'Conheci meu namorado 12 anos após dar à luz uma filha dele'
Quando Jessica Share recorreu a um banco de esperma para começar uma família, nunca imaginou que mais de uma década depois encontraria o doador –e sentiria uma forte atração por ele. Aqui, ela conta como tudo começou e onde o romance chegou, 12 anos após o parto da filha.
Lésbica e mãe
Em 2005, quando minha filha mais velha nasceu, me tornei a primeira mãe lésbica que já conheci. Estava no meio-oeste americano, e as únicas lésbicas com filhos de quem já tinha ouvido falar geralmente haviam dado à luz durante um relacionamento heterossexual anterior. Minha namorada e eu, no entanto, tivemos de começar do zero.
Desde que nos conhecemos, sonhávamos em ter filhos juntas. Decidimos que teríamos quatro e escolhemos os nomes. O passo seguinte foi mais difícil. Minha namorada sugeriu que seu cunhado poderia ajudar. Ele foi receptivo, mas eu fiz um curso sobre direito de gays e lésbicas oferecido pelo departamento de Direito da minha universidade, e logo desisti da ideia de um doador conhecido.
Os tribunais eram famosos por dar a eles o direito à custódia, classificando a doação do espermatozoide como um ato de paternidade. Quando as mães biológicas morriam, as crianças eram levadas para viver com homens que mal conheciam.
Felizmente, descobrimos um banco de esperma em que os doadores anônimos assinavam um termo impedindo-os legalmente de pedir a custódia das crianças que ajudaram a conceber. A empresa entregava as amostras diretamente na nossa casa.
Como eu estava escrevendo minha tese de doutorado de casa, ficou decidido que gestaria o primeiro bebê. Procuramos um doador parecido com minha companheira - que até então era minha esposa –escolhendo alguém de estatura e peso medianos, com cabelos castanhos ondulados, que tinha estudado literatura e gostava de esportes.
O doador listou sua profissão como escritor, músico e taxista. Minha esposa e eu imaginamos romanticamente que ele estava se recusando a aceitar um trabalho burocrático, e em vez disso, estava coletando histórias de passageiros que pegavam seu táxi, se preparando para escrever "o grande romance americano".
Inseminação e gravidez
Havia pouca informação adicional sobre o doador, mas o formulário sobre histórico de saúde preenchido por ele permitiu que a gente soubesse muito mais jamais do que saberíamos a respeito de qualquer namorado casual. Nunca vimos uma foto dele.
Engravidar em casa era fascinante –uma experiência científica doméstica que eu levei a sério. Os espermatozoides fornecidos vêm aninhados em um tanque de nitrogênio líquido de quase 1 metro de altura com uma etiqueta para devolução no dia seguinte.
É necessário usar luvas para retirar o pequeno frasco de plástico, que primeiro esfria sobre o aparador e depois aquece na mão com a temperatura do corpo. Pode-se usar uma pequena seringa para a inseminação. Como tudo que é congelado não tem a mesma resistência da versão fresca, os espermatozoides "ressuscitados" vivem apenas um dia. Se o óvulo não estiver à espera deles, vão morrer.
Fazer com que o espermatozoide chegasse o mais perto possível do óvulo virou um ritual mensal solene. Eu fazia a inseminação duas vezes para cobrir toda a janela possível da ovulação. Afinal, são necessárias cinco horas para o espermatozoide nadar até o útero. Aprendi isso junto a tudo mais que poderia estar relacionado ao uso do sêmen de um doador para engravidar.
Sete meses depois, eu estava grávida da nossa primeira filha. Minha mulher e eu ficamos radiantes.
Contei aos meus avós que estávamos esperando um bebê. Minha avó murmurou: "Ah, vai nascer em junho!", enquanto meu avô perguntou curiosamente sobre inseminação artificial.
Quase não pensávamos no doador, achávamos que jamais o conheceríamos. Minha esposa era particularmente hostil à ideia de deixar nossos filhos conhecê-lo - para ela, o que formava uma família é o amor, e eu concordava. Mas prestamos uma homenagem aos seus genes literários lendo diversos livros para nossa futura leitora na barriga.
Quando Alice nasceu, ela era perfeita. A ideia de que a especificidade do DNA não era importante foi pelos ares. Concordamos que deveríamos clonar aquele ser incrível que criamos com nosso amor. Encomendamos esperma do mesmo doador e repetimos todo o procedimento. Minha mulher deu à luz nossa segunda filha quando Alice estava com 18 meses.
Ambas compartilhavam muitas características em comum. Sabendo como minha esposa e eu éramos na infância, virou um passatempo divertido distinguir as características que só as meninas tinham: as duas eram extraordinariamente altas, e não de estatura mediana, como o doador afirmava ser. Ambas tinham bocas longas e finas, nariz pequeno, olhos vibrantes que pareciam esmeraldas debaixo d'água e vocabulários impecáveis.
