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Por que a China está reprimindo fãs de K-pop

A população que usa internet na China é altamente engajada e experiente em dispositivos móveis - BBC/Getty Images

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Waiyee Yip
São Paulo

Quando Kris Wu, cantor sino-canadense e estrela do K-pop, foi preso sob suspeita de estupro no mês passado, alguns de seus fãs imediatamente se uniram na internet para bolar planos de tirá-lo da prisão.

"Meninas, os números têm força, vamos voar para Pequim e resgatá-lo", postou uma fã na plataforma de microblog Weibo.

Outros disseram que estavam preparados com pás para cavar túneis e alicates para cortar cercas de arame da prisão.

Mas não demorou muito para que essas discussões - bem como as contas que as compartilhavam - fossem excluídas.

Como os fãs de celebridades na China, cada vez mais apaixonados por seus ídolos pop, continuam a figurar em reportagens por motivos negativos, as autoridades do país deixaram claro que tal comportamento não será mais tolerado.


"O caos em fãs-clubes de celebridades, exposto pelo 'incidente de Kris Wu', mostra que a má cultura de fãs atingiu um momento crítico que deve ser corrigido", disse o principal órgão disciplinar do país em um publicação na internet, acrescentando que milhares de "comentários tóxicos" e grupos de fãs já foram excluídos da rede.

Duas semanas atrás, o órgão fiscalizador da internet da China publicou um plano de 10 pontos que impediria a disseminação de informações "prejudiciais" em grupos de fãs de celebridades, incluindo fofoca e abuso verbal.

Qualquer plataforma que não agir para remover rapidamente esse tipo de conteúdo também pode ser penalizada pelo governo.

"É preciso haver uma limitação para a perseguição irracional de estrelas pop", disse o documento.

Durante meses, Pequim intensificou os esforços para controlar o que chama de "cultura caótica dos fãs", um movimento considerado "bem-vindo" até mesmo entre alguns fãs de celebridades.

Um usuário do Weibo que regularmente posta atualizações sobre notícias de entretenimento, afirmou o seguinte: "Fãs malucos realmente nos deram má fama. Até eu fico irritado quando vejo aqueles grandes grupos de fãs lotando o aeroporto para ver seus ídolos."

Muitos membros desses grupos não são apenas pessoas torcendo inofensivamente por suas estrelas favoritas. Em muitos casos o comportamento deles se tornou tóxico.

Grupos de fãs organizados têm cada vez mais levado seu "amor" ao extremo: de perseguição a cyberbullying, além da publicação desenfreada de boatos, são comuns nas redes sociais chinesas.

No ano passado,um fã-clube do popular ator e cantor Xiao Zhan conseguiu fechar um site de fanfiction por causa de uma peça que retratava o artista como uma adolescente travesti apaixonada por outro ídolo masculino.

Temendo que a história "manchasse" a imagem de Zhan, o grupo denunciou o site às autoridades como "pornografia infantil" - o que rapidamente fez com que o site fosse retirado do ar.

A censura, por sua vez, enfureceu leitores leais do site, e um exército de "anti-fãs" nasceu. Esse novo grupo iniciou uma campanha para boicotar as muitas marcas das quais Zhan era garoto-propaganda.

Ambos os lados se envolveram em uma terrível guerra cibernética: imagens e até endereços de rivais foram postados na internet sem autorização.

E não para por aí.

Na China, muitos fãs têm virado notícia por causa de gastos extravagantes com seus ídolos: alguns estudantes estão até se endividando.

No último domingo, o Weibo suspendeu um fã-clube do cantor Jimin - um membro da boyband de K-pop BTS - sob alegações de que o grupo havia levantado fundos ilegalmente.

A conta, que teve mais de 1,1 milhão de seguidores, arrecadou em um financiamento coletivo a quantia recorde de 1 milhão de yuans (cerca de R$ 813 mil) em apenas três minutos. O dinheiro foi usado para personalizar a parte externa de um avião em homenagem ao 26º aniversário de Jimin.

