X de Sexo Por Bruna Maia

Sou autista e no BDSM consigo viver minha sexualidade com segurança

Leitora conta que regras sociais do flerte de pessoas neurotípicas servem ao domínio masculino

Os parceiros de BDSM não chegam do nada uns na casa dos outros usando roupas de couro e dando chicotadas - Unsplash

Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:

Oferta Exclusiva

6 meses por R$ 1,90/mês

SOMENTE ESSA SEMANA

ASSINE A FOLHA

Cancele quando quiser

Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.

Será que ele quer me comer ou só quer ser meu amigo? Essa mulher olhou pra mim, e isso significa que ela quer dar. Ele está fazendo charminho ou perdeu o interesse mesmo? Ela disse que quer transar, claramente quer namorar. Esses pensamentos estão nas entrelinhas do flerte heteronormativo e é enlouquecedor navegar por tantas lacunas –especialmente se você for mulher.

E, acreditem, para pessoas neurodivergentes pode ser simplesmente impossível. Helena, mulher cisgênera que está no espectro autista, diz que esse é um dos motivos pelos quais ser praticante de BDSM (sigla que originalmente significa Bondage, Domination, and Sadomasochism, mas hoje reúne diversos fetiches) a ajuda a viver sua sexualidade de forma mais lúdica, livre e saudável.

Ela conta que nunca conseguiu compreender os joguinhos da sedução, e que sua vida melhorou quando ela namorou um homem cross-dresser, que gostava de vestir roupas femininas e de dar o cu. Isso fez com que ela pesquisasse sobre esses temas e descobrisse o parquinho de diversões sexuais do BDSM. Fez todo sentido pra ela uma prática baseada em acordos e consentimentos.

Os parceiros de BDSM, como a pessoa dominadora e submissa, a pessoa que amarra e a que é amarrada, a sádica e a masoquista, não chegam do nada uns na casa dos outros usando roupas de couro e dando chicotadas: chegam, mas caso tenham acordado isso previamente).

Eles conversam e listam tudo que gostam e que não gostam, o que querem e que não querem, definem uma palavra de segurança. Isso garante a Helena a ideia de rotina e estabilidade, coisas importantes para quem está no espectro autista, e a segurança de que nada vai sair do controle.

"No flerte e no sexo padrão, as pessoas ficam nesse limbo sem saber o que a outra pessoa tá querendo ou dizendo, no BDSM é tudo muito claro. ‘Você quer que eu bata na sua bunda?’ ‘Quero!’. Aí a outra pessoa vai lá e bate na sua bunda", diz.

Helena é dominadora, e tem vários submissos. Alguns deles estão também no espectro. Uma delas é uma moça que chega na sua casa de coleira, pronta para viver tudo aquilo que elas combinaram antes. Com isso ela sente que está em um lugar seguro e controlado, e se abre para a experimentação de um jeito lúdico que não conseguiria acessar no sexo cisheteronormativo padrão.

"Me dei conta que muito dessa lógica do flerte de não saber o que o outro quer vem de uma lógica machista de que é o homem quem dita as regras. Mulheres e as pessoas não-binárias não podem decidir o que querem. Logo, tem uma questão de dominação no flerte normativo também", diz Helena. Não poderia concordar mais. Quantas vezes você, leitor ou leitora, deixou de expressar um desejo porque estava respondendo a uma comunicação muito pouco clara da outra parte de forma igualmente pouco clara?

Outro aspecto do BDSM que atrai Helena tem a ver com a sensibilidade. É comum que pessoas no espectro autista tenham hipersensibilidade ou hipossensibilidade sensoriais. Ela, por exemplo, precisa ser tocada com força para sentir excitação. Toques muito leves podem fazer com que ela se sinta ansiosa. Ela pode explicar isso para os parceiros antes, e sabe que vai encontrar compreensão porque eles estão acostumados às peculiaridades de cada um.

No sexo comum e baunilha (sem sadomasoquismo), muitas pessoas não conseguiriam compreender ou sequer teriam paciência. "Para mim é muito difícil compreender sutilezas da linguagem verbal e de me expressar assim, e no BDSM aprendi a ler os sinais físicos de prazer, de dor, tanto meus como dos outros."

Não estou no espectro autista e ainda assim encontro muita dificuldade de navegar pelo universo dos desejos não expressos, ou porcamente expressos da heteronormatividade. Faz todo sentido que o BDSM, com seus acordos claros e indubitáveis traga liberdade e alívio para os participantes. Imagina estar a fim de uma coisa, falar, e saber se você vai ou não receber exatamente aquilo sem rodeios?