Celebridades
Descrição de chapéu The New York Times

John Stamos recorda amizade com Bob Saget, dos conflitos à cumplicidade

Atores estiveram juntos nas séries 'Três é Demais' e 'A Fuller House'

Bob Saget, à esquerda, com John Stamos durante a produção de "Fuller House"' em 2020 John Stamos via The New York Times

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Kathryn Shattuck
The New York Times

Quando o ator e humorista de standup Bob Saget morreu, aos 65 anos, no dia 9 de janeiro, seus amigos e familiares, chocados, reagiram com uma profusão de tributos. Entre essas pessoas estava seu velho amigo John Stamos, que contracenou com Saget na série "Três é Demais" (1987-1995) e em sua continuação produzida pela Netflix, "A Fuller House" (2016-2020).

Em uma entrevista em vídeo, realizada no final de janeiro, de sua casa em Los Angeles, Stamos relembrou de que forma um relacionamento de trabalho que no começo teve momentos conflituosos se transformou em amor duradouro. Abaixo, trechos editados da conversa.

Na homenagem a Bob, sua ex-mulher [Sherri Kramer], mãe de seus três filhos, veio falar comigo. Ela estava chorando. "Ele te amava demais. Te amava realmente demais. Mas no começo, te odiava". O quê? (Risos.) "Ele chegava em casa morrendo de inveja de você, e se queixava de você sem parar".

Meu professor de teatro no segundo grau me mandou um email outro dia com suas condolências, e disse: "Você se lembra de quando eu fui ao Havaí? Bob foi muito gentil comigo, mas, cara, você estava completamente furioso com ele".

E é verdade. Nossos estilos conflitavam completamente. Ele era um comediante. Se houvesse uma pessoa no set, ele tinha de fazê-la rir. Já eu estava sempre procurando o drama. Acho que acabamos por encontrar um meio do caminho. Mas nós dois passamos por aquele processo a contragosto, resmungando o tempo todo, porque não queríamos mudar nossas maneiras de fazer as coisas.

Ele às vezes desconcentrava todo mundo –perturbava, mesmo. Estávamos lá para fazer uma cena, e o importante era descobrir o que funcionava e o que não funcionava. Mas ele não parava (socando o ar como se para marcar cada tirada), "boom, boom, boom, boom, boom, boom, boom". E eu pedia, "Bob". Mas ele não parava. Acho que posso afirmar que isso de vez em quando o atrapalhava.

Mas a questão com ele era a seguinte: Bob conseguia encontrar um ponto de equilíbrio melhor do que qualquer pessoa com quem já trabalhei. Ele compensava tudo que fazia de irritante com muito amor. Diversas pessoas me ligaram para dizer o quanto Bob importava para eles, e como ele as ajudou. Ele era sempre prestativo, a um ponto quase obsessivo.

Na homenagem a ele, as pessoas começaram brincando, e isso era necessário. Dave Chappelle fez [duas entradas longas]. Eu disse que ele era o maior, o melhor humorista stand-up de todos os tempos. E o respeito que ele expressou por Bob, nos últimos cinco ou 10 anos de sua vida... Eu lhe disse que "aquilo foi muito importante para Bob, e eu realmente agradeço por tudo que você disse". E ele respondeu: "Você está brincando? Quando eu estava começando como humorista, ele me protegeu muito. Ele me ajudou". E eu não sabia disso.

Bob era bombástico em seus amores e em suas amizades. Se você era amigo, ou mesmo conhecido dele, ele estava sempre ao seu lado, o tempo todo. [Stamos enlaçou as mãos, demonstrando a proximidade de Saget com seus amigos.]

Eu assisti a um vídeo que nos mostra no último episódio de "Três É Demais", nossos agradecimentos finais. Estávamos todos reunidos, e Bob por fim se aproximou de mim e me abraçou, me beijou. Mas eu não sei até que ponto eu me sentia próximo dele naquele momento. Eu não achava que precisava de um Bob em minha vida. Tinha meus pais. Tinha minha religião. Achava que tinha tudo de que precisava.

