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Quando o assunto é livro de autoajuda, você pode pensar que quanto mais recente a técnica, melhor. Afinal, não queremos aproveitar as ferramentas mais atualizadas para nos tornarmos as melhores versões de nós mesmos?
Bom, nem sempre. O livro "A anatomia da melancolia", de Robert Burton, pode ter sido escrito em 1621, mas sua compreensão pioneira da condição humana permanece incrivelmente moderna. Burton, um padre e estudioso britânico, reuniu quase dois mil anos de estudos, da filosofia da Grécia Antiga à medicina do século 17.
Ele conhecia bem o assunto, pois ele mesmo sofria de "melancolia": uma condição que compreendia o desânimo, a depressão e a inatividade. Com a visão que temos hoje, quanto do trabalho de Burton se sustenta na compreensão atual da depressão e dos transtornos do humor?
Amy Liptrot, jornalista e escritora escocesa, revisitou o trabalho de Burton e publicou "The New Anatomy of Melancholy" (A nova anatomia da melancolia, em tradução livre), um guia atualizado para o século 21. Ela diz que os mecanismos de1621 usados para melhorar nossa saúde mental são hoje tão úteis quanto eram naquela época.
1. PERCEBA SEU HUMOR E IDENTIFIQUE PADRÕES
Burton teorizou que a melancolia era "uma doença hereditária" e procurou padrões de doença mental nas famílias e entre gerações. Ele pode não estar totalmente errado: hoje se sabe que a depressão tem componente genético e ambiental.
"Quando um pai tem depressão severa, seria essencial ter um serviço onde a criança e sua família em geral estivessem envolvidos nesses cuidados e tivessem a oportunidade de receber cuidados eles próprios", disse Frances Rice, que trabalha com famílias para tratar de transtornos depressivos.
Mas não são apenas os padrões genéticos que são úteis para prever doenças mentais: também podemos estudar os padrões de nosso comportamento. O estudo da melancolia de Burton não se concentra apenas nos pontos baixos, mas também leva o leitor às alturas vertiginosas de suas emoções.
Com os avanços em nossa compreensão dos transtornos de humor, acadêmicos contemporâneos sugeriram que os altos e baixos de Burton podem, na verdade, ter sido sintomas de transtorno bipolar. Ele tinha uma percepção surpreendente de seu próprio humor em constante mudança e das circunstâncias que o afetava.
Hoje, essa consciência pode ser vista como ferramenta vital no gerenciamento de uma doença mental: se podemos perceber padrões em nossos humores e comportamentos, podemos começar a gerenciar os fatores externos que podem contribuir para eles.
2. OS BENEFÍCIOS DA ÁGUA FRIA
Em seu livro, Burton reuniu uma grande variedade de ideias e textos escritos por outros autores. O benefício do banho ao ar livre "em rios frescos e água fria" foi uma das teorias que ele incluiu, visto que isso era aconselhado para qualquer pessoa que desejasse viver uma vida longa.
Ele pode ter descoberto algo aqui. "À medida que você se acostuma com o estresse da água fria e consegue lidar com isso melhor fisiologicamente e em nível celular, você também reduz a resposta inflamatória a outros estresses que podem estar subjacentes a coisas como a depressão", disse Mike Tipton, diretor de pesquisa no Laboratório de Ambientes Extremos da Universidade de Portsmouth, no Reino Unido.
3. FIQUE PERTO DA NATUREZA
A natureza, para Burton, era a chave para aliviar os sintomas da melancolia. Ele exaltou as virtudes das ervas e flores como Borragem e Helleborus para limpar a névoa do cérebro, purificando as veias da melancolia e alegrando o coração.
O professor Simon Hiscock, diretor do Jardim Botânico de Oxford, no Reino Unido, diz que plantas como a Borragem têm sido usadas para o tratamento da melancolia, ansiedade e depressão desde os tempos antigos - não apenas essa erva despretensiosa trouxe "alegria", mas também dizem que ela foi dada aos soldados romanos, no vinho, para fornecer coragem na batalha.
