Estilo
Descrição de chapéu The New York Times

Como Serena Williams usou a moda para se expressar e para mudar o jogo

Tenista que rompeu barreiras fez nesta sexta-feira sua despedida das quadras

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Vanessa Friedman

Quando Serena Williams entrou em quadra para disputar seu último Aberto dos Estados Unidos, na última segunda-feira (29), ela o fez usando um vestidinho preto (de tênis) com mangas compridas, uma saia de seis camadas —uma camada para cada título do Aberto dos Estados Unidos que ela conquistou— e um corpete no qual cintila uma verdadeira galáxia de estrelas. É um vestido feito para a despedida de uma supernova. O modelo perfeito, de mais de uma maneira. Se você não prestar atenção ao simbolismo, vai queimar seu saque.

Afinal, Williams revelou seus planos de encerrar sua carreira no tênis em um artigo publicado não na ESPN, Sports Illustrated ou Tennis Week, mas sim na edição de setembro da revista Vogue, para cuja capa ela posou usando diversos vestidos de noite. Embora o veículo escolhido para o artigo tenha sido recebido com alguma incompreensão no mundo do esporte, a escolha não deveria ter causado surpresa.

Desde que começou no tênis profissional, em 1995, Williams, 40, vem empregando sua apresentação pessoal como uma arma para promover mudanças, com uma eficácia raramente vista entre os atletas; aquilo que ela vestiu, ao longo de todo esse tempo, foi aperfeiçoado e desenvolvido com tanto cuidado quanto seu saque ou "forehand". A tenista derrubou barreiras de raça, idade e origem, e demoliu os velhos códigos de vestuário do tênis.

Williams sempre teve um plano que ia além do simples esporte, e essa intenção esteve presente o tempo todo nas imagens que ela ajudou a criar. Para ela, o caso nunca se resumiu a acrescentar uma listra aqui, um pouquinho de néon ali. A intenção da tenista era a de realizar a si mesma; expandir de inúmeras maneiras —físicas, profissionais— a definição do que era possível, e de quem tinha o direito de decidir.

O guarda-roupa dela em quadra era uma "manifestação visual de seu lado divertido, de sua energia e de sua mentalidade de derrubar barreiras", disse Gabriella Karefa-Johnson, a editora que estilizou a recente sessão de fotos de Williams para a Vogue. Suas escolhas sempre foram calculadas para expressar sucintamente o ponto de vista "de que as mulheres merecem ser vistas", disse Tania Flynn, vice-presidente de design de roupas femininas da Nike.

Como uma das raras mulheres negras no tênis, dotada de um histórico e um corpo que não se adaptavam às mitologias favorecidas pelo esporte, Williams estava ciente "do número de olhos e de câmeras voltados para ela", disse John Hoke, vice-presidente de design da Nike, que trabalha com a tenista há quase 20 anos.

E, disse Gerald Marzorati, autor do livro "Seeing Serena", de 2021, "se ela era alvo de atenção, sua atitude sempre foi a de que era melhor ser o sujeito dessa atenção do que seu objeto".

Já que pessoas iam olhar, e julgar, Williams decidiu aproveitar esse escrutínio não apenas para promover sua carreira no tênis, mas para mudar o campo de jogo em benefício de todos. A raquete era uma maneira de fazê-lo. E a moda, outra.

DEMOLINDO OS CÓDIGOS DO PASSADO

Quando Williams e sua irmã mais velha, Vênus, chegaram à cena, o vestido de tênis feminino, como o próprio tênis, ainda estava atolado no lodaçal da tradição, associado a uma imagem antiquada de mulheres loiras e esguias que corriam pela quadra usando rabos de cavalo e uma "saia" ou "vestido" minúsculo, que servia como um remanescente conceitual dos vestidos mais longos que os precederam.