As passagens aéreas e até os copos usados ​​a bordo do avião também foram personalizados apenas para dizer "Feliz Dia de Jimin".

O plano dos fãs também incluía a publicação de anúncios de página inteira nos jornais New York Times, nos Estados Unidos, e The Times, no Reino Unido, para marcar o aniversário do ídolo do K-pop.

Em maio, fãs do reality show Youth With You enfureceram o público por causa de uma polêmica envolvendo desperdício de alimentos.

Como parte da estratégia de marketing do programa - que colocava cantores em treinamento uns contra os outros -, os fãs podiam votar mais vezes em seus ídolos se usassem QR codes presentes em tampas de garrafas de leite.

A promoção levou os fãs a comprarem leite a granel sem intenção de consumi-lo. Logo surgiram imagens de pessoas derramando grandes quantidades de leite pelo ralo após a votação.

FÃS ENGAJADOS

Embora a cultura de fãs obsessivos não seja exclusiva da China, os especialistas dizem que a escala é maior no país graças a uma enorme população jovem na internet que também é altamente engajada.

"Participar da cultura de fandom chinesa não é mais simplesmente um hobby, mas uma forma de trabalho de dados", disse Bai Meijiadai, analista da Universidade de Liaoning.

De listas de classificação de celebridades com base em seguidores e engajamento a concursos de canto na TV que permitem votação do público, os fãs se tornaram participantes ativos na alimentação da máquina de adoração de ídolos como nunca antes visto no país.

Em 2018, Kris Wu ganhou as manchetes nos Estados Unidos quando varreu as paradas musicais do iTunes, conquistando não apenas o primeiro lugar, mas também sete das 10 músicas mais populares. Para um cantor praticamente desconhecido na América do Norte, foi uma grande conquista.

Embora os críticos imediatamente pensassem que o fanatismo por Wu fosse trabalho de robôs, as investigações descobriram que o barulho nas redes sociais era de fato impulsionado por uma legião de fãs, que trabalhavam juntos para comprar os álbuns e aumentar as vendas do cantor.

É precisamente esse tipo de campanha organizada que preocupa as autoridades chinesas, dizem os especialistas.

"Há uma preocupação crescente de que os fãs-clubes possam se mobilizar, pessoalmente ou online, protestos por suas estrelas favoritas", diz Kerry Allen, analista de mídia da BBC na China.

Mas também parece haver um aspecto moral nessa repressão.

A atriz Zheng Shuang, por exemplo, causou indignação depois que foi acusada de ter abandonado duas crianças nascidas de mães substitutas no exterior. Em seguida, surgiram notícias de que ela estava sonegando impostos.

Desde então, Shuang foi "apagada" da internet chinesa.

"Se se espera que as celebridades sejam modelos, então é natural que os grupos de fãs na internet também precisem ser regulamentados para promover uma cultura saudável", diz Jian Xu, da Universidade Deakin, que pesquisa a cultura da mídia chinesa. "É uma tentativa de proteger os jovens de serem impactados negativamente."

FIM DA LINHA?

Enquanto Pequim pressiona a cultura dos fãs, alguns grupos online podem estar se sentindo perdidos: seu mundo de fanatismo obsessivo mudou aparentemente da noite para o dia.

Todas as principais plataformas de mídia social já responderam ao apelo do governo chinês, removendo listas de classificação de celebridades e fechando algumas contas de fãs. Os reality shows de competição de ídolos, muitos dos quais contam com a participação de fãs, também foram proibidos nesta semana.

"A repressão pode tornar os fandoms 'enfadonhos' para alguns indivíduos que estavam ansiosos para colocar seu ídolo no topo das listas", afirma Allison Malmsten, analista de mercado da Daxue Consulting, na China.

Mas ela observa que o movimento do governo dificilmente sinaliza o fim do caminho para essa cultura - eles apenas serão menos visíveis online.

"A repressão não é o fim da adoração às celebridades, mas sim uma forma de reduzir o comportamento não civilizado resultante da adoração a essas celebridades", diz.