Uma mulher que descobriu apenas aos 43 anos que nasceu intersexual disse que sua condição foi "encoberta" por operações na infância. A britânica Sara Gillingham tem variações em suas características sexuais, mas só as descobriu depois de adulta. Sua família havia dito a ela que as operações por que passou foram resultado de um parto prematuro.
"Minha memória mais antiga é que eu sempre me senti diferente, eu era meio 'moleque' (quando criança). Eu nunca me encaixei, mas não entendia por quê", diz Sara.
"Intersexual" é um termo genérico para descrever pessoas que nascem com diferentes tipos de variações biológicas em suas características sexuais, que não se encaixam nas típicas definições de feminino ou masculino. As diferenças podem envolver os genitais, os hormônios e os cromossomos. No passado, era utilizado o termo "hermafrodita" para se referir à condição, mas ele deixou de ser usado com referência a pessoas intersexuais por ser medicamente impreciso e ter conotações pejorativas.
No caso de Sara, os médicos acreditam que sua condição intersexual é um efeito colateral de um remédio tomado por sua mãe para prevenir aborto. Mas os casos de pessoas nascidas intersexo podem acontecer naturalmente, sem que haja nenhuma interferência durante a gravidez.
Sua história foi revelada em um momento em que especialistas dizem que o tratamento médico para pessoas intersexuais é uma espécie de "loteria" em que médicos escolhem aleatoriamente um gênero para as crianças e tentam conformá-las a ele, o que pode não ser o mesmo com o qual a pessoa vai se identificar no futuro.
Sara diz que se lembra de ser examinada em frente a estudantes de medicina quando era pequena. "As coisas que eles faziam eram muito dolorosas, então eu sabia em quais partes do meu corpo ele estavam operando."
Adulta ela ouviu de médicos que a sua condição foi causada pela progestina tomada por sua mãe durante a gravidez. A substância é um remédio para evitar aborto e está ligada a casos de pessoas nascidas intersexuais.
Após descobrir o que realmente foram as operações por que passou, Sara voltou ao hospital infantil Sheffield, na região inglesa de Yorkshire. Sua expectativa era ver os registros médicos de sua passagem pelo hospital.
O hospital, no entanto, disse que os relatórios médicos tinham sido destruídos. Agora Sara faz uma campanha para mudar a forma como o sistema de saúde trata as pessoas que têm variações em suas características sexuais. Gerentes do hospital dizem que agora estão dispostos a se encontrar com Sara para discutir suas preocupações.
O jurista Mitchell Travis, da Universidade de Leeds, pesquisou quais hospitais oferecem o melhor cuidado a pacientes intersexuais e diz que há uma enorme variação regional.
A secretaria de igualdade do governo britânico está reunindo provas sobre as experiências das pessoas intersexuais que foram maltratadas ao usar o sistema público de saúde do país há cerca de 20, 30 e 40 anos.
O ator, escritor e ativista LGBT Stephen Fry pediu que as pessoas intersexuais sejam tratadas com educação e respeito. Eles disse que as pessoas intersexuais foram "escondidas" pela sociedade, e que mais museus deveriam mostrar esculturas de pessoas intersexuais ao longo da história.
"É extraordinário lembrar que o primeiro beijo gay em Brookside (programa de TV britânico) fez as pessoas ficarem chocadas, e agora aceitamos como uma coisa normal e natural. Eu tenho certeza que isso também vai acontecer para as pessoas intersexuais."
Uma das pessoas com as quais Fry se encontrou foi a comediante Amazon Jackson, que descobriu aos 30 anos que não tinha ovários —ela estava procurando por tratamento de fertilidade quando fez a descoberta. "É fantástico que Stephen seja um aliado da comunidade intersexual e queira aumentar a compreensão sobre o assunto e afastar a ignorância que existe", diz Jackson.