Mas quando Alice estava com três anos, minha mulher anunciou que queria se separar. Não havia conflitos na nossa família e fiquei chocada, com o coração partido. Ela disse que não queria falar sobre o assunto e que não havia nada que eu pudesse fazer para recuperar nosso casamento.
Divisão
Eu continuei cuidando das meninas cinco dias por semana durante alguns anos. Mas quando Alice estava com 10 anos, minha ex-mulher cortou contato com ela por telefone e se recusou a devolver a irmã mais nova após um período de férias.
É a situação que permanece até hoje. Os avós, tios e primos da parte da família da minha ex-mulher não enviaram sequer uma mensagem de aniversário para Alice nos últimos dois anos. Ela passa os dias sonhando com a irmã com quem foi criada e tem medo de nunca mais voltar a vê-la.
Alice sabe mais profundamente que a maioria das crianças que uma família não é formada apenas geneticamente, tampouco pelo ato isolado de criar uma criança. A criação não fez sua mãe ficar. E embora a genética fosse um pequeno pedaço do que foi sua família por uma década, também parecia ser uma parte sem importância de quem ela era.
Mas Alice se perguntou de onde vieram seus ancestrais. Minha mãe costumava contar histórias sobre os antepassados da Cornualha para quem quisesse ouvir. Como queria saber qual era sua herança genética, Alice pediu um kit de teste de DNA para sua avó de Natal, quando tinha 11 anos.
Os resultados voltaram cerca de oito semanas depois. Eu cliquei na seção sobre Familiares do site do teste de DNA, sem levar fé que sairia algo dali. No entanto, a primeira coisa que li foi: "Aaron Long: 50%. Pai." "Bryce Gallo: 25%. Meio-irmão" aparecia logo depois.
É claro que eu sabia que isso poderia acontecer, mas não parecia provável. Antes de escrever uma mensagem pelo site, pesquisei por Aaron na internet para ver o que encontraria. Há vários Aaron Longs no mundo, então, tive de me empenhar para achar "aquele". Procurei pistas em uma rede social profissional. Apertava os olhos para examinar cada Aaron Long que aparecia, me perguntando se reconheceria o doador imediatamente.
Um dos frascos de esperma indicava a data da doação (1994), o que ajudou a limitar o ano de graduação e nascimento. Havia apenas um homem com mestrado em literatura na faixa etária correta, com o nome Aaron Long.
Na foto, ele usava um turbante de seda verde-oliva e tocava trombone. Seu perfil dizia que ele trabalhava como "especialista em comunicação" em Seattle. Era escritor e músico. Em outra rede social, descobri um cara de Seattle chamado Aaron Long, que trabalhava no mesmo lugar. O perfil tinha fotos dele na escola ao longo de diferentes anos. Não havia dúvida. Minhas filhas fazem aquela mesma cara de bobo.
Eu escrevi na hora uma mensagem para ele no site de testes de DNA. "Oi Aaron, eu tenho duas filhas que são compatíveis com você (minha ex está com minha filha mais nova; ela não está na base do site de testes de DNA). Se você estiver interessado em trocar fotos de família, etc., estamos disponíveis."
O encontro
Eu usei a "deixa da curiosidade", imaginando que ele escreveria de volta para ver fotos da minha filha mais nova. Aaron respondeu imediatamente, compartilhando detalhes que eu já tinha apurado na investigação paralela. Ele quis saber se eu tinha alguma pergunta, e questionei se ele era a pessoa mais baixa da família. Eu já sabia a resposta. Ele era.
Concordamos em nos tornar amigos em uma rede social, e Aaron me enviou uma história de 50 páginas contando sobre sua vida, que eu devorei. Ele passou vários anos em uma banda na cidade em que morávamos. Quantas vezes nós passamos por ele no supermercado, me perguntei?
Também escrevi para Bryce, que tinha acabado de se formar na faculdade. Ele contou que encontrou Madi, uma meia-irmã de 19 anos, e que estava em contato com outros pais. Ele revelou ainda que havia um total de seis filhos de Aaron, e que as minhas meninas eram as de número 7 e 8.
Bryce disse que foi criado com uma irmã mais nova, mas será que Madi, filha única, estaria interessada em se relacionar com Alice? Alice precisou ser convencida a escrever sua história de vida para Aaron. Conhecer seus parentes de DNA era apenas levemente empolgante para ela.
Ela está sofrendo a perda da irmã. Eu tento dizer que ela tem uma missão especial de "guardar" essas pessoas, conhecê-las e mantê-las por perto para quando sua irmã puder conhecê-las. No entanto, ela preferia ter sua irmã.
Alguns meses depois, Bryce e Madi fizeram planos para visitar Aaron em Seattle. Alice estava curiosa em ver se os irmãos e Aaron se pareciam com ela. Concordei em deixá-la participar do encontro. Aaron organizou uma festa para a qual convidou vários colegas, amigos de escola e de faculdade.
