Por que geração millenial enfrenta estresse e burnout em cargos de chefia
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A gerência de nível médio sempre foi uma posição difícil. Mas os jovens trabalhadores que estão ocupando esses cargos hoje em dia enfrentam um conjunto de circunstâncias específico que favorece o estresse e o burnout. O que vem a seguir?
Ao candidatar-se a uma promoção no trabalho no ano passado, Lea, uma jovem com 25 anos de idade da Pensilvânia, nos Estados Unidos, estava confiante de que conseguiria o posto.
"Era um cargo de gerência de nível médio em uma organização sem fins lucrativos do setor de comunicações, essencialmente para gerenciar a equipe onde eu já trabalhava", relembra ela.
Lea conseguiu a promoção e um aumento de salário, mas as coisas rapidamente deram errado. Lea não divulga o seu sobrenome porque ela ainda trabalha na mesma companhia, mas sentiu a sobrecarga de trabalho muito cedo. Isso gerou exaustão física e mental. Cada dia era uma luta.
"Todo mundo enfrenta suas angústias no trabalho, mas eu realmente gostava do meu emprego antes de ser promovida. De repente, não gostava mais", conta ela. Depois de apenas nove meses, Lea pediu demissão do cargo. "Só quando me afastei, eu compreendi o quanto eu havia absorvido".
A gerência de nível médio pode ser um cargo difícil, devido à alternância constante entre os supervisores, acima, e os supervisionados, abaixo. Ela pode ser fonte de isolamento e cobranças.
Uma pesquisa feita em 2015 pela Universidade Columbia, nos Estados Unidos, concluiu que 18% dos chefes em nível médio relataram sintomas de depressão, em comparação com 12% dos trabalhadores braçais e 11% dos empresários e executivos.
Pesquisas feitas durante a pandemia demonstraram que os chefes em nível médio estão enfrentando mais dificuldade para manter relacionamentos no local de trabalho que os superiores —e apenas a metade deles sente que pode confiar nos seus colegas.
E os chefes em nível médio que são da geração millenial são mais propensos a sentir a pressão. Um estudo da seguradora MetLife concluiu que os chefes da geração millenial possuem propensão a burnout muito maior que os chefes de qualquer outra geração.
Isso ocorre, em parte, porque eles cresceram em uma cultura que glorifica a sobrecarga de trabalho, além de serem de uma geração que foi sobrecarregada com a responsabilidade de cuidar dos pais e dos filhos. E, com a pandemia chegando à marca de dois anos, não é surpresa que os chefes da geração millenial em nível médio estejam exaustos, desmotivados e estressados.
Além dos chefes da geração millenial, quase todos os trabalhadores estão sentindo alguma forma de estresse no trabalho durante a pandemia. Mas as estatísticas demonstram que as mulheres são o grupo que mais sofre com burnout.
Segundo uma pesquisa conduzida pelo LinkedIn com quase 5.000 norte-americanos, 74% das mulheres afirmaram que estavam estressadas, em maior ou menor nível, por motivos relativos ao trabalho, em comparação com apenas 61% dos homens empregados participantes.
PRESSÃO POR RESULTADOS
A gerência de nível médio sempre foi problemática. Em muitos casos, esses cargos são concedidos a funcionários mais jovens, promovidos pela primeira vez. Chefes jovens, que querem provar a si mesmos, muitas vezes lutam para encontrar o seu lugar na dinâmica profissional.
E a gerência de nível médio, por definição, exige que eles desempenhem papéis duplos, assumindo a responsabilidade pelos seus funcionários subordinados e ainda se reportando aos seus superiores.
Por ser uma chefe jovem há pouco tempo no cargo, Lea afirma que sentiu que tinha que provar alguma coisa. "Acho que existe muita pressão por resultados para quem é jovem em cargo de chefia", segundo ela.
"Depois que fui promovida, às vezes eu ficava confusa, sem saber onde a minha posição se comparava com a de outros chefes. Nem sempre ficava claro quais eram essas relações. As pessoas que trabalhavam comigo, em sua maioria, eram muito mais velhas que eu e isso tornava as coisas mais difíceis."
