X de Sexo Por Bruna Maia
Descrição de chapéu Todas LGBTQIA+

Marina Lima conta que aprendeu com a não monogamia e transgeneridade

Cantora diz que o mundo hoje tem mais possibilidades do que antes e que segue aprendendo

Marina Lima durante show no festival Arte na Usina - Andréa Rêgo Barros/Divulgação

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"Ela é absolutamente sexual, naturalmente sensual, sedutora e, ao mesmo tempo, transgressora. Tem charme e mel na voz e muito tesão nas letras". A frase é da cantora Filipe Catto, e eu não consegui pensar em nada que descrevesse melhor a presença de Marina Lima. E aqui estamos falando não só de uma pessoa sexy, mas de uma mulher que imprime em cada coisa que faz uma tonelada de pulsão de vida.

Conversei com Marina no cair da noite, poucas horas antes de ela subir ao palco e emendar uma sequência de hits perenes. E ela não ficou reclamando da vida. Dizendo que hoje em dia tudo está muito chato. Que na época dela era melhor porque isso e porque aquilo. Pelo contrário, ela demonstrou estar feliz de viver em dias como hoje.

"Cresci tendo um modelo de relacionamento monogâmico, de achar alguém, ficar com alguém o resto da vida e agora o mundo tem muito mais opções. Isso tudo mudou minha maneira de ver o mundo e pra mim é fascinante poder experimentar uma coisa nova que nunca me passou pela cabeça", diz.

A cantora de clássicos como "Fullgás" e "À Francesa" contou que fez amizade com várias pessoas trans e que isso tem trazido uma série de aprendizados e reflexões sobre formas de existir e se relacionar. "Se você tiver curiosidade e alegria em olhar as coisas, vai ver como o mundo mudou. Pra mim para melhor."

Uma dessas amigas é Filipe Catto, travesti e não-binária, que Marina conheceu há cerca de dez anos, antes que Filipe começasse a transição. Elas são tão próximas que, ao saber que Filipe faria também um show no Festival Arte na Usina, no município pernambucano de Água Preta, decidiu convidá-la para participar de sua apresentação (no último dia 9).

Com bastante cumplicidade e sintonia, elas cantaram juntas "Algo Me Pegou"e "Não Sei Dançar" (uma das minhas músicas preferidas). "Ela foi uma das primeiras mulheres a falar da própria sexualidade de uma forma totalmente livre. Tem muitas músicas que falam disso e sempre de uma forma LGBTQIA+ sem disfarce. Nós da comunidade devemos muito a ela", diz Filipe.

"Eu sempre fui bissexual, a minha obra sempre teve essa conotação, mas eu componho para pessoas que querem ver o mundo diferente. Liberdade, honestidade, camaradagem, ideologia, amizade, lealdade, gosto de compor para qualquer pessoa que compreenda essas coisas", diz Marina, contando que, ainda que ela esteja descobrindo muita coisa agora, sua obra sempre teve viés não normativo.

Marina relembra que, em 1975, a censura da ditadura brasileira barrou "Alma Caiada", com letra de seu irmão Antônio Cícero e musicada por ela. A letra foi barrada porque dizia "mas às vezes pressinto que eu não me enquadro na lei, minto sobre o que sinto, esqueço tudo que sei", mensagem que podia soar como uma conclamação para que as pessoas não seguissem as regras do regime. "Só que não é sobre a lei da ditadura, é sobre não se enquadrar na lógica normativa, desde o começo foi sobre isso," diz Marina.

Outro causo que ela recorda tem a ver com a icônica "Uma noite e ½", lançada em 1987. A letra de Renato Rocketh é carregada de desejo e tem alguns dos versos mais tesudos da música brasileira que encontraram sua morada perfeita nos lábios de Marina. "Na época, um monte de gente da zona sul do Rio virou a cara pra mim porque a letra falava toda de bundinha de fora, mas quando ouvi pela primeira vez pensei que o Brasil inteiro ia querer ouvir", conta.

De fato, algumas horas depois de nossa conversa, ela subiu no palco, fez um show cheio de clássicos e encerrou justamente com ela. Nenhuma surpresa: todo mundo sabia a letra, como se fosse uma oração profana ensinada desde cedo.

É engraçado pensar que uma bundinha de fora causou escândalo na zona sul carioca, já que, hoje em dia, parte considerável das letras incluem coisas bem mais explícitas como promessas de sentar, quicar e rebolar (nada contra). "Uma Noite e ½" fazia promessas menos escrachadas, ainda que bem mais grandiosas e não menos cheias de libido: "O dia inteiro de prazer, tudo que quiser, eu vou te dar, o mundo inteiro aos seus pés, só pra poder te amar".

Inquestionavelmente, Marina Lima tem o elan de uma diva descolada que está sempre atenta ao que acontece ao seu redor. Ela não parou no tempo e não pretende parar de fazer shows. Em março do ano que vem ela deve estrear a turnê "Rota 69", para comemorar seus 69 anos de idade e 45 de carreira. O espetáculo tem direção de Candé Salles, que também é responsável pelo documentário "Uma Garota Chamada Marina", que fala sobre a vida e a carreira da cantora. Estou no aguardo, ela é uma das melhores que temos!