Celebridades

Aos 60 anos, Emma Thompson diz que negar o envelhecimento não é saudável e, sim, idiotice

'Questão eterna, que jamais imaginei que perguntaria, é quem sou eu', diz atriz

A atriz Emma Thompson em Beverly Hills

A atriz Emma Thompson em Beverly Hills Elizabeth Weinberg-5.abr.2019/NYT

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Cara Buckley

Se havia alguém que não imaginava ter uma crise de meia-idade, era Emma Thompson. Ter certeza razoável sobre as coisas sempre foi um dos princípios organizadores de sua vida, e é algo perceptível em quase todos os personagens que ela interpretou.

A pequena aristocrata gentil de "Retorno a Howards End". A camareira mal amada de "Os Vestígios do Dia". A irmã de "Razão e Sensibilidade". A professora aloprada de Hogwarts, a verrugosa babá McPhee, a criadora ranzinza de Mary Poppins e a cáustica apresentadora de TV de seu mais recente filme, "Late Night". Mesmo em prantos, se dilacerando, os personagens compartilham com Thompson de um senso férreo de autocontrole, e de como as coisas devem ser.

O tempo não abrandou essa determinação, ou ao menos era o que imaginávamos. Neste ano, depois de descobrir que John Lasseter, que perdeu seu posto no comando da divisão Pixar, do grupo Disney, por contatos físicos indesejados com subordinadas, havia sido apontado para o comando de um estúdio que estava produzindo um filme para o qual Thompson havia sido contratada, ela saiu atirando, criticando o estúdio e Lasseter em uma carta aberta inflamatória.

Poucos meses antes, ela foi de tênis brancos à cerimônia, presidida pelo príncipe William, em que seria sagrada cavaleira da coroa britânica. Quando a imprensa britânica se fingiu chocada, Thompson rebateu que o calçado era uma criação de Stella McCartney, e por isso muito chique.

Para Thompson, foi uma grande surpresa se apanhar em território menos firme, ao completar 60 anos em abril. Não é que a idade a incomode. Quando alguém diz que "agora ter 60 anos é como ter 40", ela revira os olhos. "Negar o envelhecimento não é saudável", resmungou a atriz em uma conversa recente. "Sempre foi uma idiotice".

 

Mas ela se viu tomada de questões perturbadoras sobre os papéis que desempenhou entusiasticamente durante toda a vida: como filha, cônjuge, mãe, artista. Ela continua a ser todas essas coisas, mas estava a ponto de chegar à idade em que os filhos deixam o lar.

"Há muitos papéis que a sociedade impõe, na verdade, por anos, anos e mais anos, e um dia você se questiona se é mesmo alguma daquelas coisas. E, se não é, o que você é?", disse Thompson. "A questão eterna, que jamais imaginei que perguntaria, é quem sou eu", ela prosseguiu. "Sempre fui muito segura disso. Mas a verdade é que não faço ideia".

Thompson marcou nossa entrevista para entre a primeira viagem de sua vida a Las Vegas, que ela definiu como "tediosa", e a participação em um protesto da Environmental Rebellion em Londres, onde foi filmada discursando em um barco cor de rosa, cercada de policiais.

A visita a Vegas foi para promover dois filmes, em uma convenção de proprietários de salas de cinema: "Late Night", que Mindy Kaling escreveu para ela, e "Last Christmas", que Thompson escreveu com a artista britânica Briony Kimmings, e que de alguma forma se baseia frouxamente na canção homônima do grupo Wham!, lançada nos anos 1980.

Em Vegas, ela teve uma pausa de 11 horas entre entrevistas coletivas, que ela aproveitou para fazer apostas, cochilar, comer e beber. Pelo final do dia, a sensação era de que estava na cidade há 50 anos, e ela ficou imaginando se todo mundo se sentia do mesmo modo, lá, e sentiu uma vontade repentina de escapar, por medo de sufocar e morrer.

Os manifestantes da Extinction Rebellion, em contraste, a empolgaram tanto que ela fez um curta-metragem para apoiá-los. Thompson é militante ecológica veterana, e tenta manter o otimismo, depois de ler que os otimistas vivem mais; no entanto, como tantos dos terráqueos hoje em dia, ela enfrenta dificuldades para evitar uma sensação de desespero ecológico. "Cara", ela me disse, "estamos em uma corrida, você bem sabe, entre a consciência e a catástrofe".

Estamos acomodadas em uma suíte em um hotel elegante de Beverly Hills, decorada em tons sóbrios de cinzento. Diante daquele pano de fundo, Thompson era uma presença cinética e pop. Seus cabelos prateados estavam desarranjados, como ela tivesse tentado penteá-los com os dedos diversas vezes, e ela usava os famosos tênis de Stella McCartney, acompanhados por um conjunto da cor de um sorvete de limão, que eu elogiei jocosamente, dizendo que ele parecia uma boa maneira de limpar o palato –mesma sensação que eu sentia ao conversar com ela. "Mas é cor de pistache, querida", ela corrigiu. 

