Lycra: O legado deixado por Olivia Newton-John com vídeo de 'Physical'
Leggings, collants e bandanas têm dívida de gratidão com clipe icônico
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Uma coisa engraçada aconteceu quando Kameron Lennox revisitou o vídeo musical de "Physical" (1981), o imenso hit pop de Olivia Newton-John, que morreu na segunda-feira (8).
Pela maior parte do vídeo, Newton-John dança freneticamente em um cenário de academia, se exercitando em um collant branco e aterrorizando homens fora de forma. Em verdadeiro estilo da década de 1980, o collant é usado sobre um "legging" magenta e sob uma camisa azul clara, ajustada por um cinto e acompanhada por meias grossas e uma bandana.
Lennox é figurinista em Hollywood e estava se preparando para trabalhar em "Physical", um drama cômico do serviço de streaming Apple TV+ estrelado por Rose Byrne, e percebeu uma coisa que não havia notado quando assistiu pela primeira vez ao vídeo bobinho e sexy da canção, quando era criança.
O collant branco estava "mal ajustado na região da virilha", disse Lennox, que não conseguia determinar se a peça era mesmo um collant ou se tinha sido feita a partir de uma camiseta grande. "Os fundilhos meio que pareciam uma fralda. Lembrava algo feito em casa. Ou, na verdade, se parecia com modas que estavam prestes a acontecer".
Graças ao vídeo, que coincidiu com a ascensão da MTV, "Physical" é lembrada como uma espécie de hino da era da aeróbica —apesar de uma letra que fala mais de cópula do que de cárdio. O figurino de Newton-John também se tornou um símbolo da moda da época —apesar da confecção rudimentar do collant, que "definitivamente não é uma roupa de ginástica", disse Lennox, cujo trabalho na série terminou sendo inspirado por instrutoras de aeróbica menos conhecidas, como por exemplo Bess Motta.
Nesse sentido, o figurino que a cantora usou no vídeo de "Physical" também é um exemplo precoce de "athleisure", um termo que originalmente era usado para descrever não roupas de exercício, mas sim roupas casuais que lembravam roupas de ginástica.
Como explicou Newton-John em um vídeo postado em dezembro no seu canal do YouTube, o vídeo "realmente ajudou a dar início a toda a loucura da aeróbica e fitness naquela época. Foi o nascimento da mania das bandanas e faixas de cabelo dos anos 80. Eu devia ter criado uma empresa para vender ‘leggings’ e bandanas, ou produzido uma série de vídeos de aeróbica. Mas Jane Fonda chegou primeiro".
É verdade que ninguém popularizou mais a aeróbica e a estética da aeróbica, inspirada pelo balé, do que Fonda, que abriu um estúdio de ginástica em 1979 e publicou o best-seller "Jane Fonda's Workout Book" em 1981. Mas "Physical" chegou perto, e ajudou a firmar uma tendência –a do exercício físico inspirado pela dança– que já parecia destinada a dominar a década, não só por conta do fenômeno da cultura pop centrada na dança que predominou naqueles anos ("Fama" saiu em 1980, "Flashdance" em 1983, "Footloose – Ritmo Louco" em 1984), mas por causa do ressurgimento de um tecido inventado em 1958: a Lycra, a marca de um produto têxtil cujo nome genérico é elastano ("spandex").
O vídeo de Newton-John "cristalizou visualmente, em apenas um par de minutos, o que estava acontecendo na cultura, na indústria e nos hábitos de consumo", disse Sonnet Stanfill, curadora sênior de moda do Museu Victoria e Albert e editora de "80s Fashion: From Club to Catwalk", um livro de 2013 sobre a moda do período.
Na década de 1970, a indústria têxtil começou a usar Lycra —anteriormente empregada como substituta da borracha nas cintas femininas— para criar coleções inteiras cujo tema era o exercício. E dessa forma as mulheres que assistiam às aulas ou vídeos de Jazzercise ou de Jane Fonda ficavam expostas a "todo um guarda-roupa que podiam comprar para se sentirem bem quando estavam se exercitando", disse Stanfill, mencionando collants e meias-calças em uma ampla gama de "cores de tons quase violentos". Os sutiãs de corrida também surgiram naquele período, e quase uma década havia passado desde que a aprovação da lei conhecida como "Título 9" incentivou uma participação maior das mulheres no esporte dos Estados Unidos. As escolhas pareciam ilimitadas.
"O último quarto do século 20, nos Estados Unidos, foi um momento de celebração dos benefícios do exercício, e de criação de um guarda-roupa que se enquadrasse a isso", disse Stanfill. "Muitas vezes as mudanças na moda, particularmente para as mulheres, estão ligadas a momentos em que o esporte trouxe mudanças de estilo de vida".
Na alta moda, o estilista Azzedine Alaïa também estava usando materiais elásticos para seus designs, criando uma moda muito consciente do corpo e oferecendo às mulheres uma nova oportunidade de exibir seus corpos sarados, acrescentou Stanfill.
Embora a estética da aeróbica dos anos 80 pareça em geral datada, hoje em dia, certos elementos do período voltaram brevemente à moda. Nos anos 2000, antes da espetacular queda do fundador da American Apparel, a empresa tinha reintroduzido collants brilhantes e "leggings" reluzentes, com um marketing que se inclinava mais à ironia e a um estilo grunge-sexy do que à sensualidade bobinha da era da aeróbica.
Mas o uso de elastano nunca desapareceu, e foi readaptado em forma de calças e "leggings" de ioga que continuam em moda, e mais tarde na tendência ao uso de "shapewear" como roupa. "O legado duradouro é aquela fibra elástica que permite que o corpo se mova e pode beneficiar bastante a silhueta, se você estiver querendo exibir sua figura", disse Stanfill.
Mas como Lennox descobriu quando estava tentando rastrear os collants da década de 1980 para a série "Physical", a maior parte da Lycra daquele período "não suportou o teste do tempo". Ainda assim, o espírito lúdico do vídeo de Newton-John continua a inspirar roupas e a cultura (como provam a série da Apple TV+ e uma nova "Physical", canção que Dua Lipa lançou em 2020.)
Quando a Outdoor Voices criou sua primeira coleção de estúdio em 2019, as peças (acompanhados por saias e tops bailarina) foram influenciadas pelo visual de collants e "leggings" do qual Newton-John e Fonda foram pioneiras, disse Ty Haney, fundador e ex-presidente executivo da empresa.
Mas a inspiração ia ainda mais fundo: a Outdoor Voices ajudou a popularizar o "athleisure" na década de 2010, promovendo o movimento além dos limites do exercício tradicional, favorecendo "fazer coisas" (seu slogan) de preferência a fazer exercícios, e confundindo as distinções entre roupas de exercício e roupas de jardinagem. Um collant precisa ser um traje de desempenho ou pode ser só o figurino de um vídeo musical maluco?
Havia uma "perspectiva alegre que elas trouxeram para a ideia de mover o corpo", disse Haney sobre Newton-John e Fonda. "Elas libertaram o condicionamento físico do desempenho".
Traduzido originalmente do inglês por Paulo Migliacci