Televisão
Descrição de chapéu Opinião - Vitor Moreno

Sem Censura tem boa reestreia, mas vai ter que suar para manter nível dos convidados

Cissa Guimarães deu leveza ao formato, e provou que Globo fez má escolha ao demiti-la

Cissa Guimarães na estreia do novo Sem Censura - Reprodução/TV Brasil

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São Paulo

O Sem Censura não ficou muito tempo fora do ar. Teve edições até junho de 2023, mas —ao menos para parte do público— parecia que o programa da TV Brasil tinha terminado em 2016, quando Leda Nagle deixou a atração após 20 anos à frente da bancada.

Nos últimos anos, a repercussão e o prestígio dos tempos áureos foram minguando, especialmente depois que a gestão Bolsonaro esvaziou a atração. Nesse período, o programa deixou de ser diário e passou a ser semanal; as entrevistas passaram a ser majoritariamente com pessoas ligadas ao governo, e quase sempre gravadas. Tanto é que, nos bastidores, ganhou o apelido jocoso de "Com Censura".

Nesta segunda-feira (26), a história do programa, que estreou em 1985 como um espaço de debates de ideias —em contraposição à então recém-findada ditadura militar—, ganhou um novo capítulo. A atração voltou repaginada, com Cissa Guimarães, 66, no comando. Foi uma boa estreia em vários aspectos.

À vontade, Cissa deixou claro que sua espontaneidade fazia falta na televisão. Afinal, fazia mais de dois anos que ela deixou a Globo, da qual foi contratada por mais de 40 anos e onde fez trabalhos como atriz e apresentadora. Na época, ela estava no É de Casa e foi preterida por colegas mais jovens e robóticas. A justificativa foi o alto salário.

Quem acompanhou a estreia percebeu que a Globo fez uma escolha que talvez faça sentido financeiramente, mas não do ponto de vista do carisma. Cissa riu, se emocionou, fez perguntas pertinentes e —algo raro atualmente— deixou seus convidados falarem.

Os convidados, aliás, tiveram um papel importante nesse primeiro programa da nova safra. Foi interessante ver que todos os presentes estavam genuinamente interessados no bate-papo. Em alguns momentos, eles próprios fizeram perguntas uns aos outros.

Cissa estava entre amigos. Miguel Falabella, com quem ela trabalhou no Vídeo Show, foi quem criou a alcunha de "a garota que quebra o coco, mas não arrebenta a sapucaia". O fato foi lembrado durante o programa. "Nunca entendi [o significado], mas achei sonoro", explicou ele, que disse ter ouvido a expressão de um amigo.

Claudia Raia, também muito amiga de Cissa, mesmo sendo uma pessoa bastante exposta, deu declarações ótimas, como ao dar detalhes sobre a gestação de um filho aos 54 anos, que segundo ela havia sido prevista por uma cartomante. Também chamou a atenção ela falar abertamente sobre como foi "massacrada" nas redes sociais por causa da gravidez.

Além deles, estavam presentes o cantor Xande de Pilares e a jornalista Luciana Barreto, que deixou a CNN Brasil e está de volta à TV Brasil como apresentadora e editora-chefe do Repórter Brasil Tarde. Apesar de menos falantes que Claudia Raia, por exemplo, foi possível perceber o esforço para que cada um tivesse um momento para falar de seus projetos.

O mix de convidados funcionou. O difícil será manter esse nível com um programa ao vivo de segunda a sexta. Com elenco próprio muito pequeno, a produção da TV Brasil vai precisar suar para conseguir muitas autorizações de concorrentes da TV aberta para liberação de talentos. O afago à Globo, logo na estreia, foi em nome do diretor Amauri Soares, pela liberação de Raia. "Amauri, não é só hoje não, tu continua liberando sempre", pediu Cissa.

Fora isso, poucos e finos ajustes serão necessários. Os VTs mostrando Cissa entrando com o pé direito no estúdio e com as boas-vindas de famosos e anônimos foram simpáticos para uma estreia, mas podem ficar demais se continuarem. O detalhe de mostrar todas as ex-apresentadoras, incluindo Leda Nagle —que está longe de ser apoiadora do atual governo—, pareceu querer mostrar que agora realmente há vontade de se fazer jus ao título do programa.

O debatedor fixo Murilo Ribeiro, o Muka, se mostrou bem preparado e fez boa dobradinha com Cissa, evitando que só ela ficasse questionando os convidados o tempo todo. Nos próximos dias, os demais debatedores fixos irão se alternar. A ver como se sairão.

O que gerou mais incômodo é um detalhe que o cenário herdou das versões anteriores do programa. Com a cadeira de Cissa no meio e a bancada circular, muitas vezes a apresentadora fica de costas, o que grita muito na tela quando o ângulo da câmera está muito aberto. A direção vai precisar correr atrás da apresentadora o tempo todo para que isso não fique chato para o público.

No entanto, o conjunto foi alvissareiro. Mesmo sem fazer grande diferença na audiência da TV Brasil (que continuou abaixo de 1 ponto na Grande São Paulo), o programa chegou ao topo dos trending topics, a lista de assuntos mais comentados do X (o antigo Twitter). Isso prova que há público interessado em ver pessoas interessantes falando sobre assuntos interessantes em um horário em que a TV aberta tem pouca (para não dizer nenhuma) opção do tipo.