Daniel Munduruku acusa Krenak de traição em disputa na Academia Brasileira de Letras
Puxou meu tapete, diz candidato indígena sobre autor de 'Ideias para Adiar o Fim do Mundo'; OUTRO LADO: Krenak afirma que não fez acordo de exclusividade
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Tudo indica que a próxima eleição da Academia Brasileira de Letras será uma das mais disputadas dos últimos tempos —e, desta vez, com um componente inédito (e histórico). Entre os 11 inscritos à cadeira 5, vaga desde a morte do historiador José Murilo de Carvalho, em agosto passado, há dois indígenas.
São eles o filósofo, poeta e escritor mineiro Ailton Krenak, 69, e o escritor, ativista e ator paraense Daniel Munduruku, 59. No ar na novela "Terra e Paixão", na qual interpreta o pajé Jurecê Guató, Munduruku não é um neófito: em 2021, ele concorreu à cadeira 12 da Academia e angariou nove votos no pleito, perdendo para o neurocirurgião Paulo Niemeyer Filho, com 25.
A candidatura de Munduruku, à época, foi defendida por uma carta de apoio assinada por mais de 100 autores brasileiros, como Chico Buarque, Ligia Bojunga, Alice Ruiz —e também Ailton Krenak. Não conseguiu a vitória, mas ficou satisfeito. "É uma boa votação, tanto que fui incentivado a tentar de novo. Disseram que eu seria o indígena que a Academia gostaria de ter entre os seus imortais", conta Munduruku à Folha, por telefone.
Mas havia Ailton Krenak no meio do caminho. Antes de submeter sua ficha de inscrição para a disputa, que acontece no próximo dia 5 de outubro, Munduruku diz ter ficado "abalado" com o que considerou uma "puxada de tapete" de Krenak. "Ele foi e se inscreveu primeiro", conta, acrescentando que os dois haviam combinado de não se enfrentar.
Krenak, hoje apontado como favorito, nega qualquer acordo e diz que "são muito graves" as afirmações do outro candidato. Segundo a Folha apurou, a historiadora carioca Mary Del Priore também tem grandes chances mas —até o momento— Krenak é barbada. Leia a seguir entrevistas com os dois indígenas que disputam a vaga em aberto na casa fundada por Machado de Assis.
Por que o senhor decidiu se candidatar de novo?
Munduruku: Porque depois da minha derrota para o Paulo Niemeyer, fui aconselhado por vários imortais a tentar de novo. Disseram que teria muitas chances porque seria o indígena que eles queriam.
Comenta-se que o senhor ficou magoado com a candidatura do Ailton Krenak. É verdade?
Claro. Fiquei abalado. Tinha um combinado nosso de que se fosse para ter um de nós [indígenas] na ABL, esse alguém seria eu. Ele puxou o meu tapete.
E o senhor falou com ele depois disso?
Sim, liguei no dia seguinte.
E como foi a conversa? Ele disse que não tinha o menor interesse em entrar para a Academia mas que havia sido bastante incentivado a sair candidato, então resolveu aceitar. Me garantiu que não faria campanha, mas no mesmo dia já estava fazendo seus contatos.
Pensou em sair da disputa? Eu cheguei a escrever no Twitter que seria capaz de desistir de um sonho se fosse o melhor para a causa, que se ele vencesse todos sairíamos ganhando. Depois me toquei que ele não era "a causa". A verdade é que nunca pensei em deixar de concorrer.
Krenak vem sendo apontado como favorito. Por que acha que merece mais a vaga do que ele? Sou da literatura há 30 anos, premiadíssimo, inclusive pela própria ABL. Tenho uma obra vasta, ensino indígenas a escrever. Eu que inventei a literatura indígena, isso não existia, sou pioneiro. Tenho direito adquirido sobre essa vaga e sei que se o Krenak entrar agora, eu não entro nunca mais.
Procurado pela Folha, Ailton Krenak concedeu a seguinte entrevista:
Por que o senhor resolveu disputar a eleição na ABL? Krenak: Fui surpreendido por uma nota no jornal dizendo que a vaga do José Murilo poderia ser ocupada por um indígena, no caso, o Ailton Krenak. Eu estava na aldeia e só soube três dias depois. Fiquei surpreso, eu não pensava nisso.
A nota saiu no jornal O Globo, empresa onde há décadas trabalha o presidente da Academia Brasileira de Letras, Merval Pereira. Acha que foi ele quem passou essa informação? Não sei desse tipo de fofoca, nem sabia que o Merval era presidente da Academia, só soube disso depois. Eu acho que quem passou isso foi a Academia Mineira de Letras, da qual faço parte. Parece que querem alguém de lá na ABL. Me sinto agraciado.
O senhor gostou da ideia e resolveu se inscrever então? Sim, fiz o rito ordinário e mandei e-mail com a minha inscrição.
O Daniel Munduruku diz que vocês haviam combinado que o indígena a disputar a vaga seria ele, que o senhor não teria interesse em entrar na ABL. É grave o Daniel fazer um comentário desse. Nunca fiz um trato com ele, sequer tomamos um café.
Ele não te ligou? Não. Nunca falei com ele sobre Academia Brasileira de Letras. Nunca reivindiquei nada, nunca fiz acordo para nada.
O senhor está em campanha para angariar votos? Não faço campanha nenhuma, tenho mais o que fazer.
O senhor é tido, até agora, como favorito. Caso seja eleito, pretende viver o dia a dia da ABL? Ainda não conheço os rituais internos da Academia, e acho que é folclore essa história de que há um encontro amigável toda semana em que eles tomam chá.
Não acredita que o chá dos imortais aconteça semanalmente, de fato? Seria infantil imaginar que senhores que moram longe, como no Maranhão, por exemplo, larguem tudo o que fazem para tomar chá às quintas-feiras. Eu moro a mil quilômetros da ABL, acho que não vão querer me botar uma tornozeleira como essa. Tenho a minha vida, muita coisa para fazer. Talvez fosse até melhor que escolhessem um indígena que circule mais, mas eu não vou fazer campanha para os outros, né?
O senhor não parece muito animado com a possibilidade de entrar para a Academia. Eu estou incomodado. Como te disse, só soube três dias depois da nota no jornal. Não estava no meu horizonte uma coisa dessas, estou desmarcando um monte de coisas para cumprir as burocracias e demandas da Academia sem sequer fazer parte dela. Não sei se quem já está lá dentro tem tanta demanda, imagino que não.
Pensa em desistir da candidatura? Não. Seria molecagem. Eu respeito a Academia e vou até o final, senão nem teria feito a inscrição. Não sei de onde você tirou essa ideia de que uma pessoa que entra na disputa pode desistir, ainda mais sendo o favorito.