Os americanos tendem a ver Thompson como veem muitas das demais damas do teatro de seu país –Dench, Mirren, Smith: como um figura querida, sensata, uma Mary Poppins determinada a fazer com que as pessoas se comportem do jeito certo. Mas na Inglaterra, a franqueza e o ambientalismo de Thompson às vezes a tornam alvo da mídia sensacionalista, que é quase uma indústria por lá.

A imprensa a detonou por descrever a Inglaterra, na corrida para o referendo do Brexit, como "uma ilha cinzenta, miserável, repleta de bolos", e quase celebrou quando um agricultor irado chegou perto de atingi-la com um balde de estrume durante um protesto contra a exploração petroleira por fratura hidráulica, em 2016.

Thompson professa não se incomodar. "A imprensa de Murdoch é um reino sem lei", ela disse. O que a preocupa de verdade é não só o destino do planeta mas a questão menor de descobrir quem ela é de verdade. "Tenho algumas questões que espero poder responder nos próximos dez anos", ela disse.

Thompson cresceu como parte de uma família de atores. Seu pai, Eric Thompson, criou e estrelou a versão inglesa do programa infantil "The Magic Roundabout", e sua mãe é a atriz escocesa Phyllida Law. Thompson estudou em Cambridge e lá se uniu ao grupo de comédia Footlights Review, fez amizade com Stephen Fry, namorou com Hugh Laurie e, no final dos anos 1980, se apaixonou por Kenneth Branagh, com quem se casaria. Os dois se conheceram trabalhando em uma minissérie de TV sobre a Segunda Guerra Mundial.

Poucos anos depois, o diretor James Ivory a escalou para o papel que faria dela uma atriz de sucesso, no drama "Retorno a Howards End", como a sincera e polida Margaret Schlegel, que se envolve com Anthony Hopkins, um viúvo de classe social mais alta. Ela conquistou um Oscar por seu desempenho, e recebeu mais duas indicações ao prêmio (como atriz principal e como coadjuvante), no ano seguinte, por "Os Vestígios do Dia" e "Em Nome do Pai". 

Branagh enquanto isso se encantou com Helena Bonham Carter, que contracenou com Thompson em "Retorno a Howards End", e com quem ele trabalhou em 1994 no filme "Frankestein de Mary Shelley". Branagh e Carter terminaram se relacionando, e ele e Thompson se divorciaram em 1995, um ano que provaria ser um grande ponto de inflexão na vida dela.

A produtora Lindsay Doran havia assistido a um programa de humor escrito por Thompson na TV, e a pediu para adaptar "Razão e Sensibilidade", de Jane Austen. Dirigido por Ang Lee e estrelado por Thompson, Kate Winslet e Hugh Grant, o filme foi sucesso mundial em 1995. A atriz conquistou um Oscar por melhor roteiro adaptado, fazendo dela a única pessoa a receber o Oscar como atriz e roteirista.

O filme também trazia Greg Wise, como o ousado e canalha John Willoughby. Thompson e Wise, sete anos mais novo que ela, se deram esplendidamente bem. Casaram-se em 2003 e têm uma filha de 19 anos, Gaia, e um filho adotado, Tindyebwa Agaba, que foi soldado quando criança nas guerras de Ruanda.

Os trabalhos recentes de Wise incluem o papel de lorde Mountbatten no seriado "The Crown", e uma participação vencedora no game show de culinária "Celebrity Bake-Off". Thompson conta que, depois que ela foi sagrada cavaleira, ele quis saber se não poderia ser chamado de Lady Greg. Infelizmente não, de acordo com as regras da Ordem do Império Britânico.

Thompson se tornou estrela internacional na casa dos 30 anos, mas disse que, quando chegou aos 40, só recebia propostas para papéis chatos - em sua opinião porque, "com algum esforço", ela ainda podia ser vista como sexual. Mas depois de chegar aos 50 anos e deixar isso tudo para trás, os papéis que lhe ofereciam passaram a ser muito mais interessantes.

Entre eles estava o de P.L. Travers, a ranzinza autora de "Mary Poppins", em "Walt nos Bastidores de Mary Poppins". [Ela diz que "o papel era tão maravilhoso que nem liguei para a permanente".] Em "The Legend of Barney Thompson", sobre um assassino serial escocês, ela faz uma mãe megera que fuma sem parar; e em "Os Meyerowitz: Família Não se Escolhe", de Noah Baumbach, ela interpreta a mulher alcoólatra de Dustin Hoffman, um artista narcisista e fracassado.

Thompson adorou trabalhar com Hoffman, e disse que só depois das filmagens foi informada sobre as acusações de impropriedade que pendem contra ele –Hoffman respondeu a uma delas com um pedido de desculpas e, quando outras acusações surgiram, negou qualquer delito. Ela diz agora que teria de conversar com ele antes de considerar um novo trabalho em sua companhia.