A distinção entre gêneros era forte, e altamente estereotipada (afinal, estamos falando de um esporte no qual, até o final do século 20, as tenistas usavam calcinhas de babados, como se fossem bonecas, sob suas saias falsas), e o branco predominava. Literalmente, no caso do All England Lawn Tennis and Croquet Club, também conhecido como Wimbledon, onde o código de vestuário dos jogadores especifica a cor dos uniformes.

Era, segundo Richard Thompson Ford, professor da Faculdade de Direito de Stanford e autor de "Dress Codes: How the Laws of Fashion Made History", "uma extensão dos clubes de campo. E o figurino refletia esse fato".

É claro que a moda havia servido ocasionalmente para desordenar, desde que Suzanne Lenglen encurtou a bainha de sua saia na década de 1920, levando ao surgimento de "filas de espectadores esperando para vê-la jogar em Wimbledon com uma saia acima dos tornozelos", disse Marzorati.

Do lado masculino do esporte, claro, André Agassi deu início a um momento de mudança com seu corte de cabelo "mullet", calções jeans e cores néon, escandalizando os poderosos do momento. (Ele boicotou Wimbledon durante três anos por causa do código de vestuário.) Mas muitos dos jogadores negros anteriores do esporte —Althea Gibson, Arthur Ashe, Zina Garrison– se vestiam, disse Ford, no estilo de "política da respeitabilidade", tentando se encaixar.

"Em termos de estilo, o tênis historicamente vem sendo um esporte muito conservador —um esporte de cavalheiros", disse Karefa-Johnson. "É claro que toda essa semântica na verdade só reforça a supremacia branca latente no esporte e justifica a exclusão de qualquer pessoa ou corpo que esteja fora do código prescrito para os participantes e a audiência. Serena explodiu essa falácia. Ela se recusou a ser qualquer outra coisa que não ela mesma". Ford define o processo como "uma forma diferente de integrar um esporte".

Tudo começou quando Williams e sua irmã foram à quadra usando tranças e contas nos cabelos, e continuou ao longo dos anos, tornando-se cada vez mais deliberado e político. Hoke, da Nike, onde um dos edifícios do departamento de design leva o nome de Serena Williams, disse que, em uma escala de 1 a 10, em termos de envolvimento com suas roupas, a tenista certamente está no 10.

Se no início seu interesse era simplesmente expressar uma certa alegria ao se vestir para torneios –se inspirando em tendências de moda urbana, com o uso de brim e tachas metálicas, e nas tendências das passarelas, com "mesh" e estampas de pele de cobra—, o tempo a transformou em uma mulher dotada de poder e de prestígio suficientes para protestar contra a injustiça e desigualdade; fez dela uma mãe e ativista; e destacou, como disse Flynn, da Nike, "a importância da mensagem".

Às vezes literalmente, como quando Williams usou um top preto e branco e saia de tênis acompanhados por uma jaqueta trapezoidal e uma sobressaia longa no Aberto da França de 2019, exibindo, em francês, as palavras "mãe, campeã, rainha, deusa". (O uniforme foi criado com Virgil Abloh, da Off-White, um estilista que também sabia alguma coisa sobre abrir portas e que se tornou amigo íntimo de Williams antes de sua morte em 2021.)

E às vezes de forma mais implícita, como no macacão preto colante que ela usou no Aberto da França de 2018, projetado em parte para administrar potenciais coágulos sanguíneos, depois de um parto difícil, e em parte para refletir o status das mães trabalhadoras como "super-heroínas", de acordo com declarações de Williams na época. O modelo desencadeou tamanha tempestade –os dirigentes franceses o consideraram como uma violação do código de vestuário— que o look seguinte de Williams, um tutu de manga única usado no Aberto dos Estados Unidos e também desenhado por Abloh, parecia uma resposta àqueles que consideraram o visual anterior como "insuficientemente feminino".

