Fórum em 2018, as pesquisadoras Raquel Denise Salvalaio e Mary Sandra Guerra Ashton, da Universidade Feevale, abordam a ressignificação dos brechós desde os anos 1990.

"A mudança cultural com relação ao consumo pode ser vista como um dos estopins para o crescimento dos brechós e lojas de empréstimo de roupas, uma vez que estas promovem uma significativa diminuição no lixo gerado pela indústria da moda", afirmam no artigo.

O tema é um dos preferidos de Bruna Gullaci, 26. A designer de moda diz ter repensado sua atuação na indústria após assistir ao documentário "The True Cost", sobre as relações de produção e os impactos da fast fashion na sociedade e no ambiente.

"Uma vez eu ouvi uma frase que ficou na minha cabeça, [ela dizia que] 'a roupa mais sustentável é aquela que já existe, porque você já gastou matéria-prima, energia, máquina, mão de obra", diz ela. "Quanto mais você fizer aquela peça durar, mais vai ser sustentável, porque não vai gerar mais resíduos para o meio ambiente."  

Luisa Rivas Blanco

Em seu canal, que possui mais de 11 mil inscritos, ela costuma abordar o brechó como a alternativa mais acessível de consumo consciente. 

Seu gosto por usados veio antes do ativismo, surgiu como uma maneira de economizar na adolescência. "Desde pequena eu gostava muito de moda e lia Capricho, as modelos da época falavam 'ai, eu comprei essa bolsa num brechó em Paris', 'comprei não-sei-o-quê em um brechó de Nova York'. Eu pensava, 'nossa, brechó deve ser muito legal'."

Assim, conseguiu rechear seu guarda-roupa com peças que icônicas que moldaram e ditaram tendências da moda mundial. Entre as suas preferidas, estão duas peças lançadas em 2012: uma sandália Gucci, pela qual pagou R$ 330 (preço original estimado em US$ 675, cerca de R$ 1350 na época do lançamento e de R$ 2511 na cotação atual), e uma camisa da estilista francesa Isabel Marant, que custou R$ 189 (preço original estimado em 620 euros, correspondente a cerca de R$ 1740 na época do lançamento e R$ 2635 na cotação atual). "O brechó é uma liquidação o ano inteiro, não precisa ficar apavorado [nas temporadas de promoção]."

Após começar a fazer os vídeos, Bruna também passou a fazer parte do mercado sobre o qual falava. Hoje, ela é dona de um e-commerce de roupas masculinas usadas, o Hombrechó, e organizadora de um encontro mensal que reúne mais 40 brechós, a Feira Novo de Novo.

Ela conta que muitos clientes se surpreendem ao ter o primeiro contato com um brechó, e custam a acreditar que aquelas roupas já tiveram dono antes. "As pessoas estão começando a entender que roupa usada é usada, mas que ainda tem muita coisa que pode ser feita com ela".

 
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