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Amanda Seyfried ganha elogios por 'Mank' e diz não estar acostumada a tanto destaque

Atriz aparece pouco no filme, mas ainda assim rouba a cena

A atriz Amanda Seyfried em sua fazenda Molly Matalon-7.nov.2020/The New York Times

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Kyle Buchanan
The New York Times

Os bodes não queriam sair, logo de manhã, disse Amanda Seyfried. Uma das cabras estava sendo especialmente incômoda, a cabra que ela define como “só Deus sabe o seu tamanho”. A cabra estava procurando briga. Fincou as patas no chão e não queria se mover um passo que fosse.

E o que Seyfried fez? Ela entrou no paiol que abriga as cabras, firmou as pernas e empurrou. A cabra empurrou de volta, é claro. Cabras e bodes são famosos por isso: pela teimosia. Eles também têm chifres, e Seyfried, 34, não pode dizer o mesmo. Foi um momento frustrante, exaustivo. E, Seyfried se apressa a acrescentar, também foi um momento maravilhoso.

Essa é uma das principais razões para que ela viva em uma fazenda nos montes Catskills, e não em um condomínio fechado caríssimo em Los Angeles: a briga matutina com os bodes ajuda a colocar tudo mais em perspectiva. “É insano que eu me sinta tão realizada e bem sucedida aqui sem precisar estar em um filme de sucesso”, ela disse.

Seyfried divide a fazenda com diversas galinhas, cavalos de diversos tamanhos, um burro chamado Gus, as cabras e bodes, seu marido, o ator Thomas Sadoski, e os dois filhos do casal. Esse último item terminou por ser o mais surpreendente: ao longo de uma semana de conversas via Zoom, Seyfried apareceu sempre sem maquiagem e parecendo nem um minuto mais velha do que a loira tonta que ela interpreta em “Meninas Malvadas” (2004) ou a noiva cantante de “Mamma Mia! – O Filme” (2008). Mas agora ela é mãe, ela é fazendeira, e, pela primeira vez em sua carreira, séria candidata ao Oscar.

No novo drama da Netflix, “Mank”, dirigido por David Fincher, Seyfried interpreta Marion Davies, a estrela de cinema das décadas de 1920 e 1930 mais conhecida hoje por ter sido a amante do magnata dos jornais William Randolph Hearst. O relacionamento entre os dois seria retratado por Orson Welles em “Cidadão Kane”, e “Mank” registra esse processo. No filme, o roteirista Herman Mankiewicz (Gary Oldman) rememora os anos que passou festejando na propriedade de Hearst em San Simeon, um paraíso reluzente onde Davies se tornou sua confidente; os dois dividiam fofocas e gim.

Seyfried tem apenas algumas cenas em “Mank”, mas ainda assim rouba o filme, interpretando Davies como uma mulher astuta e com muita consciência de sua posição, uma ousada garota de Brooklyn instalada em um castelo por Hearst e determinada a tirar o melhor que puder de sua situação. Davies dá festas, bebe demais e muitas vezes diz a coisa errada, mas dizer a coisa errada, naqueles círculos elevados, simplesmente significa dizer a verdade aos ricaços –algo que ela não consegue evitar.

Quando Marion não está na tela, o desejo do espectador é que ela volte, e Seyfried não está acostumada a ter o papel de maior destaque. Ao ler as críticas altamente elogiosas a “First Reformed” (2018), em que ela interpreta uma viúva grávida que busca conquistar o conflitado pastor interpretado por Ethan Hawke, Seyfried ficou feliz por receber uma menção honrosa. Ela descobriu que, quando os críticos a mencionam, em geral é na forma de um parêntese para informar que ela fez o papel de filha ou namorada de alguém. “Minha experiência em geral vem sendo essa, de passar pelos filmes sem receber muita atenção”, ela diz.

Essa sinceridade irresistível ocorre naturalmente para Seyfried, cujos grandes olhos azuis se arregalam ainda mais quando ela recorda as gravações de “Mank” mas se estreitam ligeiramente sempre que ela tem de fazer uma avaliação sobre si mesma. Ela imagina que os diretores podem ter desistido dela para papéis mais sérios depois de dramas românticos como “Querido John” e “Cartas a Julieta”, os dois de 2010, e muitas vezes se critica como “preguiçosa”, por ter interpretado nesses filmes uma personagem parecida com ela. Para Seyfried, é importante que a audiência goste dela. A atriz parece estar trabalhando para gostar um pouco mais de si mesma.

A despeito de sua sequência razoável de sucessos, Seyfried ainda assim ficou chocada ao se encontrar com Quentin Tarantino em um aeroporto, recentemente, e o diretor saber quem ela era. “Mantenha suas expectativas bem baixas”, ela me disse, “e você terminará tendo uma surpresa agradável”. No final do ano passado, quando seu agente disse que Fincher tinha pensado nela para “Mank”, os olhos de Seyfried se encheram de lágrimas. “É muito agradável ser respeitada por alguém que você considera como um mestre único de sua profissão”, ela disse.

Em entrevista por telefone, Fincher comparou Seyfried a Cameron Diaz –uma comediante talentosa mas também capaz de fazer mais, ainda que raramente lhe peçam por isso. “Todos sabíamos que Amanda é luminosa, todos sabíamos que ela é efervescente, todos sabíamos que ela é engraçada”, ele disse.

“Todos sabíamos que ela sabe como distribuir as falas, como preparar a fala crucial, e todos sabíamos que ela tem a capacidade de comover. Acho que o que ela fez de surpreendente foi a rapidez com que conseguia alternar essas funções, porque é isso que dá a Marion toda uma nova dimensão”.

