Música

Rapper Hungria critica canção sem conteúdo ao lançar clipe autobiográfico: 'Música é arma branca'

Artista lembra passado humilde e de superação

Cantor e compositor Hungria Hip Hop - Reprodução/Instagram

Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:

Oferta Exclusiva

6 meses por R$ 1,90/mês

SOMENTE ESSA SEMANA

ASSINE A FOLHA

Cancele quando quiser

Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.

São Paulo

Um menino de chinelo de dedo e regata desce a viela da comunidade para brincar com os amigos, recebe o carinho da mãe numa casa apertada e, do alto da favela, vê o mundo de sonhos. Lá embaixo, imagina um futuro com relógio de ouro no pulso e carro esportivo na garagem. O tempo passou, o amanhã chegou e o padrão de vida subiu, mas o menino crescido não esqueceu do choro do passado e sabe que vem dali o combustível para seguir em frente.

A cena do clipe "Um pedido", lançado nesta sexta (7) tem semelhanças com a história do rapper goiano Hungria. Filho de uma emprega doméstica e de um funcionário público, Gustavo da Hungria Neves, 28, cresceu em Cidade Ocidental (GO)  —cuja economia é movimentada sobretudo com criação de gado bovino de corte e leite— e hoje mora no Lago Sul, reduto da elite brasiliense.

"Já pensou se tivesse parado, desistido no meio do caminho, quando a chuva escorria na telha e a mesa mais farta era do vizinho? [...] Vi quatro amigos meus irem para o crime de otário, vi cinco pretos na favela virar empresário. [...]”, diz a letra da música, escrita há dois meses.

Sob viés autobiográfico, o clipe de “Um pedido” podia ser mais um produto fonográfico que narra as mazelas e entrega um discurso de superação, se não fosse o permeio bem construído de uma realidade tão enraigada. 

"A música brasileira está carente de mensagens positivas. Acredito muito na mensagem dessa canção, porque eu tinha o sonho de crescer, de ser grande, e as pessoas que vêm de onde eu vim e passam pelo o que eu passei, acreditam que vão chegar longe, mas não é fácil", conta à Folha

"Fazíamos mudança de casa com carrinho de mão. Era bolsista em escola particular, então lidava com muita gente de classe alta que queria me colocar para baixo. Eles tinham roupas e casas melhores, mas a luz que a gente tem é o maior motivo da inveja que corre neles", afirma o músico.

Quando saía da aula, Hungria trabalhava de garçom em um restaurante perto da escola. “Servia aluno que estudava comigo. Foi doído mas foi necessário. Quem está lá embaixo [no asfalto], já tem condição melhor e larga na nossa frente."

O músico afirma que sempre teve pensamentos grandes, que queria crescer na vida e que a atual canção "não é só parar passar história de superação, falar que eu cheguei lá, mas para mostrar a caminhada que a gente passa". 

"É lembrar que se tem alguém chorando hoje, é porque alguém chorou ontem e hoje vai chorar de novo. O sofrimento na quebrada é algo que acontece em conjunto. E a lição é: o problema não é cair. É não levantar”, reflete ele, que, aos 13, já tinha letra escrita e, de olhos fechados, imaginava seu próprio show: "Agora é com vocês!”, gritava para a plateia imaginária.

“Hoje o rap é popular, mas na minha infância era evidência só na quebrada. Era a nossa voz. Meu contato com o rap foi mais natural, sempre tive essa chama", lembra Hungria, que diz que o problema, agora, é a falta de conteúdo.

"Você precisa de música com mensagem boa para tocar no carro com sua família. Temos que dosar as composições. Tem muita gente lançando música que não fala nada com nada. Música é uma arma branca. Tem que saber o que fala, porque absorvemos o que escutamos. Estamos indo num caminho sem conteúdo, mas espero que voltemos para os tempos de Tim Maia e Tom Jobim", conclui.