As coisas chegaram a um ponto, segundo Marzorati, em que "ver Serena saindo do túnel para entrar em quadra e descobrir o que ela estava vestindo" passou a ser um evento em si. Mas embora as atenções dos observadores talvez estivessem concentradas nas roupas, eles terminaram por absorver uma lição mais ampla.

ROMPENDO A BARREIRA DA MODA

Moda e tênis estiveram entrelaçados para Williams praticamente desde o início. Se seu pai, Richard Williams, criou a estrutura de sua carreira esportiva, sua mãe, Oracene Price, estabeleceu as bases para a apreciação da filha pelas roupas.

Price a ensinou a costurar quando ela tinha dois ou três anos e, disse Serena Williams, "eu costumava vê-la colocar aqueles velhos moldes da Vogue no chão para cortar o tecido".

Williams chegou à verdadeira Vogue em 1998, quando ela e sua irmã posaram para a revista usando modelos Carolina Herrera em preto e branco, uma participação que serviu como ponto de partida para uma amizade com Anna Wintour, editora da Vogue (e grande fã do tênis). Nas palavras de Williams, essa amizade foi "importante para minha formação".

"Ela é uma pessoa especial e eu a adoro, de verdade", disse Williams a Naomi Campbell em seu programa no YouTube, "No Filter With Naomi". "Adoro conviver com ela. E amo seu cérebro". Wintour, de sua parte, definiu Williams como "destemida", em quadra, nas suas brincadeiras com o guarda-roupa e em sua facilidade de "apagar limites".

Williams com certeza apagou alguns limites na Vogue, tornando-se a primeira atleta negra a ocupar a capa da revista, em 2012, ao lado da jogadora de futebol Hope Solo e do nadador Ryan Lochte, e depois disso apareceu em mais capas da Vogue do que qualquer outro esportista. Ele posou para capas em 2015, 2018 e 2022 (as duas últimas vezes com sua filha, Alexis Olympia Ohanian Jr.).

Wintour a levou a desfiles de moda —Williams usou o Instagram para descrever uma dessas viagens, a Milão— e não apenas sugeriu a estilista que ela escolheu para seu vestido de noiva, Sarah Burton, da grife Alexander McQueen, como viu todos os esboços do modelo.

Em 2018, Williams seguiu o exemplo de sua irmã, Venus, que havia criado uma linha de moda em 2007, e começou a trabalhar com design de roupas (ambas frequentaram a escola de design no Instituto de Arte de Fort Lauderdale, embora Serena não tenha se formado), e em 2020 revelou sua linha S by Serena, na New York Fashion Week, em um desfile cujo primeira parte foi um debate amistoso entre Williams e Wintour.

No ano anterior, ela tinha sido uma das anfitriãs do Met Gala, ao lado de Harry Styles, Lady Gaga e Alessandro Michele, da Gucci, vestindo Versace e calçando Nikes. No ano seguinte, ela criou a Serena Williams Design Crew, na Nike, para reduzir as barreiras ao ingresso no mercado de jovens estilistas não brancos e com formação não tradicional. Ela até desfilou na Paris Fashion Week, em março, em um tributo da Off-White a Virgil Abloth.

Antes disso tudo, porém, em 2006, Chris Evert, uma jogadora que dominou o tênis feminino nas décadas de 1970 e 1980 e mais tarde se tornou presidente da Fundação USTA e ativista da pesquisa sobre o câncer, escreveu uma "carta aberta" a Williams na revista Tennis, apontando que a colega havia permitido que "distrações" como aquelas a afastassem do tênis.

"Eu aprecio o fato de que se tornar uma pessoa desenvolta em todas as áreas é importante para você", escreveu Evert. "Ainda assim, uma pergunta persiste —você já considerou seu lugar na história? Isso é algo que importa para você?". Do ponto de vista do agora, essa pergunta se tornou obsoleta. As "distrações" são, na verdade, parte da sólida base do legado de Williams. E quem sabe sejam também um sinal do que ainda está por vir.

Traduzido originalmente do inglês por Paulo Migliacci