'Thor: Amor e Trovão': Como os coloridos figurinos dos heróis foram feitos
Na era dos super-heróis sombrios, figurinista apostou em abordagem mais extravagante
Há um edifício secreto em North Hollywood repleto de uniformes de super-heróis e amostras de tecido, um armazém de figurinos no qual a Marvel Studios preserva todos os trajes importantes que seus heróis usaram nas telas durante os últimos 15 anos. Para a figurinista Mayes Rubeo, visitar o armazém é sempre uma jornada divertida, especialmente porque há um corredor de figurinos que sobraram de seu trabalho em "Thor: Ragnarok" e representa a área mais colorida de todo o pavilhão.
"Levar cor ao mundo de alguém é muito cool", disse Rubeo. "Sou mexicana e moro na Itália, o que significa que não tenho medo algum da cor".
E é verdade que o trabalho de Rubeo no novo filme da série, "Thor: Amor e Trovão", é ainda mais vívido: em uma era na qual as roupas dos super-heróis tenderam a perder cor e a se tornar mais parecidas com o que mostram os quadrinhos, e filmes como "Batman" decidiram deixar a cor de lado e substitui-la por uma sombria esqualidez, Rubeo em lugar disso favorece uma abordagem mais extravagante. E a trama de "Thor: Amor e Trovão", que vê Thor (Chris Hemsworth) reunido à sua ex-namorada Jane (Natalie Portman) quando ela repentinamente desenvolve superpoderes, deu a Rubeo muito espaço para remar contra a maré.
Ela disse que o fato de que essa seja sua terceira colaboração com o irreverente diretor Taika Waititi, com quem ela trabalhou em "Thor: Ragnarok" e "Jojo Rabbit" (um filme que valeu à figurinista uma indicação ao Oscar) ajuda bastante. "Temos parâmetros na Marvel, e eles nos fornecem um pacote de desenvolvimento visual que eu respeito demais", disse Rubeo. "Mas tudo isso termina um pouco jogado pela janela quando você trabalha com Taika".
Abaixo, Rubeo fala sobre alguns dos looks mais ousados do filme.
THOR (CHRIS HEMSWORTH)
Quando Thor aparece pela primeira vez em "Thor: Amor e Trovão", ele trocou seu traje tradicional de super-herói por algo mais rock’n’roll, e está combatendo alienígenas vestido em um colete de couro vermelho, uma camiseta branca justinha e jeans tão apertados "que o pessoal da minha equipe ficou até preocupado", disse Rubeo.
O visual radical ao estilo da década de 1980 foi concebida como homenagem a Kurt Russell em "Os Aventureiros do Bairro Proibido" –um dos filmes favoritos de Waititi– e como um aceno ao período em que Thor conviveu com os Guardiões da Galáxia, já que o colete de couro parece ser uma jaqueta emprestada por Peter Quill (Chris Pratt) e modificada para exibir os bíceps poderosos de Thor.
"Talvez a jaqueta tivesse mangas que ele arrancou", indicou Rubeo. "Ele não aguenta usar mangas. Thor é um cara que está sempre encalorado".
Mais tarde, depois de encontrar Jane, sua velha paixão, agora também equipada com um traje de super-herói, Thor emprega uma de suas capacidades menos alardeadas, mas ainda assim extremamente útil: o poder do "makeover" instantâneo, e imediatamente conjura do nada uma armadura altamente colorida, com detalhes em azul e dourado.
"É muito reluzente, não há outra descrição para ela", disse Rubeo. "Eles brilham como carros, de tão reluzentes".
MIGHTY THOR (NATALIE PORTMAN)
Com a ajuda do martelo místico de Thor, Mjolnir, Jane se transforma em uma deusa nórdica, e Portman – depois de dois filmes anteriores da série nos quais ela interpretava a parceira humana do herói, completamente desprovida de superpoderes – enfim veste um uniforme dramático, com um corpete prateado, calças de couro e um bracelete em torno do bíceps para acentuar a musculatura que acaba de surgir em seus braços.
"É um look extremamente romântico", disse Rubeo, ainda que tenha sido complicado desenhar alguns de seus elementos, especialmente o capacete, que causa inveja infinita a Thor. "Para mim, era muito importante que os olhos não ficassem ocultos", disse Rubeo. "O capacete poderia ter encoberto parte maior de seu rosto, mas o desenhamos de maneira a não esconder Natalie". E porque seria difícil usar o capacete nas cenas de ação, ele usualmente é adicionado na pós-produção por meio de computação gráfica, ainda que Rubeo tenha produzido exemplares físicos do adereço, para que a atriz usasse nos testes de figurino e em fotografias de cena.
Quanto ao traje de combate, "o peso não podia ser alto", disse Rubeo. "Natalie não tinha a experiência de trabalhar usando um traje de super-herói, e é preciso treinamento adequado para isso –a pessoa precisa se acostumar". Até mesmo a longa capa vermelha teve de ser modificada para acomodá-la à estatura de Portman, que tem 1,61 metro. Ainda que a capa que Hemsworth usa como Thor seja feito de um tecido chamado "dorchester", também usado para confeccionar os uniformes da guarda real britânica, para o traje de Portman Rubeo adquiriu um tecido mais leve e dinâmico, na Espanha.
