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Descrição de chapéu The New York Times

Valor de avaliação da casa com dono negro nos Estados Unidos: US$ 472 mil; com branco: US$ 750 mil

Casal reclama de discriminação no estado americano de Maryland

Nathan Connolly e Shani Mott em sua casa em Baltimore - Shan Wallace/NYT

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Debra Kamin

Na metade do ano passado, Nathan Connolly, 44, e sua mulher, Shani Mott, receberam um avaliador de imóveis em sua casa, em Baltimore, com a expectativa de aproveitar as taxas de juros historicamente baixas e refinanciar a hipoteca do imóvel.

Eles acreditavam que sua casa –reformada e equipada com um aquecedor de água de última geração que custou US$ 5 mil (cerca de R$ 26 mil), e que tinha recebido mais US$ 35 mil (cerca de R$ 182 mil) em outras melhorias– viria a atingir uma avaliação muito mais alta do que os US$ 450 mil (cerca de 2,3 milhões) que pagaram por ela em 2017.

Os preços das casas vêm subindo muito nos Estados Unidos desde a pandemia; em Baltimore, a alta foi de 42% nos últimos cinco anos, de acordo com o site imobiliário Zillow.com.

Mas a 20/20 Valuations, uma avaliadora de imóveis de Maryland, estimou o valor da casa em US$ $472 mil (cerca de 2,4 milhões), e a loanDepot, uma empresa de financiamento de imóveis, negou o pedido de refinanciamento de hipoteca feito pelo casal.

Connolly disse que sabia o motivo: ele, sua mulher e os três filhos do casal, de 15, 12 e 9 anos, são negros. Professor de história na Universidade Johns Hopkins, Connolly é especialista em "redlining" –discriminação contra moradores de áreas consideradas como de alto risco para investimento– e no legado da supremacia branca nas cidades americanas, e grande parte de suas pesquisas se concentra no papel das questões raciais no mercado imobiliário.

Meses depois da primeira avaliação, o casal solicitou um segundo refinanciamento de sua hipoteca, depois de remover as fotos de família da casa e apresentar um colega branco –também professor da Johns Hopkins– como proprietário substituto. A segunda avaliação estimou o valor da casa em US$ 750 mil (cerca de 3,9 milhões).

Esta semana, Connolly e Mott abriram um processo contra a loanDepot, sediada em Foothill Ranch, Califórnia, e contra a 20/20 Valuations e seu proprietário, Shane Lanham, que conduziu a primeira avaliação.

"Estávamos muito cientes de que existe discriminação na avaliação", disse Connolly. "Mas ouvir de forma tão direta que nossa presença e a vida que construímos em nossa casa fazem com que o valor da propriedade despenque... É um golpe forte".

O setor de avaliação de imóveis, que se baseia ao menos em parte em opiniões subjetivas para traduzir os valores dos imóveis em dólares e centavos, vem enfrentando uma forte onda de críticas ao longo dos últimos dois anos.

Mais de 97% dos avaliadores de imóveis são brancos, de acordo com o Serviço de Estatísticas do Trabalho do governo americano, e desde a metade de 2020, quando o debate sobre raça e discriminação nos Estados Unidos ganhou destaque depois do assassinato de George Floyd, dezenas de proprietários negros de imóveis vêm se queixando de discriminação nas avaliações de imóveis que solicitaram. Alguns deles abriram processos judiciais e a governo Biden anunciou em março um conjunto de reformas planejadas para reorganizar o setor de avaliação e acabar com os vieses sistêmicos.

Connolly e Mott moram no bairro de Homeland, na região norte de Baltimore, conhecido por suas escolas públicas boas e arquitetura colonial, o que valeu à área inclusão no registro nacional de patrimônio histórico. A maioria de seus vizinhos é branca. De acordo com a queixa do casal, apresentada no tribunal distrital de Maryland, o casal solicitou à loanDepot o refinanciamento de sua hipoteca em maio de 2021. A instituição aprovou uma taxa de juros de 2,25% para a hipoteca e informou os proprietários de que sua casa naquele momento provavelmente valia US$ 550 mil (cerca de R$ 2,8 milhões) ou mais.

