Amy Schumer sente falta do stand-up: 'Deveria dizer que é do meu pai, mas não seria verdade'
'Você se preocupa menos com morrer se não tem filhos', diz humorista
Não demorou muito tempo para que Amy Schumer deixasse de lado sua vida anterior. "Da primeira vez que ouvi o termo 'mercado de Wuhan', pronto", ela disse em uma entrevista recente. "Fui uma daquelas pessoas que pensou, opa, hora de fazer as malas."
Também não demorou para que ela e a família deixassem Nova York e se mudassem para Martha’s Vineyard, Massachusetts, de onde vem seu marido, o chefe de cozinha Chris Fisher. Os shows de stand-up de Schumer obviamente pararam, e uma série para o serviço de streaming Hulu teve sua produção suspensa.
Mas ela se manteve ativa, e se ajustou às novas limitações. “Amy Schumer Learns to Cook”, um programa semanal de culinária com ela e o marido para a Food Network, estreou nas últimas semanas, e, em julho, seu documentário sobre sua gravidez durante a preparação de um especial de comédia será exibido pelo canal HBO Max. Enquanto seu filho, que está perto do primeiro aniversário, cochilava, conversamos via Zoom sobre a vida em confinamento. Abaixo, trechos editados da conversa.
Como você está?
Em uma escala em que dez quer dizer "ótima", eu diria que estou no sete. Estou preocupada com meu pai, que mora em uma casa de repouso em que 15 pessoas morreram. Minha mãe está sozinha. É perturbador. E tenho amigos que são enfermeiros, muitos deles pegaram a doença. Mas meu dia a dia é agradável. É bom ter um bebê, porque isso cria uma rotina, e ele não sabe o que está acontecendo.
O segundo nome de seu filho Gene era Attell, em homenagem ao humorista Dave Attell. Mas você o mudou recentemente. Por quê?
Eu tinha orgulho daquele nome. Mas depois de um mês, eu estava no computador e comecei a ter um chilique. Gene Attell. Demos ao nosso bebê o nome de “Genital”. Um mês mais adiante, cheguei à conclusão de que tínhamos de mudar. Um filho não pode se chamar Genital. Eu não queria que ele tivesse aquele problema do “menino chamado Sue”. Por isso, mudamos o nome para Gene David.
Do que você sente falta, do mundo pré-confinamento?
Do stand-up. Eu deveria ter dito que é do meu pai, mas não seria verdade.
Você continua a escrever humor?
Sim, mas não tenho como testar com a audiência.
Vamos tentar. Fale sobre a premissa de alguma coisa que você tenha desenvolvido recentemente.
As celebridades que fazem vídeos aconselhando as pessoas a ficar em casa, e por trás você vê um fosso de proteção e um trampolim. E uma mulher diz que “é por isso que todos temos de nos abrigar no palácio”.
Ser uma celebridade pode gerar isolamento. Ser famosa a preparou para o distanciamento social?
É perigoso comparar, porque, sei lá, mas isso é verdade. Não sei se você está assistindo “The Last Dance”. Estou curtindo muito. Não tinha pensado sobre o lado político dos salários, e sobre como o astro manda em tudo. Mas ver Michael Jordan chegando e saindo do hotel, entrando e saindo do carro... É uma vida que isola demais. Não se pode confiar nas pessoas. Parece que todo mundo se sente assim, agora.
Aquela cena de Jordan sozinho no hotel, no auge da fama... Ele parece triste.
Você fica pensando que não sabe por que está se sentindo mal sobre aquele bilionário, sozinho em um hotel Four Seasons. Mas fica triste mesmo assim.
O que mais você tem assistido durante a quarentena?
Tenho acompanhado lives de Instagram de Questlove, D-Nice e Talib Kweli, de noite. Literalmente ponho o sutiã para poder dançar sozinha no quarto, e me sentir presente, me sentir bem. Talib Kweli toca o melhor hip-hop dos anos 1990. E assisto “Normal People”, uma série bacana. Tem muito sexo. Estou tentando convencer Seinfeld a assistir. Disse a ele que não lesse coisa alguma a respeito e só assistisse. Estou esperando há uma semana para ver se deu resultado, e até agora nada. E de repente pensei: e se ele estiver assistindo com a família? Tanto sexo na série.
Você assistiu ao novo especial de Louis C.K.?
Sim. E ri muito com ele. É difícil não pensar no que ele fez, no que ele aprendeu e não aprendeu. Mas com certeza ri.