E então meu pai morreu, e esse cara me apoiou como ninguém mais, porque todas as pessoas que eu conhecia estavam muito abaladas. Minhas irmãs, minha mãe. Mas Bob estava firme, e ele entrou em ação e tomou conta de mim, chegando ao ponto de perguntar se podia organizar o funeral. Foram duas horas de piadas sujas, algo que eu acho que meu pai não teria curtido. Mas ele deu às pessoas o que elas precisavam naquele momento. Todo mundo precisava rir, e ele deu a todos essa oportunidade.

Acho que aquilo realmente cimentou a nossa amizade. E depois disso nos tornamos mais e mais próximos, ao ponto de estarmos sempre presentes um para o outro, nos nossos momentos mais importantes. Agora, preciso passar por essas coisas sem ele, sabe?

O divórcio dele veio primeiro, e acho que foi ali que posso dizer que estive presente para ajudar. Fui o Cyrano dele durante boa parte daquela história. Lembro de trocar mensagens de texto com ele durante seu primeiro encontro depois do divórcio, explicando a ele o que dizer, como agir. E depois, quando ele desmanchou com aquela garota, ele praticamente ficou morando no meu sofá. Não havia ninguém tão próximo quanto nós dois. Mas isso é algo que todo mundo diz a respeito dele.

Bob era um excelente ouvinte, mas às vezes você precisava mandar que ele ouvisse. Eis mais uma verdade: houve um momento em nossa vida e em nossa amizade, cerca de 10 ou 11 anos atrás, que éramos quase como um casal casado. Estávamos os dois solteiros e passávamos muito tempo juntos, e eu lhe disse que ele precisava ir a um terapeuta, se quisesse continuar sendo meu amigo.

Eu conhecia um ótimo terapeuta. Bob começou a trabalhar com ele, e isso realmente ajudou. Bob falava sem parar sobre ele mesmo, sem parar, e de repente você percebia alguma coisa em seus olhos que dizia "ops, agora é hora de perguntar ao John como ele vai".

Mas, além de minha mãe, ele era meu maior torcedor, meu maior fã. Ele se gabava a meu respeito para outras pessoas. Quando eu decidi recriar "A Fuller House" e a série fez sucesso, no começo dava para perceber que ele pensava algo como "por que eu não tive essa ideia?" Mas depois, em quase todas as entrevistas, ele sempre me dava o crédito. "Foi ideia de John. Foi ele que nos reuniu. Devemos isso a ele".

Ele era o cara humilde mais egoísta do planeta. E a pessoa mais insegura que já conheci em minha vida. Ele tinha a mania de dizer coisas como se para inflar sua posição. Cada garota que fazia uma participação em "Três É Demais", ele dizia: "Ela me ama. Está completamente a fim de mim". "Não sei, Bob. Cindy Crawford, mesmo?" Acho que ele às vezes supercompensava.

Minha função durante muitos, muitos anos, era ajudá-lo a compreender o quanto ele era bom, o quanto ele era inteligente, o quanto ele era engraçado e o quanto as pessoas o amavam. Garanto que ele morreu sem saber de todo o amor por ele que existia no mundo, e isso me entristece demais, porque isso era algo que ele desejava muito.

Ele desejava ser aceito, amado e apreciado, e que as pessoas soubessem o quanto ele era bom no que fazia. E as pessoas sabiam disso tudo, mas não disseram isso a Bob em tempo.

Bob sempre se preocupava com todo mundo mais, mas falava muito sobre a morte. A mulher dele, Kelly Rizzo, disse que teve uma premonição. Eu não percebi coisa alguma. Da última vez que nos reunimos, fomos os dois casais ao Nobu, talvez um mês antes de ele morrer.

Ele não parecia um cara que estivesse a ponto de morrer, mas estava muito calmo, o que é estranho no caso de Bob. Estava em paz, de algum modo. E ele me ouviu, foi muito considerado, não interrompeu, e parecia se importar com o que estávamos dizendo. Odeio dizer isso, mas aquele era o Bob que eu sempre quis ver. E foi a última vez que o vi.

Traduzido originalmente do inglês por Paulo Migliacci. 

Final do conteúdo
  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Ver todos os comentários Comentar esta reportagem