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A linguagem usada para descrever os alimentos que comemos pode ter um grande efeito em como os percebemos: "orgânicos", "artesanais", "caseiros" e "selecionados" soam um pouco mais tentadores do que os prosaicos "enlatados", "reidratados" ou "liofilizados".
Outro adjetivo que pode abrir nosso apetite é "natural", enquanto tendemos a associar "processado" a produtos com uma longa lista de ingredientes impronunciáveis. Mas no que diz respeito à nossa saúde, será que o natural é sempre melhor do que o processado?
Na verdade, o fato de estar in natura não significa automaticamente que um alimento é saudável, diz Christina Sadler, gerente do European Food Information Council e pesquisadora da Universidade de Surrey, no Reino Unido.
Alimentos naturais podem conter toxinas e um processamento mínimo pode torná-los mais seguros. O feijão, por exemplo, contém lectinas, que podem causar vômitos e diarreia. Elas são eliminadas ao deixar os grãos de molho durante a noite e depois cozinhá-los na água fervendo.
O processamento também torna seguro o consumo de leite de vaca. O leite é pasteurizado desde o fim do século 19 para matar bactérias nocivas. Antes disso, era distribuído localmente, porque não havia uma boa refrigeração nas casas.
"As vacas eram ordenhadas todos os dias, e as pessoas levavam leite para vender nos bairros", diz John Lucey, professor de ciência alimentar da Universidade de Wisconsin-Madison, nos Estados Unidos. "Mas as cidades ficaram maiores, o leite ficou mais distante e demorou mais para chegar ao consumidor, o que significava que os patógenos podiam se multiplicar".
As evidências crescentes sugerindo que alguns organismos no leite poderiam ser prejudiciais à saúde levaram ao desenvolvimento de dispositivos para aquecimento do mesmo e à invenção da pasteurização, que logo foi adotada na Europa e, mais tarde, nos EUA.
"É uma das histórias de sucesso de saúde pública mais importantes do último século", afirma Lucey. "Pouco antes da Segunda Guerra Mundial, cerca de um quarto de todas as doenças transmitidas por alimentos e pela água vinham do leite. Agora é menos de 1%."
O processamento também pode ajudar a reter os nutrientes dos alimentos que comemos. Por exemplo, o congelamento, que é classificado como processamento mínimo, permite que frutas, legumes e verduras retenham nutrientes que poderiam se degradar enquanto estivessem na geladeira.
"Muitas vezes, os legumes são congelados logo após a colheita, em vez de serem colhidos, transportados e então depositados nas prateleiras, perdendo nutrientes", explica Sadler.
Em 2017, um grupo de pesquisadores comprou verduras e legumes frescos em diferentes supermercados e testou seus níveis de nutrientes, incluindo vitamina C e ácido fólico, no dia da compra e cinco dias depois de prepará-los e colocá-los na geladeira.
Eles notaram que tinham níveis análogos de nutrientes. E, em alguns casos, o estudo mostrou que os alimentos congelados tinham níveis mais altos do que os armazenados na geladeira
"Existe a ideia equivocada de que produtos congelados não são tão bons quanto os frescos, mas isso é realmente impreciso", diz Ronald Pegg, professor de ciência e tecnologia alimentar da Universidade da Geórgia, também nos Estados Unidos.
O processamento também permite que vitaminas e minerais, como vitamina D, cálcio e ácido fólico, sejam adicionados a certos alimentos processados, incluindo pães e cereais. Essa iniciativa ajudou a reduzir várias deficiências de nutrientes entre a população em geral.
Mas isso não torna a comida necessariamente nutricionalmente equilibrada. O processamento também pode ajudar a preservar os alimentos e torná-los mais acessíveis.
A fermentação faz com que o queijo se mantenha estável por mais tempo e, em alguns casos, reduz a quantidade de lactose, tornando-o mais digerível para quem tem uma intolerância leve à presença deste tipo de açúcar. No passado, a principal razão pela qual se processava os alimentos era para aumentar sua vida útil.
Por muito tempo, conservar os alimentos adicionando ingredientes como açúcar ou sal foi essencial para as pessoas sobreviverem ao inverno, diz Gunter Kuhnle, professor de ciência alimentar e nutricional da Universidade de Reading, no Reino Unido.
"O processamento nos permitiu estar onde estamos hoje, pois evitou que passássemos fome", explica. "Muitos alimentos precisam ser processados para serem consumidos, como o pão. Não poderíamos sobreviver apenas com grãos."
Adicionar calor, também considerado processamento mínimo, torna muitos alimentos comestíveis, como batatas e cogumelos.
"Os tomates enlatados são um exemplo clássico de que alimentos processados podem ser melhores do que suas versões frescas", diz Kuhnle. "Eles podem ser colhidos muito mais tarde, quando o produto está muito mais maduro, e podem ser processados de maneira muito mais suave."
E embora alguns processamentos possam tornar um alimento menos nutritivo, eles podem deixá-lo mais acessível. O bacon, por exemplo, não melhora a saúde, mas oferece a mais pessoas acesso à carne, ao evitar que a comida estrague.
