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O que dizem budismo e hinduísmo sobre carma e reencarnação

O carma, e também a reencarnação, são conceitos complexos e que variam de acordo com diferentes tradições do budismo e do hinduísmo - BBC News Brasil/Getty Images

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Margarita Rodríguez

O Buda dizia que certas coisas são impensáveis e impossíveis de serem resolvidas, mesmo que as pessoas tentem refletir muito sobre elas.

"Uma delas é tentar entender a lei do kamma ou karma, outra é especular sobre a origem do universo —se foi criado ou não", explica o monge budista Bhikkhu Nandisena à BBC News Mundo (serviço em espanhol da BBC).

Kamma é o termo em páli, a língua relacionada ao sânscrito pela qual o Buda se expressava. Karma é o termo em sânscrito. O conceito faz parte da descoberta de Buda da "realidade última", uma realidade "inefável", diferente da realidade convencional.

O carma, e também a reencarnação, são conceitos complexos e que variam de acordo com diferentes tradições do budismo e do hinduísmo. A BBC News Mundo buscou explicá-los com a ajuda de dois pesquisadores —mesmo considerando as limitações nesta compreensão, segundo disse o próprio Buda.

NO BUDISMO

Siddhartha Gautama, o Buda, nasceu há cerca de 2.500 anos na realeza do que hoje é o Nepal. Ele deixou uma vida de privilégios e luxo e entrou em um processo de profunda transformação espiritual que durou vários anos.

Estima-se que o budismo tenha hoje mais de 370 milhões de seguidores em todo o mundo, distribuídos em várias escolas —como a Theravada, à qual Nandisena pertence.

O monge explica que, de acordo com o Buda, existem três portas de ação: o corpo, a linguagem e a mente. "Por meio da linguagem e do corpo, interagimos com os outros e podemos fazer boas ações ou causar danos e sofrimento a outros seres sencientes."

A da mente é uma porta privada que leva ao corpo e à linguagem. "É por isso que parte da ética no budismo tem a ver com as portas do corpo e da linguagem, que são as portas, digamos, públicas", diz o monge.

"Cada vez que realizamos uma ação através da porta do corpo, da linguagem ou da mente, geramos o que é chamado de kamma." Segundo disse o Buda, bilhões de momentos de consciência surgem e cessam em um piscar de olhos.

"Imagine que numa ação verbal ou corporal, que pode durar um determinado período de tempo, estão envolvidos bilhões de momentos de consciência, que são o que, em nosso estado mental, nos impulsiona a realizá-la", diz o estudioso.

"Cada um desses momentos é o que poderíamos chamar de unidade kamma ou unidade kammica e, tecnicamente falando, isso é o kamma."

"Chamamos isso de volições e, de acordo com a descoberta do Buda, cada um desses estados volitivos que acompanham as ações gera uma potencialidade." Ou seja, cada vez que dizemos, fazemos ou pensamos algo, há uma intenção —e geramos uma potencialidade.

Quando tomamos uma ação, por exemplo de generosidade, compaixão ou algo prejudicial a outros seres, uma potencialidade é produzida. "Essa potencialidade permanece como tal até que as circunstâncias ou condições sejam satisfeitas para que um resultado seja produzido."

É por isso que os textos falam do kamma "assíncrono", porque o efeito da ação —que pode ser mental ou material— pode ser retardado.

RECONEXÃO

O monge ressalta que existem certas propriedades ou fenômenos materiais que estão na base das consciências que temos. "Cada um de nós tem seis tipos diferentes de consciência: a consciência do olho, a do ouvido, do nariz, da língua, do tato e da mente. Todas elas dependem de propriedades materiais para surgir."

"De acordo com o budismo, no momento em que o espermatozoide e o óvulo se unem, há uma implantação externa, separada da matéria do pai e da mãe, que é o que chamamos de reconexão."

É nesse momento que surge "o suporte da consciência", de cuja evolução se desenvolvem as diferentes habilidades sensoriais. Enquanto dava essas explicações, o monge me perguntou: "Você é igual a quando era criança?"

Ele mesmo respondeu: "Se me perguntam, eu digo: não sou o mesmo, mas também não sou outra pessoa. Se não fosse por aquela criança, eu não estaria aqui agora."

Ainda que as propriedades materiais da consciência eventualmente desapareçam, o que é acompanhado pela morte, há uma continuidade da consciência mental.

Nandisena diz que, embora alguns ramos do budismo usem o termo reencarnação, ele não segue esta escolha. "Tecnicamente, usamos o termo reconexão, que é a tradução direta do páli. Talvez usar renascimento seja um pouco mais compreensível."

"Não usamos o termo reencarnação porque literalmente não há nada que aconteça de um momento para o outro. Há uma continuidade, mas não uma identidade. Não há nada da consciência anterior que seja transmitido como uma essência para a próxima consciência."

O monge resume que, "quando falamos sobre reconexão, estamos falando sobre o efeito de kamma".

Mas muitas pessoas falam coloquialmente do carma ao se referir a uma consequência em suas vidas. "Na verdade, carma é literalmente a ação; a relação entre essa ação e seu resultado é o que se chama de lei do kamma ou karma."

"Podemos entender a lei do kamma do ponto de vista da responsabilidade nas nossas ações, a parte ativa: ou seja, quando alguém faz algo errado, é responsável por causar dano a outro ser."