Suas ex-namoradas com seus novos parceiros e filhos também foram convidadas. Todos acampariam no terraço e celebrariam o encontro com seus filhos biológicos. Eu logo vi que Aaron não tinha um único amigo que não seria bem-vindo de volta ao seu círculo.
Visitamos o jardim de esculturas local, jogamos um jogo sobre "natureza ou criação" que mostrou algumas semelhanças surpreendentes e fizemos uma viagem para participar de um festival de artes.
Apesar da reação inicial de Bryce, ele e Madi competiram pelo afeto de Alice.
Durante as férias em que se conheceram, os três saíram para jantar. Alice voltou com um sorvete na mão e uma pizza na outra. Mais tarde, Bryce enviou a ela uma estrela de Davi. Madi mandou uma ametista. Ambos são símbolos de coisas que ela tem em comum com cada um.
Aproximação e namoro
Eu estava namorando havia alguns anos com um homem que também se chamava Aaron. Em nossas férias, o doador Aaron sugeriu, flertando, que tinha havido uma confusão no Departamento de Namorados. Eu sorri e hesitei.
Já estava em um relacionamento e tinha consciência de que o doador Aaron era uma pessoa importante para meus filhos, mas não alguém que deveria necessariamente fazer parte da minha própria vida. Não queria estragar tudo.
Quando meu relacionamento com o outro Aaron terminou, me perguntei se a pessoa que era importante para meus filhos também poderia se encaixar na minha vida, e se Seattle seria um lugar para a gente ficar enquanto descobria. A gentileza de Aaron e a boa relação com suas ex-namoradas me convenceram de que seria seguro dar uma chance.
Uma noite, andamos pelo bairro e sentamos em um cemitério local, falando sobre DNA, como as crianças eram e quais eram nossos sonhos. Quando dois heterossexuais se encontram, namoram e se casam, frequentemente olham com devoção um para o outro e acham que seria maravilhoso ter pessoas pequenas parecidas com eles. Eu já tinha passado uma década com essas pessoas pequenas.
Passei meu primeiro encontro com Aaron falando sobre elas. Já o conhecia e sabia que era exatamente como essas pessoas que eu amo mais que tudo no mundo. Ele era familiar em vários aspectos. Tem o mesmo sorriso e cor da minha filha mais nova. Sua empatia e socialidade? Da minha mais velha.
É difícil dizer se o DNA desempenhou um papel no nosso relacionamento. Eu sei que me sinto atraída por Aaron por todas as razões que me pareceram maravilhosas quando o escolhi em um catálogo de doadores de esperma anos atrás.
Ele é atencioso, persistente e estudioso. É apaixonado pelas palavras. É compreensivo, versado em histórias sobre pessoas e as coisas estranhas que elas às vezes fazem. Não se importa muito com o que é esperado dele. Costuma tocar sua própria música. No seu próprio ritmo. Às vezes, usando um turbante.
Quantas pessoas acham que um taxista músico e escritor pode ser o material genético ideal?
Alice e eu nos mudamos para a cooperativa de Aaron no verão de 2017. O prédio é tão grande que havia espaço suficiente para outros filhos biológicos dele. Madi, originalmente da costa leste, achou o jeito de ser de esquerda de Aaron (e de Seattle) cativante e foi viver com a gente nesta primavera.
Nós até nos juntamos a um grupo de escoteiras com outra filha biológica de Aaron, que tem a idade da minha filha mais nova e mora a cerca de uma hora de distância. Eu logo descobri que, como mãe, aceitaria de bom grado qualquer um dos meio-irmãos das minhas filhas, faria o almoço, lavaria a roupa e cuidaria deles para sempre. São irmãos das minhas filhas, tias e tios biológicos dos meus netos.
Não crio eles, mas sinto uma vontade inexplicável de alimentá-los. Alguns são muito parecidos com Alice. Outros lembram minha filha mais nova. Nem todos têm traços de Aaron, mas inegavelmente se parecem um com o outro.
A mãe idosa de Aaron também foi morar com a gente, junto com seu gato, Bill. Ao formar uma família por diferentes caminhos ao longo dos anos, aprendi mais sobre o significado de família do que qualquer pessoa gostaria.
O DNA se tornou muito mais importante do que quando escolhi pela primeira vez um doador em um site. Mas ainda não superou a crença de que as famílias são construídas pelo amor, não pelos genes. Estar aberto a esse amor é o que acaba por formar uma família. Todo mundo pode ser acolhido e permanecer unido. Há espaço para muitos tipos diferentes de relacionamentos.
Quem pode saber quantos filhos biológicos de Aaron existem mais –ele calcula que podem haver até 67. O prédio pode acabar ficando pequeno para acomodar todos eles, mas eu tenho sanduíches e as portas estão abertas.