Para conduzir a avaliação, a loanDepot contratou a 20/20 Valuations.

Lanham realizou a inspeção em 14 de junho de 2021. De acordo com a queixa, Connolly, Mott e seus três filhos estavam em casa durante a visita, e o local estava repleto de fotos de família, desenhos, feitos pelas crianças, de figuras com pele escura, um pôster do filme "Pantera Negra" e literatura de autores negros –Mott é professora de literatura e estudos africanos.

"Seria óbvio para qualquer pessoa que visitasse a casa que ela pertencia a uma família negra", a queixa afirma. A avaliação foi de US$ 22 mil (cerca de R$ 114 mil) a mais do que o valor que casal havia pago pelo imóvel, e a loanDepot baseou sua rejeição ao pedido de refinanciamento nesse valor baixo.

O casal criticou a maneira pela qual Lanham conduziu sua avaliação. Os avaliadores de imóveis frequentemente empregam uma abordagem de vendas comparativas, sob a qual ponderam o valor do imóvel levando em conta os preços de venda de casas semelhantes e localizadas na mesma área, a fim de determinar um valor.

Para a avaliação de Lanham, ele selecionou três casas com valores que variavam de US$ 435 mil (cerca de R$ 2,2 milhões) a US$ 545 mil (cerca de R$ 2,8 milhões), e desconsiderou uma quarta que tinha sido vendida por US$ 650 mil (cerca de R$ 3,3 milhões).

A primeira das casas que ele selecionou, argumenta a queixa, seria classificada como "necessitando de reforma", o que não é o caso da casa de Connolly e Mott. A segunda ficava fora dos limites do bairro de Homeland, em meio a um bloco de casas que o Censo aponta como ocupadas majoritariamente por moradores negros.

No caso da terceira, o avaliador deduziu US$ 50 mil (cerca de R$ 260 mil) do valor de comparação porque a casa de Connolly e Mott fica em uma rua movimentada –dedução que a queixa define como "excessiva e incompatível com as práticas de avaliação aceitas". Outros US$ 20 mil (cerca de R$ 104 mil) foram deduzidos por questões de qualidade de construção.

Todas as casas selecionadas para comparação, afirma a queixa, eram de qualidade inferior à da casa de Connolly e Mott, e a avaliação indicou incorretamente que o imóvel deles não tinha recebido qualquer melhoria em 15 anos.

De acordo com a queixa, Lanham "escolheu casas de valor baixo como referência para a comparação", e ao fazê-lo "ignorou casas legitimamente comparáveis e com preços de venda muito mais altos". Contatado por telefone, Lanham se recusou a comentar.

Connolly e Mott escreveram uma carta a Christian Jorgensen, executivo de empréstimos da loanDepot que vinha sendo seu seu principal ponto de contato com a empresa até aquele momento, contestando a avaliação. De acordo com a queixa, depois disso Jorgensen parou de atender aos seus telefonemas.

Jorgensen não respondeu a pedidos de comentários.

Vários meses depois, o casal solicitou um novo financiamento à Swift Home Loans, que opera em parceria com a Rocket Mortgage. Para fazê-lo, eles decidiram conduzir uma "experiência alvejante" e removeram da casa os indicadores de negritude, substituindo-os por sinais de que uma família branca vivia lá. Tiraram das estantes as obras de autores negros. Pediram a amigos brancos para usar fotos de suas famílias e as espalharam pela casa em porta-retratos. As paredes foram decoradas com gravuras compradas na Ikea e que mostravam pessoas brancas.

Uma bandeira americana que foi dada a Mott 10 anos atrás, depois da morte de seu pai, veterano da Guerra do Vietnã, foi tirada da armazenagem, emoldurada e colocada sobre a lareira.

"Tivemos que conversar com nossos filhos sobre o motivo de estarmos retirando todos os desenhos deles", disse Connolly. "É muito humilhante se despojar de sua própria casa".

No dia da segunda avaliação, eles saíram de casa e pediram que o colega branco recebesse o avaliador. O segundo avaliador ofereceu uma estimativa de US$ 750 mil (R$ 3,9 milhões).

