Viola Davis inspirou Isabél Zuaa a viver advogada de 'O Complexo'
Série aborda racismo estrutural e violência policial
Série aborda racismo estrutural e violência policial
Em seu mais novo papel no Brasil, a atriz portuguesa Isabél Zuaa, 34, do filme "As Boas Maneiras" (2017), interpreta a advogada Dejanira na série policial "O Complexo", que é exibida no canal CineBrasil.
Para fazer o papel, a artista afirma ter se inspirado na atuação de Viola Davis em "Como Defender um Assassino" (2014-2020), disponível na Netflix. Há de fato semelhanças entre as duas advogadas.
Como lembra Zuaa, no Brasil e em muitos outros países, não é fácil para uma mulher negra conseguir autoridade em um universo (como o jurídico) que ainda "é essencialmente branco e masculino". Por isso, ambas apresentam uma postura que pode parecer inflexível em muitos aspectos.
"Mas são estratégias de sobrevivência em um mundo que não nos acolhe", salienta. Durante as gravações de "O Complexo", que ocorreram entre abril e junho de 2019, a atriz portuguesa relata que surgiram notícias na mídia de violências ocorridas contra advogadas negras no Brasil.
Essas referências do cotidiano foram absorvidas por ela ao interpretar Dejanira. Há também as experiências vividas por ela até mesmo durante as gravações. "Lembro de a gente filmar no fórum, e as pessoas ficarem surpresas de eu ser a advogada. Eu, mulher negra, de cabelo natural", diz.
Racismo estrutural, violência policial e falta de representatividade são alguns dos temas abordados em "O Complexo". Para o ator Amaurih Oliveira, que dá vida a Raul, o seu primeiro protagonista, os assuntos discutidos na produção são de "extrema necessidade".
Ele acrescenta que o protagonismo negro é importante não só na arte, mas em todos os meios. "[É necessário] Mais advogados, mais médicos, mais profissionais de diferentes áreas que sejam porta-vozes da nossa realidade. É complicado ter pessoas falando pela gente, quem tem que falar das suas experiências é quem vive, quem passa por aquilo."
Na história, Raul é um policial infiltrado em uma organização criminosa na periferia da Grande Porto Alegre. Durante o trabalho, ele acaba sendo acusado de cometer crimes e é preso. É quando entra Dejanira para defendê-lo. O elenco conta também com a atriz Liane Venturella entre outros nomes.
Um dos diferenciais de "O Complexo" é que a trama se passa fora do eixo Rio-São Paulo, normalmente retratado em produções brasileiras. "Houve uma preocupação em trazer a realidade de uma comunidade brasileira que não fosse atrelada à referência estética de uma favela carioca'', afirma a produtora Clarissa Millford.
"O conceito era mostrar a periferia do sul do Brasil, que mescla pessoas de origens diferentes e que é permeada por outros aspectos regionais como, por exemplo, o frio", acrescenta. Outra preocupação, segundo ela, foi que a representatividade tivesse presente não só no elenco, mas atrás das câmeras.
"Foi uma preocupação nossa que a gente tivesse na equipe pessoas negras em cargos estratégicos como diretores de núcleo", afirma Millford. Segundo ela, cerca de 35% dos cargos na produção (sem contar o elenco) foram preenchidos por pessoas negras.
Para Zuaa, esse olhar para dentro é essencial. "A gente está num momento muito delicado que se fala de representatividade, mas às vezes essa representatividade é só na frente das câmeras. Eu me sinto muito usada muitas vezes para fazer aquela cota, e nada muda no mecanismo [das produções]".
Em "O Complexo" e em outros trabalhos que já fez, ela afirma ter tido a possibilidade de ver que a iniciativa de diversidade era real. "É diferente estar com um corpo negro em cena e olhar para a equipe e ver pessoas negras e muitas mulheres ali presentes", afirma.
A série foi idealizada e roteirizada por Ana Saki, Gabriel Faccini, Tiago Rezende e Tomás Fleck —os três últimos também são responsáveis pela direção. Inicialmente pensada para uma temporada de seis episódios, os atores torcem para que a produção possa ter uma sequência.
"Que seja só o início de uma caminhada com outras temporadas, e de projetos que tratem a diversidade", diz Oliveira. A produção afirma que negocia a exibição da série em plataformas de streaming com o objetivo de chegar a um público maior.
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