Burton observou que os efeitos de "alegria" da natureza não se limitavam às plantas comestíveis. Ele também era um defensor entusiasta do efeito estimulante da jardinagem, escavação e aração.
O jardineiro e locutor britânico Monty Don, que já lidou com depressão severa, descreve o "remédio poderoso" que vem da conexão física com as plantas, do manuseio do solo e da sensação de crescimento da folhagem que plantou.
"Eu tendo a achar que o melhor exercício é quando ele é combinado com algum tipo de função", acrescenta. Um passeio com cachorro, por exemplo, fornece exercício, propósito e uma conexão com a natureza.
4. UM PROBLEMA COMPARTILHADO É UM PROBLEMA DIVIDIDO
"A melhor maneira para o alívio é dividir nossa angústia com algum amigo, não sufocá-la em nosso próprio peito", disse Burton, há 400 anos.
A introspecção e o isolamento são comportamentos comuns entre as pessoas com depressão. Embora isso raramente faça a pessoa se sentir melhor, agir contra esses impulsos por meio da socialização pode parecer quase impossível.
Rice, que trabalha com famílias inteiras para entender a depressão, sugere agendar atividades agradáveis como parte de um plano de tratamento, o que fornece algum ímpeto para prosseguir com as atividades e aumenta as chances do paciente de colher os benefícios, mesmo que seja o oposto do que eles sentem vontade de fazer.
Burton também estava certo quando sugeriu "aproveitar os amigos... cujas piadas e diversão podem te deixar feliz."
Se você falar com seu médico sobre baixas no humor, pode receber a prescrição antidepressivos. Mas você sabia que em países como Dinamarca, Canadá e Reino Unido, os médicos agora emitem "prescrições sociais", como aulas de arte, visitas a museus ou grupos de caminhada?
Liptrot diz que uma receita social pode ser muito mais útil do que medicação quando a solidão, e não uma doença mental séria, está causando anedonia (perda de prazer em atividades prazerosas),
5. EQUILÍBRIO ENTRE VIDA PESSOAL E PROFISSIONAL
OK, Burton não usou a expressão "equilíbrio entre vida profissional e pessoal", mas falou em "amor pela aprendizagem" em substituição a "estudo excessivo". Sua teoria era que passar muito tempo curvado, lendo e escrevendo retirava tempo dedicado a outras práticas que sabemos serem boas para a saúde mental, como exercícios, sono e socialização.
É aqui que entra o equilíbrio: quando nossas mentes estão inquietas e agitadas, estudar fornece uma distração bem-vinda, um foco positivo e um senso de propósito. Mas muito estudo pode nos tornar sedentários e solitários, negligenciando outras atividades que nutrem uma mente sã.
Ou seja, muito do que Burton escreveu há 400 anos sobre as causas, sintomas e tratamento da melancolia continua útil nos dias de hoje. Certamente seu conhecimento de fisiologia está ultrapassado, afinal o conhecimento médico que ele tinha se baseava na antiga "teoria humoral", da Grécia antiga.
Segundo essa tese, um sistema de quatro "humores" ou fluidos corporais (bile negra, bile amarela, sangue e catarro) determinavam o funcionamento do organismo, sua aparência e até o caráter da pessoa.
Na verdade, o "humorismo" prevaleceu até meados de 1850, quando foi desbancado pela descoberta dos patógenos (organismos que causam doenças) e o surgimento da "teoria dos germes", do cientista Louis Pasteur, cujo trabalho revolucionou a medicina.
Mas mesmo tendo como base uma teoria médica ultrapassada, Burton tinha uma capacidade instintiva de saber como melhor aliviar sintomas de melancolia. Se autoconhecimento, nadar, natureza, socialização e leitura funcionavam para as pessoas há 400 anos, por que não funcionariam para nós hoje?
Esse texto foi adaptado dos programas da Radio 4 da BBC The The New Anatomy of Melancholy e In Our Time by Eva Ontiveros.