Quanto a Lasseter, ela foi bem mais clara. Ainda que o executivo tenha pedido desculpas por seu comportamento, Thompson criticou o estúdio Skydance Animation por forçar seus empregados a decidir entre trabalhar desconfortavelmente com Lasseter ou ficar sem emprego. Quando sua carta chegou ao conhecimento do público, disse Thompson, pessoas que deixaram seus empregos na Skydance pelo mesmo motivo a agradeceram. "Eles é que foram corajosos", ela disse. "Eu posso pular para outro projeto e continuar sendo paga. Para outras pessoas, não é tão fácil".

Pergunto por que homens como Lasseter, acusados pelo movimento #MeToo, conseguem voltar ao mercado. "Não quero pensar sobre os problemas dos homens, a esta altura, muito obrigada", ela disse. Afirmando que refletiu sobre o assunto, e reconhecendo que é complicado, ela disse, falando sobre os homens que "tenho certeza de que eles vão crescer e resolver o problema. Porque o problema é deles, não meu". Ela prefere falar sobre mulheres. "A jornada é diferente, se você nasce nesse corpo", ela disse. "Quer você goste, quer não".

O grande problema de Thompson com a maioria dos papéis escritos para mulheres é que eles pulam diretamente de um extremo para o outro, das personagens deprimentemente domésticas e sempre apaixonadas que lhe eram propostas no começo da carreira a mulheres que parecem heróis de ação, hoje em dia.

"As mulheres agora inventam armas, disparam armas, são duronas, não podem chorar", ela disse. "Saltamos da cozinha para o tanque de guerra, e não há nada entre essas duas coisas. Assim, continuamos a fracassar quanto a entender e levar às telas o que quer dizer ser mulher ".

Uma exceção, ela disse, é "Late Night", que Thompson descreve como um dos melhores roteiros que já leu.
No filme, ela interpreta Katherine Newbury, uma apresentadora viperina de talk show que relutantemente contrata uma mulher (Kaling) para sua equipe integralmente masculina de redatores, em um esforço para provar que seu programa é relevante e merece continuar no ar.

Kaling escreveu o papel para Thompson (a revista Vanity Fair o descreveu como "seu melhor papel em anos") porque precisava de alguém capaz de dizer praticamente qualquer coisa. "Eu sabia que Katherine talvez terminasse sendo cruel às vezes, mas ela precisava ser sempre engraçada", disse Kaling.

Thompson e Kaling criaram Newbury como uma mistura de diversas pessoas muito determinadas que elas conhecem. Como Thompson, Newbury é durona e complexa. Diferentemente dela, a personagem é antifeminista e nada faz para promover outras mulheres, ou ao menos não o faz antes de ser forçada a isso.

"Ela é muito obstinada, digamos, o que normalmente é visto como um traço masculino", disse Thompson. "Mas os homens têm autorização para serem obstinados". "Muitos atores e atrizes são muito medrosos e tímidos, e encobrem esses traços com todo tipo de comportamento estranho que é fácil definir como loucura; eles pensam o tempo todo que não são bons o bastante, que vão fracassar", me disse Ivory. "Mas isso não se aplicava a ela".

Thompson também ajudou a reduzir algumas das tensões que Ivory teve com Hopkins no estúdio, se tornando intermediária de confiança entre os dois. Quando a filmagem terminou, disse Ivory, ele a via como uma grande amiga. E ficou meio chateado. "Foi uma sensação de perda, de não ter mais aquela pessoa deliciosa por perto todos os dias".

Thompson tem esse efeito sobre as pessoas. E sobre mim –mesmo que eu tenha passado apenas 90 minutos em sua companhia. Nisha Ganatra, a diretora de "Late Night", tem a mesma sensação. Durante a produção, ela conta ter estudado Thompson de perto, tentando descobrir de que maneira a atriz parecia viver sua vida com tanto brilho e graça.

Ela concluiu que isso tinha algo a ver com ela estar sempre presente, sempre humilde. Ganatra a viu distribuindo chocolates italianos para a equipe tarde da noite, em um dia de filmagem, e a viu acariciar de leve as folhas de uma árvore sob a qual estava caminhando, em um dia de chuva.

Ganatra disse que gostaria de ter Thompson como confidente e como "life coach". A diretora disse que "na verdade, eu gostaria de ser Thompson". Ainda que Thompson professe não saber mais quem ela é, para o resto do mundo isso é cristalinamente claro. "Perguntei a ela qual é a sensação de ter todas as respostas", disse Ganatra. "Ela riu e respondeu que não as tem. Mas tem, sim".

The New York Times

Tradução de Paulo Migliacci

Final do conteúdo
  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Ver todos os comentários Comentar esta reportagem