Os alimentos processados também tendem a ser mais baratos, uma vez que podem ser produzidos a custos mais baixos e o desperdício é menor.
ALTAMENTE PROCESSADOS
Pesquisas sugerem que os alimentos mais saudáveis são três vezes mais caros do que aqueles ricos em sal, açúcar e gordura, que em sua maioria são alimentos altamente processados. Mas esses produtos altamente processados, que são feitos de substâncias derivadas de alimentos e aditivos, geralmente não fazem bem para nós.
Estudos mostram que os aditivos alimentares podem alterar nossas bactérias intestinais e causar inflamação no nosso organismo, o que está relacionado a um risco maior de doenças cardíacas. Além disso, pesquisas indicam que as pessoas tendem a comer em excesso alimentos ultraprocessados.
Estudos mostram que quem come alimentos ultraprocessados consome mais calorias em geral, ganha mais peso e apresenta maior risco de desenvolver doenças cardíacas.
Um pequeno estudo de 2019 constatou que os participantes, nas duas semanas em que adotaram uma dieta rica em produtos ultraprocessados, consumiram 500 calorias a mais por dia do que durante as semanas em que comeram alimentos não processados.
Eles também ganharam em média quase 1 kg com a dieta ultraprocessada. No entanto, os mecanismos por trás da razão disso devem ser mais bem compreendidos, dizem os pesquisadores.
De forma geral, parece haver um consenso de que mais pesquisas são necessárias a respeito dos efeitos que os alimentos processados têm em nossa saúde.
Por exemplo, ainda não se sabe como os flavonoides e polifenóis —micronutrientes encontrados em algumas plantas e que foram associados a muitos benefícios à saúde— nas frutas são afetados pelo processamento, diz Kuhnle.
"Não há muita informação sobre como o processamento limita os benefícios à saúde. Muitas pesquisas se concentram em um único alimento, mas as pessoas não comem apenas maçã, sua dieta consiste em maçãs, smoothies, bolos" e assim por diante.
Embora o processamento mínimo tenha muitos benefícios, não se pode dizer o mesmo sobre o que os sistemas de classificação chamam de alimentos "ultraprocessados". Mas há um debate entre os cientistas a respeito das definições e terminologias em torno do que constitui o processamento mínimo e "ultra".
No início deste ano, Sadler analisou vários sistemas que buscam classificar os alimentos processados. Ele não encontrou consenso sobre quais fatores determinam o nível de processamento e afirma que os critérios de classificação são "ambíguos" e "inconsistentes".
O sistema de classificação Nova é um dos mais conhecidos e usados nas pesquisas de alimentos. Ele categoriza os alimentos em: in natura ou minimamente processados; ingredientes culinários processados; alimentos processados; e alimentos ultraprocessados.
De acordo com a classificação Nova, os alimentos ultraprocessados são compostos por ingredientes fracionados e contêm pouco ou nenhum alimento integral. Mas as definições de alimentos ultraprocessados variam entre as publicações e há um debate contínuo sobre essas definições.
"Não existe uma boa definição de processamento. A população fica com a ideia, ao ouvir a palavra 'processamento', que todos os alimentos são desmontados e remontados, mas pode ser algo tão simples quanto aquecer ou resfriar", diz Lucey.
Há um debate sobre se as políticas de nutrição em saúde pública deveriam focar mais no grau de processamento dos alimentos do que nos perfis nutricionais dos mesmos. Mas há algo inerentemente ruim no processamento?
Um grupo de cientistas escreveu em um artigo de 2017: "Até onde sabemos, não se ofereceu nenhum argumento sobre como, ou se, o processamento de alimentos constitui de alguma forma um risco para a saúde do consumidor devido a uma possível ingestão adversa de nutrientes ou ameaças químicas ou microbiológicas".
No entanto, é importante observar que o autor principal faz parte dos comitês científicos dos produtores de alimentos Nestlé e Cereal Partners Worldwide.
Embora os alimentos ultraprocessados normalmente contenham menos nutrientes do que os minimamente processados, os alimentos fortificados —aos quais são adicionados micronutrientes na fase de produção para melhorar a saúde pública— desempenham um papel importante nesta área, eles argumentam.
Apesar de alguns estudos mostrarem que os alimentos ultraprocessados nos saciam menos e nos deixam com a necessidade de comer mais, os autores do artigo lembram que o processamento também é usado para reduzir a quantidade de calorias em alguns alimentos, como no caso do leite semidesnatado e da manteiga com baixo teor de gordura.
Alguns alimentos ultraprocessados podem estar associados a consequências indesejadas para a saúde, mas nem todos os alimentos processados são "farinha do mesmo saco". Os legumes e verduras congelados, o leite pasteurizado e a batata cozida, por exemplo, podem ser melhores para nós do que seus equivalentes não processados.
Mas aqui está o segredo: todos esses alimentos também se parecem muito com sua forma natural, e é isso que precisamos ter em mente. Sempre que a gente for capaz de reconhecer que um alimento processado está próximo da sua forma natural, incluí-lo em nossa dieta pode até ser benéfico para nós.
Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Future.