Os desafios também se estenderam aos seus subordinados diretos. "Eu estava chefiando pessoas com a mesma idade que eu", conta ela. "Eu tinha apenas alguns meses a mais de experiência que as pessoas que eu chefiava. Eu havia conseguido o cargo porque estabeleci boas técnicas de liderança, mas também tinha medo de ser assertiva demais ou dominante."
Essa é a "pressão" da gerência de nível médio, segundo Jacob Hirsh, professor de comportamento organizacional da Universidade de Toronto, no Canadá. É estressante imaginar como cuidar dos problemas dos funcionários e, ao mesmo tempo, executar as políticas da gerência superior, mas isso é fundamental para um ambiente de trabalho saudável. "É um cargo necessário", afirma ele, "mas é uma posição estruturalmente difícil".
Lea afirma que ela ficou surpresa ao ver como estar na posição intermediária pode ser isolador. "Eu não tinha uma equipe de chefia para trabalhar comigo. Eu apenas me reportava para cima e para baixo. Meus subordinados diretos tinham uns aos outros para se queixar ou falar sobre problemas que estivessem enfrentando, mas eu não tinha isso. Eu me dava bem com todos que trabalhavam comigo, mas simplesmente não era a mesma coisa."
Também é difícil ser a pessoa que distribui as políticas ou atribui tarefas que podem causar ira entre os funcionários. Pode ser difícil, segundo Hirsh, encontrar o equilíbrio entre a compaixão e a responsabilidade.
"De um lado, os gerentes superiores dizem 'aqui está o que você precisa fazer'", segundo ele. "Mas os chefes em nível médio observam o que está acontecendo com seus funcionários e, naturalmente, precisam assumir algum nível de responsabilidade. Se você os ignorar, terá uma equipe desgastada, o que irá prejudicar os níveis inferiores. Não é questão de gerenciar apenas o trabalho, mas também o bem-estar dos funcionários."
GERAÇÃO DO BURNOUT?
Simplesmente devido à sua idade —25 a cerca de 40 anos de idade—, os chefes em nível médio, em sua maioria, são millenials.
O fato de serem membros dessa geração pode predispô-los ao burnout. O seu tempo no mercado de trabalho coincidiu com o surgimento da "cultura do trabalho excessivo": a ideia de que, quanto mais tempo e energia alguém despende no trabalho, mais sucesso ele merece.
Shilpa Panchmatia, instrutora de crescimento comercial em Londres, afirma que os millenials também presenciaram o crescimento de uma cultura tecnológica na qual "o trabalho nos segue em toda parte, a todo tempo", além do "colapso absoluto das fronteiras entre o trabalho e a vida privada".
E, mesmo antes do aumento da tensão causado pela pandemia, ela observa que os millenials podem ser mais suscetíveis ao burnout que as outras gerações.
"Eles começaram a entrar no mercado de trabalho no pico da recessão de 2008, o que os tornou obcecados pelo trabalho e concentrados no sucesso, algo que talvez as gerações mais velhas e as gerações seguintes aos millenials não tenham sofrido", afirma Panchmatia.
"Para eles, foi mais difícil entrar no mercado e formar uma carreira, pois, enquanto eles tentavam, o mundo estava se recolocando no lugar."
Outro fator primordial pode ser o fato de que os millenials são, nas palavras de Jacob Hirsh, "uma 'geração sanduíche'". "Eu sou millenial. Tenho dois filhos jovens em casa e minha mãe mora conosco. Existe dependência mútua", afirma ele.
"Parece que a família da era dos millenials tem a mesma estrutura da gerência de nível médio. Você está sempre sendo puxado em duas direções."
Lea, que é cuidadora de um dos seus pais, conta que o trabalho começou a invadir sua vida pessoal com muita rapidez. "Percebi que estava frequentemente respondendo a emails e conversas no hospital e comecei realmente a me ressentir disso", relembra ela.
O PREÇO DO BEM-ESTAR NA PANDEMIA
A pandemia intensificou os fatores de estresse profissional de todos os tipos e os chefes da geração millenial em nível médio captaram a pior parte. A transição para o trabalho à distância tornou o aspecto mais básico do seu trabalho —o gerenciamento diário dos funcionários— muito mais difícil.