Woody Alen também lançou um livro. A pandemia faz bem aos problemáticos?
Parece ser um momento seguro para os caras do #MeToo. Eles estão saindo das trincheiras. Não quero ser a pessoa que facilite o caminho de qualquer um deles.
Vi o tuíte de um humorista que comentava: “Imagine alguém se ofender com uma piada, depois de tudo isso”. Você acha que depois da pandemia o humor ofenderá menos?
Não. Não funciona assim. As pessoas sempre se ofenderão, e não, a pandemia não é um grande equalizador. As pessoas se ofenderão tanto quanto sempre se ofenderam, ou talvez até mais.
Ser mãe a levou a mudar sua abordagem com relação ao medo?
Sim, muda completamente. Agora tudo gira em torno da segurança dele, do conforto dele. Antes era tudo pelo [meu marido] Chris. Agora a ordem é Gene, depois eu, depois Chris. Se a casa pegar fogo, saio correndo com Gene no colo e só depois vou pensar se Chris e o cachorro estão com a gente.
Quando a comédia ao vivo voltar, será diferente?
Acho que vai voltar, e tudo vai ficar bem. Mas vai demorar um pouco. Será que quando recomeçarmos, as pessoas estarão assistindo com lenços na frente da boca, e não vamos conseguir ouvir as risadas? Precisamos de máscaras com boa acústica.
Agora há um debate sobre quando devemos reabrir.
Não quero voltar ao palco até ter certeza de que estou segura. Não vou me apresentar no Comedy Cellar por pelo menos um ano. É o maior risco. Se eu não tivesse um bebê, me preocuparia menos. Você se preocupa menos com morrer se não tem filhos. Mas agora acabo pensando que é melhor que eu fique viva.
Se alguém espirrar quando você estiver se apresentando em um clube, qual vai ser sua reação?
Provavelmente vou parar de falar e deixar o palco. Na verdade, não: jogo o microfone na pessoa que tiver espirrado e saio gritando e chorando do palco.
Você acha que clubes vão fechar e carreiras acabar por causa disso?
O que um humorista vai fazer se ele ganha a vida na estrada? Há muitas casas, e as mais fortes vão sobreviver. Elas vão mudar, evoluir. Alguns humoristas estão encontrando espaço nesse novo cenário. Cole Escola, Megan Stalter –são humoristas interessantes que talvez não fossem vistos antes pelas audiências que os estão vendo agora.
Uma das viradas que você está tentando é um programa de culinária com seu marido. Por quê?
Um mês atrás, a Food Network nos procurou e perguntou se eu gostaria de fazer um programa de culinária com meu marido. Nós respondemos que sim, seria um jeito de nos ocuparmos. Nem pensamos muito. Deixamos Nova York e começamos a filmar no mesmo dia,
A ideia de se casar com um chefe de cozinha não é a de não ter de cozinhar?
Com certeza. O programa está mudando nossa dinâmica, um pouco. Ele sempre se comportou como se “ela é quem ganha dinheiro, mas eu faço a casa funcionar”, mas agora sei como picar as coisas, e consigo preparar o frango. Acho que ele está meio abalado.
Uma coisa que se percebe no programa é que ele custa a rir.
Não só rir. Mas quando você o faz rir, é sempre muito bom.
A pandemia aproxima as pessoas ou revela nossas divisões?
As duas coisas. A divisão é clara. Eu costumava ter o impulso de aproximar os extremos. Mas a coisa está fora de controle, é impossível. Alguém que ache que podemos sair de casa e fazer o que quisermos é um partidário de Trump, imagino. Tento entender como eles raciocinam, mas não tenho a capacidade de fazer com que alguém mude de ideia. Desejo tudo de bom, mas eles não precisam se preocupar com qualquer tentativa minha de estabelecer uma conversação.
A pandemia vai deixar algo de bom?
Ninguém vai concluir que valeu a pena. Mais mortos do que a guerra do Vietnã. Valeu a pena! Mas há partes realmente bonitas. Todo dia troco mensagens de texto com minhas amigas em Nova York. Paramos para compartilhar lembranças. E não falamos sobre a Covid ou o que está acontecendo. Só queremos conversar sobre quem fez sexo oral na hora mais inconveniente, ou sobre quando fumamos nosso primeiro cigarro, ou quem era mais bêbada. Papo leve. Velhas recordações. Reservamos um tempo para as nossas memórias. Eu curto pensar sobre uma época diferente.
Tradução de Paulo Migliacci
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