Você viu?
Descrição de chapéu

Como surgiu há 100 anos o truque da mulher cortada em dois

O truque da mulher cortada ao meio é um clássico da magia que no dia 17 de janeiro completou um século - Getty Images

Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:

Oferta Exclusiva

6 meses por R$ 1,90/mês

SOMENTE ESSA SEMANA

ASSINE A FOLHA

Cancele quando quiser

Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.

BBC News Mundo

Como qualquer truque de mágica, suas origens são um tanto misteriosas.

Mas, embora existam versões que afirmam que o truque vem do antigo Egito, e outras de que ele foi executado pela primeira vez antes do Papa Pio 7°, no início do século 19, há um consenso geral de que esses relatos têm pouco embasamento.

O que está documentado é que há 100 anos o mágico britânico P.T. Selbit foi o primeiro a introduzir uma assistente em uma caixa de madeira como parte de seu ato. Ele fechou a caixa e começou a serrá-la ao meio, perante uma plateia atônita.

Aconteceu há cem anos no Finsbury Park Empire Theatre, em Londres, no dia 17 de janeiro de 1921.

Um século depois, o truque ainda faz parte do repertório de muitos ilusionistas, embora o ato hoje muitas vezes seja consideravelmente diferente daquele com o qual Selbit fascinou seu público.

Mulher serrada

O ato que Selbit chamou de "Serrar uma mulher" consistia em introduzir uma assistente em uma caixa de madeira um pouco maior que um caixão.

A mulher entrava com as mãos e pés amarrados. Selbit fechava a caixa, mantendo a mulher longe da vista do público.

Então ele pegava uma serra e começava a serrar a caixa ao meio.

O truque acabava quando ele abria a gaveta novamente, revelando que a assistente ainda estava intacta.

Nas muitas imitações que surgiram, o ato ficaria ainda mais ousado, com gavetas especiais revelando a cabeça, as mãos e os pés da assistente supostamente mutilada.

A caixa deixou de ser usada diretamente e as assistentes foram "serradas" à vista de todos.

Mas para o P.T. Selbit — cujo nome real era Percy Thomas Tibbles e usava uma versão de seu sobrenome ao contrário como seu nome artístico — não é apenas creditado por ser o primeiro a apresentar o truque da mulher serrada em público.

Também consideram que a manobra marcou uma nova era do ilusionismo que, além disso, teve importantes repercussões culturais.

O papel da mulher

De acordo com o americano especialista em mágica Jim Steinmeyer, que escreveu extensivamente sobre a história da profissão, o enorme sucesso do novo truque de Selbit não teve apenas a ver com sua inteligência, mas também com seu senso de oportunidade.

Steinmeyer argumenta que o público, que havia sido psicologicamente golpeado após a Primeira Guerra Mundial (1914-18), estava cansado dos truques de mágica tradicionais e queria algo novo para surpreendê-lo.

Em seu livro "Hiding the Elephant: How Magicians Invented the Impossible" (Escondendo o elefante: como mágicos inventaram o impossível), Steinmeyer enfatiza que o show de Selbit também definiu uma nova tendência: a da assistente atraente e vulnerável.

Até então, era comum que homens e mulheres ajudassem os mágicos em seus atos.

Mas os vestidos volumosos da era vitoriana tornavam difícil para uma mulher participar de uma ilusão que exigia que ela entrasse em um espaço confinado, como uma caixa.

A nova moda reveladora da década de 1920 mudou isso, tornando comum a inclusão de mulheres atraentes exibindo as pernas nos espetáculos.

Steinmeyer diz que depois do sucesso do truque de Selbit "a imagem da mulher em perigo tornou-se uma moda específica no entretenimento".

Sufragistas

Alguns argumentam que havia outro motivo relacionado às mulheres que explica por que esse novo truque se tornou tão popular.

Uma das questões mais quentes no Reino Unido em 1921 era o sufrágio feminino.

Depois de décadas de luta, o movimento sufragista, liderado por Emmeline Pankhurst, conseguiu a aprovação de uma lei em 1918 permitindo que mulheres com mais de 30 anos votassem em certas circunstâncias.

Embora isso não fosse suficiente para as sufragistas — elas continuaram exigindo o voto igualitário, que só chegaria em 1928 —, uma parte importante da sociedade se opunha ao voto das mulheres.

De acordo com Noel Britten, presidente do The Magic Circle, um dos mais antigos clubes de mágica, a controvérsia sobre o sufrágio feminino teve um papel na popularidade do truque de Selbit.

"Para cada pessoa que achava ótimo que as mulheres votassem, havia outras pessoas que achavam legal colocar uma mulher em uma caixa e cortá-la ao meio", disse ele ao jornal The Guardian.

A verdade é que o próprio Selbit alimentou a polêmica.

A acadêmica Naomi Paxton, chefe do escritório de igualdade e diversidade do The Magic Circle, diz que o mágico convidou Christabel Pankhurst, filha de Emmeline e outra sufragista famosa, para ser sua assistente durante o ato da mulher serrada.

Isso aconteceu depois que Pankhurst publicou um anúncio em um jornal em busca de "trabalho remunerado e apolítico".

Pankhurst, como era esperado, recusou a oferta.

Fama desviada

Apesar da enorme popularidade que teve o espetáculo de Selbit, o mágico britânico não conseguiu capitalizar sua fama.

Principalmente porque outros pegaram a ideia dele e até melhoraram.

Um desses emuladores foi o mágico americano Horace Goldin, que, meses depois de Selbit apresentar seu ato em Londres, criou sua própria versão para o público dele.

Goldin foi o primeiro a mostrar a cabeça, mãos e pés da assistente durante a ilusão.

Mas ele também teve outra ideia de gênio: patenteou seu ato, impedindo que outros o imitassem.

Então, quando Selbit começou uma turnê pelos Estados Unidos para apresentar o show que tinha feito tanto sucesso no Reino Unido, ele descobriu que não podia nem usar o nome original do truque.

Goldin patenteou o título "Serrando uma Mulher" e vários outros semelhantes. No final, o mágico britânico teve que se contentar em chamar seu famoso truque de "A Mulher Dividida", que tinha muito menos impacto.

Embora ele tenha tentado processar Goldin, o tribunal determinou que o truque do americano era diferente o suficiente para ser considerado novo.

Isso certamente explica porque poucos de nós ouvimos falar de P.T. Selbit, apesar do fato de que seu truque mágico ainda seja popular um século depois.