Ao mesmo tempo, a responsabilidade pelo bem-estar mental e emocional dos funcionários disparou e muitos chefes em nível médio se encontraram lutando para evitar que seus subordinados diretos sofressem burnout.
Mas, como Lea percebeu, reduzir o estresse dos membros da equipe pode significar mais estresse para o próprio chefe. Ela conta que acabou assumindo trabalho dos seus subordinados diretos.
"Eles diziam: 'nós estamos sobrecarregados, estamos esgotados'. Eu sabia que era comigo. Eu assumi trabalho a mais para que a minha equipe não se esgotasse, porque isso traria más consequências para mim. Eu precisava manter contato pessoal com cada um deles regularmente e eles diziam 'alguém na minha família está doente, alguém acabou de morrer, acabei de me separar'. Eu também estava passando por muita coisa, mas saber o que todos eles estavam enfrentando me impedia de pedir a qualquer pessoa que assumisse mais trabalho."
Mas ser responsável por aliviar o burnout dos demais é um bom caminho para que os chefes em nível médio acabem sofrendo de burnout, segundo Hirsh, e isso inicia um círculo vicioso.
"Quando você próprio está esgotado, fica mais difícil sustentar o bem-estar dos demais", afirma ele. "Um chefe estressado, desgastado e sobrecarregado apenas permite que o burnout continue. Quando os chefes em nível médio caem, não existe uma rede de suporte para eles."
NOVAS VIAS DE DESENVOLVIMENTO?
A situação pode ser desfavorável para os chefes da geração millenial em nível médio, mas existem formas de reduzir o estresse dessa posição.
Para Shilpa Panchmatia, limites são vitais. Os chefes em nível médio, talvez mais que qualquer outro grupo, precisam monitorar e evitar o excesso de trabalho. "Nós deveríamos cumprir horas de trabalho razoáveis", afirma ela —um exemplo que é mais bem definido pelos gerentes desses chefes em nível médio.
"É preciso estabelecer uma cultura dentro da companhia que diga: 'veja, não é saudável trabalhar até seis ou sete da noite'", segundo Panchmatia.
Os gerentes superiores também podem auxiliar, oferecendo aos chefes em nível médio a liberdade de gerenciar suas equipes da forma que eles acharem adequada, o que pode ajudar a formar sua própria identidade como chefes.
"Definir expectativas claras é importante, mas isso pode ser feito sem microchefias", afirma ela. "Se deixarmos de ser dirigidos por tarefas e passarmos a ser dirigidos pela produtividade, com chefes que incentivem e promovam a produtividade, permitindo que ela aconteça em qualquer lugar, acredito que todos os funcionários serão pessoas mais felizes."
Jacob Hirsh afirma que pequenos ajustes podem ajudar a reduzir o estresse. "Desempenhar simultaneamente dois papéis com identidades diferentes, um para a chefia superior e outro para os seus funcionários, é um poderoso gatilho para o estresse, conflitos e ansiedade".
Para combater isso, ela orienta que os chefes da geração millenial devem cuidar de programar reuniões separadas com a chefia superior e os subordinados. "Medidas simples como essa aparentemente não são importantes, mas manter essa distância entre os papéis, psicologicamente, pode possibilitar o desempenho de ambos sem que eles interfiram entre si."
Esse tipo de limite pode ajudar a evitar que os chefes em nível médio se sintam constantemente como uma corda no meio de uma disputa de cabo de guerra.
E também é saudável reconhecer que, às vezes, a chefia não é para todos. As empresas podem atender melhor seus funcionários encontrando formas de criar caminhos de desenvolvimento e promoção que não exijam que as pessoas se tornem chefes em nível médio, nem que sejam responsáveis por outros funcionários.
"Eu me sinto devastada por deixar [o cargo], mas, ao mesmo tempo, acho que eu sabia o que era certo para mim", conta Lea.
"Eu não tenho desejo de gerenciar pessoas e acho que precisei aprender isso do modo mais difícil. É claro que eu queria — e ainda quero — que a minha carreira avance. Mas eu gostaria que houvesse caminhos mais claros para as pessoas que querem avançar nas suas carreiras, mas não querem ocupar cargos de chefia."
Leia a íntegra desta reportagem (em inglês) no site BBC Worklife.