"Essa parte da lei do kamma em relação à causa não é tão difícil de entender; o que é difícil de entender é a relação entre causa e efeito."

"Quando algo acontece a alguém, como estabelecer uma ligação entre o efeito e a causa? Isso é impossível, mas mesmo assim, o Buda diz que, uma vez que somos donos das ações, também somos donos do que nos acontece."

"Essa é a parte mais difícil de aceitar da lei do kamma. De acordo com os ensinamentos de Buda, isso é chamado de o Entendimento Correto."

​NO HINDUÍSMO

Doutor em filologia sânscrita pela Universidade Hindu Banaras (Índia), Óscar Pujol explica que, nas principais correntes da filosofia e do pensamento indiano antigo, "há um consenso absoluto sobre a existência da reencarnação e do carma".

"É engraçado como na Índia antiga isso era tão óbvio que quase não precisava de qualquer prova", explica o autor. Hoje, estima-se que mais de 900 milhões de pessoas seguem o hinduísmo no mundo. Esta é a religião majoritária na Índia e no Nepal.

Diferente de muitas outras religiões, o hinduísmo não tem um único fundador, nenhuma escritura e tampouco um conjunto de ensinamentos comumente aceitos.

Trata-se de uma das religiões mais antigas do mundo. Seus elementos datam de muitos milhares de anos. Mas alguns estudiosos preferem referir-se ao hinduísmo como "um modo de vida" ou "uma família de religiões", em vez de uma única religião.

UMA LEI BÁSICA

Pujol explica que o carma, na perspectiva hindu, é uma espécie de lei "própria do mundo material". "Muitas pessoas já disseram: é como o conceito de gravidade na física."

"O carma é algo tão simples quanto a lei de causa e efeito: existe uma causa, ela produz um efeito que, por sua vez, se torna a causa de outro efeito."

E essa cadeia contínua de causas e efeitos é o que constitui "a existência do universo e do ser humano". Há nisto também uma dimensão moral, porque implica que toda ação humana "terá uma consequência".

"Portanto, uma ação positiva terá um resultado positivo e uma ação negativa terá um resultado negativo. É simples assim."

Pujol explica que o conceito de karma está relacionado à ideia de que o ser humano tem três corpos. Esta divisão também é fundamental para entender a reencarnação. "Mas vou me concentrar apenas em dois deles: um (corpo) que todos nós vemos, o material; e um corpo sutil."

Seguindo a escola Vedanta, o corpo sutil tem 17 partes: os 5 sentidos da percepção; as 5 capacidades de ação (relacionadas ao movimento); os 5 ares vitais (aqueles que fazem a circulação e a respiração funcionarem); a mente e o intelecto.

O corpo sutil é "de certa forma uma espécie de alma", diz Pujol, embora ele esclareça que não é todo o corpo sutil que reencarna, mas apenas uma parte. "Esta parte do corpo sutil, que reencarnou com a morte, é que se torna o que os atos bons ou maus determinarem."

"Quando a parte física morre, então os sentidos são retirados da mente, os ares vitais são retirados, até que apenas a parte do corpo sutil que vai reencarnar permaneça."

O intelecto, junto com o reservatório cármico, a citta, é o que migrará para outro corpo. "A citta é como a parte em que ficam gravadas todas as ações que realizamos na vida. É como o disco rígido, tudo fica armazenado lá".

Nesse processo, também fica a parte da mente entendida como um processador de dados que nos permite conhecer e perceber o mundo.

"A impressão latente é o que se produz na mente quando temos uma percepção, e é a matéria-prima da memória. Por isso, nossa mente é composta por um número infinito de impressões latentes, que podem ser modificadas de acordo com a experiência."

Essas impressões "são o que, em última análise, determinam a reencarnação: se o karma é bom, elas têm carga positiva e, se for mau, têm carga negativa".

Já o "sentido do eu" não reencarna. "É por isso que na nova vida não sabemos quem éramos antes. Perdemos nosso senso do antigo eu."

O autor esclarece que tanto o carma bom quanto o mau devem ser "abandonados", pois "estamos acorrentados ao bem e ao mal".

"Tanto as boas quanto as más ações nos prendem e, para nos libertarmos, temos que superar tanto o bom quanto o mau karma por meio do karma yoga", diz, referindo-se à prática hindu que envolve servir aos outros abnegadamente.

REENCARNAÇÕES

Embora haja muitos debates, explica Pujol, "normalmente admite-se que pode haver reencarnação em qualquer tipo de ser, não necessariamente humano". E o ciclo é "infinito".

Por se tratar de uma lei tão inequívoca, "a grande obsessão da literatura sânscrita do pensamento antigo é justamente como se livrar do karma".

"É algo possível, mas muito difícil porque vivemos prisioneiros da ignorância. Superar essa ignorância essencial é muito complicado", explica.

"O karma é o destino. No sentido profundamente moral, ele diz que você domina o que acontecerá com você no futuro se agir de acordo agora."

Pujol pondera que, embora sob alguns pontos de vista o carma possa parecer "um pouco cruel", considerando todo o mal que há no mundo, ele tem um aspecto "profundamente ético e libertador".

"Somos donos do nosso destino", diz o estudioso do hinduísmo.