Cientistas desvendam mistério dos chifres dos cervos, que caem no inverno e 'brotam' na primavera
Na realidade, não são exatamente chifres, mas sim ossos externos
Os chifres dos cervídeos têm um interessante ciclo na natureza. Eles caem no inverno –e "brotam" novamente na primavera. Na realidade, não são exatamente chifres, mas sim ossos externos. E esse crescimento tão rápido há muito intriga a comunidade científica.
Cientistas da Escola de Medicina da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, solucionaram este mistério: eles identificaram que o crescimento abrupto desses ossos externos temporários está ligado à ação de dois genes.
E, agora, planejam utilizar tais conhecimentos para melhorar tratamentos em humanos com doenças ósseas ou mesmo na recuperação de fraturas. A pesquisa ainda está em estágios iniciais. Mas há um amplo leque de aplicações possíveis.
"Atualmente, vislumbramos duas formas de implementação potencial para a medicina humana", adianta à BBC News Brasil Yunzhi Peter Yang, pesquisador do Departamento de Cirurgia Ortopédica da Escola de Medicina de Stanford e um dos autores da pesquisa, que será publicada nesta quarta (31) em "The Journal of Stem Cell Research and Therapy".
"Primeiro, poderíamos projetar células com esses genes específicos e depois colocá-las no local desejado. Outra ideia seria desenvolver terapias biológicas, com proteínas ou medicamentos, resultantes de nossa descoberta. Mais a longo prazo, terapias genéticas também podem ser possíveis."
Yang afirma que o desafio é entender a regulação genética do crescimento do chifre para, então, adaptar tais informações a fim de criar agentes terapêuticos. Assim, novos tratamentos para doenças como osteoporose e reparação de fraturas ósseas seriam criados. Essas novas terapias também poderiam servir como prevenção a doenças crônicas dos ossos.
GENES ESPECÍFICOS
"Conhecer a genética por trás da regeneração desses chifres de cervídeos, com rápido crescimento ósseo e mineralização, é fundamental para o nosso objetivo terapêutico final", afirma Yang. "É fundamental para entender também como funciona a regeneração óssea em outras espécies, como os humanos."
Os genes identificados são o uhrf1 –que possibilita a rápida proliferação de células ósseas e o –s100a10 que propicia a mineralização rápida, ou seja, o endurecimento do tecido ósseo. Juntos, esses dois genes trabalham em uma linha de produção extremamente coesa e eficaz: o primeiro gera as células ósseas, o segundo cimenta a matriz estrutura do osso.
Yang e sua equipe já sabem que esses dois genes também estão presentes no processo de desenvolvimento ósseo dos seres humanos. Pesquisador da área ortopedia, Yang teve o insight de estudar como ocorrem esses processos em cervídeos quando, durante suas férias em 2009, conheceu um guia turístico no Alasca e ficou impressionado com as curiosidades ditas por ele a respeito de um veado selvagem que habita aquela região.
"Chifres de cervídeos podem crescer impressionantes 2 centímetros por dia no verão", pontua o pesquisador. "Isso me fez levantar a hipótese: existem genes especiais que estão por trás desse crescimento ósseo excepcionalmente rápido?"
Na volta das férias, Yang decidiu levar a questão para seu laboratório. Foi, com sua equipe, para uma fazenda de veados na Califórnia e, ali, coletou amostras do tecido desses ossos externos. Trata-se de uma estrutura composta basicamente de células-tronco.
Eles crescem de cima para baixo, ou seja, enquanto se desenvolvem, um reservatório de células-tronco permanece no topo dos chifres.
"A regeneração dos chifres desses animais é um fenômeno único. Para mim, valeria a pena estudar esse fenômeno apenas por curiosidade", diz Yang. "Mas eis que esse estudo pode ter algumas aplicações muito interessantes para a saúde humana."
Ao longo do desenvolvimento, o tecido é macio - com consistência semelhante a dos narizes de seres humanos. Assim, recolher as amostras foi uma tarefa fácil. E inofensiva para os animais. Os chifres se tornam rígidos apenas no estágio seguinte ao desenvolvimento, por conta da mineralização.
NO LABORATÓRIO
De posse das amostras coletadas, os cientistas passaram a analisar o material. Examinaram particularmente o RNA, a molécula que ajuda a executar as instruções genéticas específicas. E fizeram uma comparação dos resultados com as obtidas em células-tronco de humanos, retiradas de medula óssea.
Só então identificaram os genes específicos. E os aplicaram em camundongos, observando como diferentes níveis de expressão desses genes afetavam o crescimento de tecido.
No experimento, Yang constatou que, quando o gene uhrf1 era desativado, o tecido ósseo ainda crescia, mas bem mais devagar. Por outro lado, se o gene era totalmente funcional, a proliferação nos bichos era tão rápida quanto nos chifres de veado.
Fenômeno semelhante foi observado quando o gene s100a10 foi expresso: os depósitos de cálcio aumentaram e as células manipuladas se mineralizaram mais rapidamente.
SERES HUMANOS
Uma das possíveis abordagens terapêuticas do estudo, no futuro, seria para tratar de casos de osteoporose em seres humanos, doença que deixa os ossos "fracos".
O que acontece é que em ossos saudáveis, dois tipos de células funcionam como forças opostos. São os osteoblastos e os osteoclastos. O primeiro grupo produz tecido ósseo novo. O segundo, destrói o tecido antigo.
Em um organismo saudável, esse mecanismo funciona em sintonia - ou seja, um lado vai destruindo ao mesmo tempo em que o outro vai construindo. A osteoporose é uma doença causada por um desequilíbrio no processo. No caso, os osteoclastos agem de forma mais intensa do que os osteoblastos. Como resultado, os ossos começam a se romper
"Ainda estamos no início da pesquisa, mas o objetivo final é descobrir como podemos aplicar a mesma biologia que permite a regeneração óssea em chifres de cervídeos para a judar a tratar doenças ósseas humanas, como a osteoporose", acredita Yang.
Os cientistas planejam continuar estudando ossos externos de diversas espécies de cervos, para confirmar se em todas elas o mecanismo gênico é o mesmo. "Há muito trabalho a ser feito, mas nosso estudo já começou a lançar as bases para futuros tratamentos", diz
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