O resultado final impressionou não só a atriz mas seus filhos pequenos. "As crianças ficaram completamente obcecadas com o figurino, e queriam vesti-lo", disse Rubeo. "Natalie é superprofissional, é claro, e por isso a reação dela foi a de dizer que os filhos podiam tocar o traje, mas não vesti-lo".
VALQUÍRIA (TESSA THOMPSON)
Em um filme repleto de escolhas criativas incomuns, nenhum detalhe exemplifica melhor o espírito aventureiro de "Thor: Amor e Trovão" do que a aparição de Valquíria, camarada de armas de Thor, para seu primeiro grande combate vestindo um agasalho cafona do musical "O Fantasma da Ópera". Rubeo disse que "tivemos de imprimir aquela estampa na última hora. Foi uma saga".
Como é que "O Fantasma da Ópera" conquistou um espaço tão importante no figurino de uma personagem que é vista quase sempre usando uma armadura futurista? Rubeo apontou que, ao contrário de Thor, que havia passado os últimos anos viajando pelo espaço, Valquíria permaneceu na Terra, absorta pela estranha e maravilhosa cultura do planeta. "Taika queria que Valquíria fosse retratada como uma pessoa que tem uma vida", disse Rubeo. "Ela não perde tempo em seu esforço para se adaptar ao planeta".
Por isso, quando Valquíria desperta no meio de um ataque noturno à sua aldeia, é completamente natural que ela entre na briga usando um traje de dormir corriqueiro. Mas Waititi demorou muito tempo para decidir que estampa ele queria no agasalho: o logotipo da banda AC/DC, com a figura de um relâmpago, o que seria uma referência brincalhona ao título do filme? Ou será que Valquíria seria mais fã da banda Blondie? No fim, Rubeo ganhou a discussão, com sua sugestão de citar o duradouro musical de Andrew Lloyd Webber.
"Todo mundo já viu uma camiseta de ‘O Fantasma da Ópera’ – é uma referência cognitiva, e nos conduz a um lugar que conhecemos", disse Rubeo. "E Taika achou que a ideia era boa".
Não é a única peça de roupa pouco convencional, no caso de Valquíria, que em outro momento do filme aparece vestindo um terno com colete – uma indicação da bissexualidade da personagem e uma referência ao apego de Frida Kahlo por roupas masculinas, disse Rubeo. Mas o agasalho de "O Fantasma da Ópera" teve ressonância especial: quando Rubeo informou a Thompson que ela usaria a peça em uma cena de ação, "ela me contou que houve um período em sua vida no qual ela dormia mesmo com uma camiseta de ‘O Fantasma da Ópera’".
GORR (CHRISTIAN BALE) E ZEUS (RUSSELL CROWE)
Ainda que os heróis ostentem figurinos metálicos e de cores vívidas, o vilão Gorr, o Deus Carniceiro, é mais abstêmio: ele usa um manto branco, e todas as cores desaparecem no sombrio reino que ele habita. "Queríamos que o personagem fosse como uma daquelas estátuas muito atormentadas que podem ser vistas no Museu de Arqueologia de Nápoles", disse Rubeo. "Queríamos dar a ele aquela sensação de eternidade, de presença perene".
Embora o figurino de Gorr pareça simples, confeccioná-lo não foi fácil. Rubeo encomendou 50 metros de linho e envolveu Bale no tecido, estruturando-o de forma a ocular segredos como o sistema de refrigeração que evitaria que o ator tivesse picos de temperatura corporal, e os pontos de fixação para os cabos que Gorr usa para voar.
Uma sequência na qual Gorr luta contra Grandmaster, o vilão interpretado por Jeff Goldblum em "Thor: Ragnarok", terminou cortada do filme, "e isso partiu meu coração, porque tínhamos criado um traje incrível para ele, inspirado em Kandinsky", disse Rubeo. Mas ela curtiu a jornada que acontece no meio do filme e serve para introduzir Russell Crowe na história, como Zeus, e contatou dois mestres artesão italianos especializados em couro, Augusto e Giampaolo Grassi, cujo pai criou trajes de cena para Richard Burton no filme "Cleópatra", e os encarregou de criar uma couraça peitoral recoberta de uma chapa metálica dourada para o ator de "Gladiador". Rubeo disse que "no caso, estamos falando de alguém que já sabia como usar uma couraça".
Agora que "Thor: Amor e Trovão" estreou e os figurinos de Rubeo e peças adicionais que ela criou e não foram usadas no filme foram despachados para abrilhantar aquele armazém em North Hollywood, será que ela está mais interessada em algo mais íntimo e menos cósmico, para seu próximo trabalho?
"O lado prático da situação é que, a cada projeto, eu quero mais –quero um novo desafio a cada vez", disse Rubeo. "Quero criar figurinos para todo um país, todo um planeta!"
Tradução de Paulo Migliacci
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