As casas usadas para comparação pelo segundo avaliador tinham valor significativamente mais alto do que as selecionadas por Lanham, com preços de venda de entre US$ 749 mil (cerca de R$ 3,9 milhões) e US$ 785 mil (cerca de R$ 4 milhões). E enquanto Lanham reduziu em US$ 50 mil (cerca de R$ 260 mil), ou 10%, o valor da casa por ela ficar em uma rua movimentada, o segundo avaliador fez uma dedução de US$ 15 mil (cerca de R$ 78 mil), ou 2%. A queixa diz que a dedução de 2% é compatível com os padrões do setor.

A raça vem desempenhando papel importante na política habitacional nos Estados Unidos há muito tempo, e os negros americanos recebem um número desproporcional de recusas às suas solicitações de hipotecas. O efeito do "redlining", uma política habitacional racista da era da Depressão, continua a reduzir o valor das casas nos bairros negros e a privar de recursos as comunidades não brancas.

Mas Mott e Connolly não vivem em um bairro negro. A disparidade em suas duas avaliações ecoa um processo judicial movido por Tenisha Tate-Austin e Paul Austin, um casal negro da região da baía de San Francisco, Califórnia, que acusa um avaliador de reduzir em US$ 50 mil (cerca de R$ 260 mil) o valor de sua casa. O caso, disse Austin, tem agendada para setembro uma audiência de mediação –uma chance de resolver o assunto antes que ele chegue ao tribunal. "Queremos que as pessoas arquem com suas responsabilidades", disse Austin.

O Departamento de Justiça do governo federal americano adotou em fevereiro a atitude incomum de emitir uma declaração de interesse quanto ao caso dos Austin, ressaltando o fato de que os avaliadores, que sob a Lei de Igualdade na Moradia de 1968, têm a obrigação de não discriminar, podem ser considerados legalmente responsáveis caso o façam. Austin disse que foi um grande passo que o presidente Joe Biden e a vice-presidente Kamala Harris tenham declarado que desejam que as práticas do setor de avaliação sejam reformadas.

"Mas acredito que serão necessários mais alguns processos para que os avaliadores parem de desvalorizar as propriedades das pessoas não brancas", ele disse. "Isso é um aspecto histórico do valor atribuído às vidas das pessoas não brancas".

A intervenção do Departamento da Justiça no caso Austin veio alguns meses depois que o presidente Biden anunciou a criação de uma força-tarefa combinada de avaliação de imóveis e equidade na avaliação, que tem como objetivo estudar as causas dos vieses de avaliação e executar um plano de ação para erradicá-los do setor. A força-tarefa é liderada por Susan Rice, assessora de política interna da Casa Branca, e Marcia Fudge, secretária de Habitação e Desenvolvimento Urbano. Funcionários importantes do Departamento Habitação e Desenvolvimento Urbano dizem que estão trabalhando há um ano para reforçar a governança da Appraisal Foundation, que estabelece padrões para os avaliadores.

Naturalmente, não é incomum que avaliações fiquem muito distantes do valor real de mercado –um estudo em 2012, por exemplo, identificou uma grande distância entre os valores estimados dos imóveis e seus preços concretos de venda.

Mesmo assim, a discriminação nas avaliações continua a incomodar aqueles que trabalham no setor. James Park, diretor executivo do Subcomitê de Avaliações, uma agência federal independente que monitora a Appraisal Foundation, disse estar profundamente incomodado com as acusações de avaliações discriminatórias que continuam a vir à tona. "É uma preocupação, e deveria ser uma preocupação para todo setor de avaliação, assim como para os financiadores de hipotecas", disse Park.

John Relman, sócio diretor do escritório de advocacia Relman Colfax, que representa Connolly e Mott, disse que "a discriminação na avaliação é insidiosa por ser muito matizada. Mas o que é único neste caso é que não se trata de um caso típico de ‘redlining’. Ninguém é mais realizado do que as duas pessoas envolvidas. Eles fizeram tudo o que o mercado lhes disse para fazer, e investiram em uma comunidade onde todos os demais moradores se beneficiam do aumento nos valores dos imóveis. E mesmo assim continuam a ser discriminados".

Traduzido originalmente do inglês por Paulo Migliacci