Fincher é famoso por registrar dezenas de tomadas de cada cena, um processo que às vezes frustra os astros do cinema, acostumados a acertar logo suas falas e seguir adiante. Seyfried considera o método dele um sonho. Ela não teve de se apressar, e seus esforços não foram desconsiderados. Por fim ela encontrou espaço para descobrir até onde sua capacidade se estende. “Foi a minha vez”, ela disse. “Eu apareci”.

O que foi que levou Seyfried a decidir ser atriz, para começar? “Ainda estou tentando resolver isso, com meu terapeuta”, ela disse. Mas ela vê muito de si mesma em Nina, sua filha de três anos de idade, que é criativa, se expressa rapidamente e está sempre em busca de afirmação. Tornar-se mãe levou Seyfried a refletir com mais frequência sobre a trajetória de sua vida, e, de seu retiro nos Catskills, as coisas agora lhe parecem um pouco diferentes.

Depois de uma infância agradável em Allentown, na Pensilvânia, onde o pai dela, um fã ardoroso de cinema, interessou a filha pelos comédias de Laurel e Hardy e por clássicos como “Nosferatu”, ela passou seus anos de adolescência viajando constantemente a Nova York para filmar episódios de novelas como “As the World Turns” e “All My Children”. Algumas atrizes demoram a vida inteira para conquistar seu primeiro papel importante. O primeiro filme de Seyfried foi “Meninas Malvadas”.

É um início inspirador, para alguém que está só começando a compreender quem ela é. Na época, tudo que atriz sabia é que adorava a atenção, adorava despertar risos, adorava fazer com que as pessoas sentissem alguma coisa. E quando ela era jovem, se dispunha a usar tudo que tinha para cada papel que conquistava.

Isso talvez explique o seu sucesso imediato. Abençoada com aqueles grandes olhos, e com uma conexão íntima e imediata com a câmera, Seyfried não tinha dificuldade para convencer os espectadores de que estava sentindo alguma coisa: porque ela estava, mesmo. “Não acho que eu tenha calculado o impacto que aquilo tinha sobre mim, emocionalmente”, ela disse.

Sua tendência a carregar seu desempenho de energia emocional e sua disposição permanente de agradar às vezes fizeram dela um alvo fácil, e ela sabe disso agora. “Se você não tem limites, você está ferrado, em meu ramo”, ela disse. “É um ambiente assustador para uma pessoa sem espinha dorsal –e era isso que eu era. E paguei o preço”.

Ela recorda um trabalho que conseguiu quando ainda era adolescente, para o qual o diretor pediu que aparecesse quase nua em cena. Sem dispor de qualquer pessoa no set que a defendesse, ela concordou relutantemente em tirar a roupa.

“Fui colocada em posições insanas”, disse Seyfried. “Andava pelo set sem roupa de baixo, só com uma camiseta, e não queria aquilo, mas não sentia ter o poder de dizer que a situação me deixava desconfortável”. (Ela não revela o nome do filme.)

Foi por isso que, aos 22 anos, Seyfried começou a procurar uma casa fora de Hollywood. Sua carreira continuava quente, e ela precisava criar limites, para lembrar de que um estúdio de filmagem não é um lar, e que uma casa é um lar. Sete anos atrás, depois de filmar “Les Misérables” e “Lovelace”, ela enfim encontrou uma fazenda nos Catskills, e sabia que era exatamente o que vinha procurando há muito tempo. Seu administrador reclamou, mas Seyfried insistiu. “Eu disse a ele que era lá que eu ia morrer”.

Mais tarde, ela conheceu Sadoski, os dois se casaram, e foram morar na fazenda. As crianças, incluindo um filho nascido em setembro, e novos animais se tornaram parte do ambiente. Nos últimos anos, morar na fazenda “solidificou minha necessidade de ficar fora do jogo quando não estou trabalhando, de conviver com a natureza e me refrescar”, disse Seyfried. “Todo mundo precisa de um centro de gravidade, de algum lugar em que se sinta seguro”.

A segurança é prioridade para Seyfried, e ela quer que se torne uma prioridade também para Hollywood. Ela se recordou disso alguns meses atrás, durante uma contenciosa votação para ratificar o novo contrato coletivo do sindicato Screen Actors Guild. “Houve muita briga, e tive muita dificuldade para decidir minha posição”, ela disse. Por fim Seyfried votou contra a ratificação, porque sentia que o novo contrato não fazia o bastante para proteger os atores na rodagem de cenas de intimidade. “Eu sinto que esse setor não é tão seguro quanto deveria ou quer ser”.

Dez anos atrás, Seyfried talvez não se sentisse segura a ponto de contrariar a opinião dominante, especialmente porque o contrato foi aprovado por maioria esmagadora. Mas adotar uma posição inflexível pode ser positivo: significa que você se conhece, conhece suas prioridades, e Seyfried por fim acha que o faz. Não importa como seu desempenho em “Mank” venha a se sair na temporada de premiações, o tempo que ela passou na fazenda este ano lhe deu a capacidade de ver as coisas com muito mais clareza.

“O filme é com certeza a melhor oportunidade que tive em minha carreira, e definitivamente vai mudá-la para melhor”, disse a atriz. “Mas eu estaria igualmente feliz sem ele, porque criei espaço para mim e para me sentir realizada em meu mundo”.

Mais tarde, Seyfried me mostrou uma foto do galpão onde travou sua batalha contra a cabra. A maioria dos bodes e cabras estava visível ao longe, mas uma delas estava olhando diretamente para a lente, com os olhos fixos, desafiadores. Um animal extremamente teimoso. A impressão era de que não seria fácil tirá-la do lugar. E compreendi por que Seyfried adorou aquela briga.

Tradução de Paulo Migliacci

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